O manejo como ferramenta educacional

Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, comenta nesse artigo sobre o manejo como ferramenta educacional

Em visita ao Centro de Treinamento Santa Luzia, administrado por Maria Alice Pereira, em Ourinhos/SP, muitas coisas chamaram a atenção. Umas delas é o número de crianças interessados na prática dos Três Tambores e o que isso está envolvido no manejo dos animais.

Em primeiro lugar, este fato chamou a atenção, quando estava acompanhando o dia a dia, conversando com as crianças e adolescentes que ali frequentam, sobre o manejo e quanto às práticas com os animais ensinam sobre a vida humana.

De fato é um CT conduzido por elas. Muitas pegam firme pra levantar uma cerca, apertar um parafuso, arrumar sua encilha, produzir os próprios troféus dos bolões, pintar um tambor, arrumar a alimentação, entre outros afazeres.

A rotina delas ali com o manejo despertou muitas curiosidades. Uma delas é sobre o quanto as atividades contribuíam no aprendizado delas sobre assuntos da vida, como o caso da sexualidade.

Alguns aprendizados

Sexualidade

Primeiramente, uma questão que intriga muitas crianças e que tira o cabelo dos pais é a “de onde nós viemos?”. Responder tal pergunta deveria ser algo tranquilo, por fazer parte da natureza humana. No entanto, fundados numa sociedade na qual a sexualidade é um tabu, as crianças acabam aprendendo no percurso da vida com os amigos ou internet.

Acompanhando uma jovem e sua égua, ela explicava sobre o que tinha acontecido durante a semana, quando sua égua estava no cio e então apareceu um cavalo recentemente castrado tentando copular com a égua.

Aquela movimentação foi interessante, mas a explicação da jovem fez perceber o quanto ela aprendeu sobre sexualidade de acordo com o manejo com os animais. Ora, os “cavalinhos” não vinham da cegonha, então tivemos que explicar toda a natureza dos animais, o manejo com éguas no cio, a diferenciação de manejo de éguas e garanhões, a semelhança entre o período fértil da égua com a fertilidade feminina. Em seguida, através destas comparações o tema da sexualidade fora discutido rompendo os tabus.

Empoderamento

Um tema que já foi abordado aqui no Portal Cavalus, ao tratar o animal como um “bicho de pelúcia”, pode mostrar a algumas crianças e adolescentes sobre o empoderamento.

É sabido que todos nós possuímos algumas características de personalidade. Dentre várias, Carl G. Jung apresenta o extrovertido do introvertido, na prática percebemos o introvertido aquele que é mais observador, que não se expõe com frequência, e se mantem focado em suas ideias.

O fato de ter que cuidar do seu animal, de prepará-lo e de ter que impor sua liderança fez com que ela se apoderasse não apenas com o animal, mas também no seu dia a dia. Isto não quer dizer que aquela personalidade introvertida mudou, pelo contrário, ela aprendeu que mesmo tendo essa característica ela se impõe quando necessário, principalmente na sua relação humana.

Responsabilidades

Como dito anteriormente, no Centro de Treinamentos Santa Luzia cada um faz sua parte. Foi interessante acompanhar crianças com um senso de responsabilidade com os animais, isso nos mínimos detalhes que passam despercebidos.

Para nós tomar água é algo “natural”, mas uma criança entender que seus animais precisam tomar água e que há momentos que elas têm que pegar no cabresto e levá-los até uma banheira mais próxima, nunca tinha passado por suas cabeças, antes, era só pedir para a mãe ou o pai.

Saber que o treino começa às 8h da manhã e que neste horário o cavalo já deve estar raspado, encilhado e a criança pronta para o treino, coloca nela uma responsabilidade na organização de sua rotina diária. Os compromissos seus e com os animais criam uma disciplina importante para o desenvolvimento humano.

Um bom lugar para estar

Estas foram algumas de muitas das questões que pude perceber no dia a dia de visitas. Um Centro de Treinamento organizado pelas próprias crianças e adolescentes onde fazem as coisas acontecerem pelo olhar atento da treinadora Maria Alice.

Por fim, muito mais que aprenderem a correr em volta de tambores, elas aprendem a se tonar adultas. Aprendizado que tem responsabilidade, comprometimento e amizade. Talvez não tenham a melhor estrutura, os melhores animais, mas sem dúvida, estão trabalhando para o crescimento enquanto ser humano.

REFERÊNCIAS
Jung, C.G. Tipos Psicológicos.Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Vozes, 1971.

Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Cavaleiro e Pesquisador |
Haras Dom Herculano
Crédito da foto de chamada: Divulgação/Pixabay

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