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Treinamento de cavalos: entendendo os fundamentos dos animais

Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, comenta nesse artigo sobre treinamento de cavalos e o entendimento dos fundamentos dos animais

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Treinamento de cavalos entendendo os fundamentos dos animais

Há uma frase de Conwy Lloyd Morgan escrita em 1903 que diz: “em nenhum caso uma atividade animal deve ser interpretada em termos de processos psicológicos superiores, se pode ser interpretado de forma justa em termos de processos que estão mais abaixo na escala de evolução e desenvolvimento psicológico”.

Ademais, a frase parece ser difícil de ser entendida, sim, é complexa. Todavia, sua compreensão é a base de uma iniciação de potros ou treinamento de cavalos. Podemos destacá-la como um dos pilares da técnica horsemanship.

Aliás, em vários textos publicados no Portal Cavalus destacamos importância de uma técnica de treinamento com equinos, nestes casos, entendemos o treinamento como uma ponte entre o ensino e o aprendizado. O que você (treinador) quer ensinar e se o cavalo aprendeu.

Estes caminhos entre o ensino até o aprendizado acontecem de diferentes formas, técnicas e jeitos. Uns são mais rápidos, outros nunca acabam, outros causam dor e outros são mais gratificantes. Mas, vamos ao que importa: o que Lloyd Morgan quer dizer em sua frase.

PROCESSOS PSICOLÓGICOS SUPERIORES

Um grande erro na relação entre humanos e equinos é a de entender o animal como um bicho de estimação, um “urso de pelúcia”, de romantizar uma relação entre um animal e um humano. Tudo bem isso acontecer, é até saudável para o humano, entretanto, para cavalo não é muito não. O que ele mais quer é ficar solto com os outros animais, comendo e sem perturbação.

Contudo, mudamos a história e o cavalo fez parte dela, seja para o que for: viajar, lutar, trabalhar e, nos últimos séculos, para práticas esportivas. O cavalo tem características que humanos não tem: força e velocidade. O humano mesma coisa: raciocínio, consciência, fala, entre outros. Juntando os dois temos uma máquina quase que perfeita.

E quando perguntamos o que difere o humano dos animais, todos irão dizer que é o raciocínio. Não, não é. A grande diferença é que o humano consegue imaginar coisas antes mesmo de se materializar. Conseguimos pensar o que devo fazer para vencer o Campeonato Nacional em julho, o animal nem sabe o que é isso. Sua preocupação é “estou com fome, preciso comer”.

Pois bem, Processos Psicológicos Superiores são as capacidades que os humanos tem e que os animais não tem. Souza e Andrada (2013) apresentam como Processo Psicológicos Superiores a memória, consciência, percepção, atenção, fala, pensamento, vontade, formação de conceitos e emoção.

Mas os animais não têm memória, comunicação? Óbvio que tem, entretanto, como instinto, suas ações são sempre para a sobrevivência. Como resultado, eles aprendem o exercício para preservar a sua sobrevivência e não porque gostam de correr em volta de tambor, fazer zigue-zague nas balizas, tampouco tem o tal cowsense.

RECOMPENSAS

Dessa forma, o mais próximo de cowsense para o equino, é fazer o trabalho para cair fora dali e ser recompensado: deixar ele em paz. O mesmo no tambor, ele não gosta de correr, por isso percebemos muitos animais eufóricos e irritados no partidor.

Nesse sentido, retomamos a frase de Lloyd Morgan: “em nenhum caso uma atividade animal deve ser interpretada em termos de processos psicológicos superiores”. Ou seja, em nenhum caso podemos entender a atividade, a iniciação, o treinamento dos equinos com as nossas capacidades mentais, devemos entender os animais com a sua capacidade instintiva de sobrevivência.

Treinamento de cavalos: Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, comenta nesse artigo sobre o entendimento dos fundamentos do cavalo

UM EXEMPLO ROMANTIZADO

Provavelmente chegou até vocês um vídeo de uma égua atacando uma criança enquanto ela o alimentava, são cenas fortes (caso não tenha visto, pode assistir a explicação aqui). Isso é o que falávamos sobre a romantização da relação com os equinos: que belezinha é ir tratar os animais, como a criança está feliz, a mamãe filmando, fazendo post, etc.

Mas ali está um animal, usamos nossa cabeça de humanos para julgar os cavalos, a égua é perigosa, ela é cruel, tem que ser abatida, ela não presta, etc. Agora veja os fatos com uma cabeça de equino.

Cavalo não é romântico e legal, cavalo morde, dá coice, da manotaço, sempre para se proteger ou proteger seus filhotes. Na cabeça da égua ela irá atacar sempre que alguém representar perigo ao seu filhote, se olhar no vídeo ela está dando de mamar. Todavia, a égua é uma mãe superprotetora, está defendendo o seu potro.

Do contrário, os adultos que acompanhavam a criança não entenderam o perigo da situação, olharam um animal com cabeça de adulto, principalmente romantizando a relação com os cavalos é um erro. Equinos não são “ursos de pelúcia”, e por mais que suas ações possam ser de brincadeiras, essa brincadeira é muito mais forte e violenta para os humano.

Você pode assistir esse outro vídeo que, felizmente, não aconteceu nenhuma tragédia.

Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, comenta nesse artigo sobre treinamento de cavalos e o entendimento dos fundamentos dos animais.

OS FUNDAMENTOS DOS ANIMAIS

Vamos conversar sobre a técnica horsemanship. Existem vários conceitos que explicam todo o processo de iniciação e treinamento. Primeiro, e que muitos proprietários chegam até o nosso Centro de Treinamento Leandro Souza, é sobre o tempo.

Querem que a doma seja a mais rápida possível (máximo 2 meses) e que saia espinando, esbarrando, rodando no tambor, querem que façamos o milagre de tornar o cavalo num atleta em 2 meses. Isso não existe, o tempo é do conjunto, presta atenção, não é o tempo do treinador, é o tempo do conjunto. O treinador também tem suas barreiras, tem que pensar, rever o que não está dando certo, por isso é doma racional. E racional, como vimos, é o treinador, é ele quem tem que pensar.

O tempo para a maturação, não comemos as frutas verdes, esperamos madurar, o treinador e o animal também amadurecem. As técnicas são revistas, os animais são analisados e, de repente, o animal está aprendendo. Veja o treinamento como uma processo de ensinar e aprender, para isso há um longo caminho. Se já temos um passo, valorize, já é um avanço, o destino já fica mais curto.

Um passo primeiro, depois dois, depois três, nesta progressão teremos um spin. E nada com violência, agressão, esporada, o spin está na sua cabeça, mas não está na cabeça do equino. Lembra da diferença sua com o animal?

Por fim, o treinamento deve ser agradável, sem risco ou perigo para o equino. O animal só quer se proteger, então proteja-o. E quanto maior for a docilidade no treinamento, menor será as consequências aos equinos, no partidor teremos cavalos mais tranquilo e menos estressado.

 

REFERÊNCIAS

  • Rodrigues Filho, Luciano Ferreira; Rosa, Eder Ribeiro da. Entre cavalos e humanos: sobre relacionamento interpessoal. Curitiba/PR: Editora CRV, 2019.
  • SOUZA, Vera Lucia Trevisan de. ANDRADA, Paula Costa de. Contribuições de Vigotski para a compreensão do psiquismo. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 30, n. 3, set, 2013.

Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Cavaleiro e Pesquisador | 
Campeira Dom Herculano
Crédito da foto de chamada: Divulgação/Pixabay

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