Todo final de mês é o mesmo assunto: as contas. E a conclusão é sempre a mesma: a conta não fecha
Muita coisa aconteceu no último trimestre no centro de treinamento do meu pai. Nós decidimos construir uma pista coberta porque entendemos que está cada vez mais difícil manter o rendimento com a quantidade de dias de treinos perdidos por causa da chuva. Também perdemos clientes importantes. Tudo isso faz a gente questionar e reavaliar o que pode ser melhorado. Ao mesmo tempo, estudamos nossa contabilidade, conversamos com outros treinadores para saber quais são os custos deles e qual a opinião deles sobre o nosso modelo.
Há algum tempo venho trabalhando nesse texto e numa tabela de custos de um centro de treinamento, porque também há algum tempo minha família vem quebrando a cabeça para conseguir reduzir {mais} os custos, manter o nível de qualidade dos serviços, manter os clientes, e sobreviver. Claro que cada um administra seu centro de treinamento de um jeito diferente e tem prioridades diferentes, mas a tabela abaixo é ‘o grosso’.
Para a sua elaboração, levei em consideração as seguintes premissas:
– Um centro de treinamento com 25 animais demanda além do treinador chefe, pelo menos um assistente que monta, um assistente que sela e dá banho, e um funcionário para limpar cocheira. Afinal, são necessárias pelo menos duas bundas para sentar em 25 cavalos todos os dias.
– Todos os produtos que usamos são de primeira linha, alimentação, medicamento, equipamentos e acessórios para treinamento.
– A modalidade Wworking Cow Horse demanda gado {pasto, manejo, trato, vacinas, vermífugo, sal mineral}.
– Não pagamos aluguel, mas investimos constantemente em melhorias grandes, que de um jeito ou de outro são necessárias. No nosso caso, a pista coberta no momento. Em 2016 pintamos o rancho todo, reformamos a cerca da pista.
– É preciso levar em conta não só aquela uma sela que você gasta no ano, mas quanto é preciso gastar para você ter aquelas cinco selas que são necessárias quando se treinam 25 cavalos, ou quando você apresenta 11 cavalos num só dia numa prova (como foi o caso do meu pai no último Potro do Futuro/Copa/Derby ABQM). E isso vale para outros itens, como capas, cabrestos, embocaduras, mantas, acessórios de proteção. É preciso um acervo acumulado, caso contrário os custos são ainda maiores.
A conclusão a que chego {e muitas pessoas concordam comigo} é que treinador não vive de treinamento, ele SOBREVIVE. E para viver é preciso uma fonte alternativa de renda. Comissões e venda de cavalos próprios são a primeira fonte alternativa. Num país em crise como o nosso, nem preciso dizer que essa fonte alternativa anda ‘seca’ ultimamente. No caso do meu pai, ele julga provas, faz romal, dá assessoria, dá aulas particulares. Premiações em dinheiro em provas também ajudam muito. E há quem diga que treinador no Brasil não vive disso e por isso a premiação da Aberta deveria ser menor…. Cada uma!
Meu pai tem 57 anos, minha mãe, 55. São dois guerreiros, eu sempre digo. Minha mãe é encarregada dos ‘serviços gerais’, e eu digo gerais porque ela faz absolutamente de tudo, exceto montar. Já meu pai, monta de tudo. Não raramente opera milagres com alguns cavalos.
Resolvemos, depois de muitas batalhas, e suas recompensas, que era o momento de tentar ‘tirar o pé’ um pouco. Mas quem conhece meus pais sabe que mesmo eles ‘tirando o pé’, ainda vão trabalhar muito. Não que quiséssemos diminuir os cavalos para dez, afinal ainda continuamos com exatamente 25 cavalos em treinamento. Mas queríamos sim ficar mais tranquilos quanto à quantidade e qualidade dos animais em treinamento, e manter a performance nas pistas.
Um dos pontos que acordamos é que descontos não eram justos e por isso não seriam mais concedidos {exceto no caso de um cliente ter três ou mais animais em treinamento}. Explico nossos motivos.
Primeira razão. Um cliente manda seu cavalo para treinar {idealmente} quando ele fecha dois anos. Esse cliente vai pagar dois anos de treinamento, sem desconto. Um outro cliente manda seu cavalo para treinar quando ele fecha três anos, e pede desconto. Não parece justo que o cliente que mandou seu cavalo para treinar no tempo certo, e vai manter o serviço por no mínimo o dobro do tempo, não tenha desconto e o outro tenha. Mais injusto ainda é imaginar aqueles dois cavalos competindo na mesma categoria, e o do cliente que tinha desconto ganha, e o outro fica em segundo. Não fosse pelo desconto, o cavalo campeão não estaria em treinamento, e quem ganharia é o cavalo do cliente que não teve desconto, mas que investiu na fase certa, por mais tempo. Lembro que a primeira vez que me fiz esse questionamento foi em 2013.
Segunda razão. Um cavalo que chega depois sempre leva um tempo para se adaptar ao programa do treinador, e mais ainda se forem chucros, mal domados ou mal iniciados. Além do trabalho de base para os chucros, é preciso um trabalho de correção de maus hábitos para os que já têm alguma iniciação. Não que todos tenham, obviamente, mas isso acontece. Esses casos demandam muito mais tempo do que um animal que iniciou no tempo certo, com a base certa para aquela modalidade. Esses geralmente não têm esse problema.
Lembram da fala da Sarah Dawson citada no primeiro texto do blog em que ela diz que o que os cavalos aprendem primeiro eles aprendem melhor? Se a primeira coisa que um cavalo aprender é fazer algo errado, ele vai ficar muito bom naquilo. Esse processo de correção acaba sendo extremamente desgastante emocionalmente {porque o treinador fica frustrado e tem a pressão do cliente} e fisicamente {porque às vezes esses cavalos não podem ser controlados ocasionando acidentes}.
Terceira razão. Cavalo em treinamento não é venda em atacado. Quanto mais cavalos em treinamento, são necessários mais funcionários, gasta mais equipamento, gasta mais comida {note que os custos de ração e feno na tabela são mensais por animal}, ou seja, não vai tornar o serviço mais barato. O custo é proporcionalmente maior. Mais importante que tudo, mais cavalos em treinamento demandam mais horas de sela. E se for um cavalo atrasado, mais horas de sela, mais desgaste, mais risco físico.
Concluímos que descontos não eram vantajosos e não eram cabíveis no nosso orçamento nem na nossa filosofia de trabalho. Concluímos que o trabalho de um treinador merece ser remunerado adequadamente, e que o cliente que investe no treinamento adequado merece ter prioridade. Concluímos que não podíamos baixar o valor do treinamento simplesmente porque precisamos sobreviver. Assisti um vídeo recentemente que retrata perfeitamente essa situação, hilário e ao mesmo tempo triste. Veja Aqui.
Meu pai cobra R$1.500 por mês para treinar cada cavalo. Seguindo a tabela que elaborei, ele teria um ‘lucro’ de R$7.500 reais por mês para viver, digo, sobreviver. Todos sabem o custo de vida do nosso país e sabem que isso é bem pouco. É ainda mais triste quando você pensa que o treinador ganha R$300 para se dedicar todos os dias no treinamento de um cavalo durante um mês inteiro. Quero crer que o proprietário que acha isso caro é porque não entende o quanto custa um cavalo em treinamento, apenas.
E o mal de todo treinador é o amor pela profissão. É a vontade de montar naquele cavalo e ganhar aquele título, provar sua capacidade, seu valor. Meu pai treina cavalos por amor. Ele acorda todos os dias com dores no corpo, mas monta o dia todo com um baita sorriso no rosto. O problema é que eu e minha mãe não achamos certo ele fazer isso de graça.
Nenhum treinador deveria se sujeitar a isso, e nenhum proprietário deveria exigir isso. É óbvio que existem situações e situações, negócios, ajustes. Mas não tenho dúvida que todo treinador passa por esse dilema de vida: trabalhar duro de sol a sol x ganhar quase nada por isso.
Definitivamente, AMOR resume essa profissão.
Por Karoline Rodrigues
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