A criação de cavalos da raça Árabe inspirou Nancy a contar, de forma ficcional, um pouco sobre tudo o que já viveu no meio e, assim, nasceram os seis livros que ela já publicou
Arquiteta, jornalista, criadora de cavalos da raça Árabe e escritora. Os títulos são muitos para apresentar a personagem desta reportagem, a carioca Nancy de Lustosa Barros e Hirsch. No entanto, iremos nos concentrar em falar apenas sobre duas dessas denominações: de criadora a escritora.
Sobretudo, porque um acabou sendo o responsável pelo surgimento do outro. Afinal, foi através do trabalho que Nancy desempenha na criação de cavalos Árabes, com o Haras Namahê, que ela se inspirou para contar, de forma ficcional, um pouco sobre tudo o que já viveu nesse meio.
Dessa forma, nasceram seis livros. Romances que têm como cenário o ambiente rural e os cavalos, além das famílias que os frequentam. Tamanha é a inspiração que o meio lhe proporciona que Nancy já trabalha no sétimo livro, mas que ainda não tem previsão de publicação.
Abaixo, você confere a entrevista completa com a escritora e criadora de cavalos. Nancy conta sobre o seu primeiro contato com cavalos, passando pelo início da sua criação, a atração pela raça Árabe, além dos objetivos e prêmios do Haras Namahê.
Se não bastasse isso, Nancy ainda conta como surgiu o interessa por contar histórias, sobre cada um dos livros publicados e os planos para o futuro. Confira!
Primeiro contato de Nancy com cavalos
“Antes de tudo, Cigano era o cavalo que meu avô paterno, um farmacêutico e criador de gado leiteiro, usava no sítio. Na minha memória de criança, castanho e grande, ele tornava as férias mais gostosas. Assim, o pelo macio, o corpo quente, o cheiro característico e a fascinação que um animal tão poderoso exercia são presentes até hoje.
Dessa forma, me recordo de cavalgar pelos arredores sem limites, entrar e sair de fazendas, fugir dos cachorros guardiões, atravessar ribeirões, catar uma fruta bem lá no alto. Mas, depois de crescer, além disso, apenas uma ida eventual e empolgante ao Jockey foi a que fiquei reduzida [sobre o contato com cavalos].”
Início da criação de cavalos Árabe
“Por puro acaso, meu marido e eu estávamos passeando em Campos de Jordão em 1990 e assistimos a um leilão de cavalos. Uma linda potranca, de pelo branquinho (ainda não sabíamos que o certo é dizer “tordilho”), entrou no picadeiro e a paixão foi simplesmente devastadora.
Bukra, este era seu nome, teve que viajar até uma fazenda de gado leiteiro em Uberlândia, porque não tínhamos outro lugar onde abrigá-la. Quando fomos finalmente visitá-la, o pelo branco imaculado estava manchado com a terra vermelha do local, todo arrepiado e sem o cheirinho perfumado do leilão.
O sítio do vovô estava abandonado e daí surgiu a ideia de construir uma baia e trazer Bukra para o Rio de Janeiro. Em nossa cabeça desinformada, seria bom que ela tivesse um “marido”. Portanto, retornamos a Campos do Jordão e num outro leilão cheio de emoções, após um lance por Krake, nosso eleito para a mão de Bukra, ter sido ignorado pelo leiloeiro, saímos de lá com Ashahir, Haylan, Morgobrah, Fai Prichard, Atika e Tekrina. Dois montados, dois potros e duas potrinhas.
Passado o calor do momento, esfriamos a cabeça e resolvemos nos informar sobre o que estávamos fazendo. Aí é que aprendemos sobre o que é criar cavalos e a raça Árabe. Eventualmente, aquilo que começou como um erro e um exagero se transformou. Quatro dos animais vieram a ser muito bem-sucedidos em enduro e os outros fizeram a alegria de novos proprietários como montaria de lazer.”
A atração pela raça
“A forma aleatória e arrebatada inicial transformou-se numa paixão. Todos os cavalos são maravilhosos e o Árabe em especial traz apelos irresistíveis. Primeiramente, sua história, que mistura realidade e lenda, é um deles.
Afinal, a vida no deserto das Arábias forjou este animal dando-lhe qualidades como a resistência, a rusticidade, a velocidade, a maneabilidade, entre outras. Sua conformação física auxilia na troca de calor com a temperatura ambiente; o tamanho sem ser avantajado facilita o subir e descer da sela de forma ágil; as narinas dilatadas ajudam na função respiratória; o trote o torna excelente para a prática de esportes.
Além disso, a beleza também é um fator importante no Árabe, a começar pela cabeça côncava, os grandes olhos expressivos, as pequenas orelhas, o pescoço de cisne. Fala fundo a qualquer um a lenda de que Alá lhe deu vida a partir de um punhado de areia e um sopro de vento”.
Objetivos da criação
“Como criadores do Árabe, um dos principais objetivos é a preservação das qualidades essenciais deste apaixonante animal, que tem um padrão muito específico e rico. Genética, função, conformação. Atleta por excelência, sem dúvidas, o Árabe pode brilhar em diversas modalidades, como enduro, tambor, baliza, corrida de longa distância e hipismo.
Nas grandes fazendas, este cavalo ocupa lugar de destaque com sua capacidade para a lida diária e é bastante usado como apurador genético para outras raças. Apreciadores do trote encontram nele o parceiro ideal para seus passeios.”
Prêmios do Haras NaMaHê
“O Haras NaMaHê amealhou alguns prêmios ao longo da trilha nas pistas de competições nacionais: Ashahir – aquele do começo de nossa história – no enduro. Rania, que traz o nosso sufixo NY, em tambores; Clef des Champs NY em Western Pleasure.
Participamos também de provas de conformação e fizemos três garanhões campeões: Snowshill Ariseyn, Gabriel BFA e Lothar NY. Além disso, Quartz NY inaugurou a era da unanimidade no julgamento de Liberdade e levou o inédito prêmio máximo.
Os potrinhos Pizzicato e Utrillo, ambos NY, os dois campeões ainda ao pé de suas mães. Entre as fêmeas, citamos as éguas Innamorata, Tinkerbell, Vogue, e as jovens Dawn Appeal, Joyeuse, e Melina – todas criação NY.
Baby Bafadi NY, na prova que escolhe o melhor desenho de cabeça, baseada nos padrões da raça, foi destaque. A qualidade dos nossos produtos também foi reconhecida internacionalmente, com as exportações e subsequentes premiações em pistas estrangeiras não só dos próprios como de seus descendentes.
E assim pretendemos continuar: cultivar o cavalo do deserto, com o que aprimoramos nosso plantel de éguas e fornecer ao mercado o que de melhor o Árabe proporciona.”
Onde fica localizada o criatório?
Nossa criação teve o chute inicial com a ajuda do amigo e vizinho Mário Péres, mentor inclusive do nome do haras NaMaHê, junção das iniciais dos nomes de minhas duas irmãs Marcia e Heloisa e o meu, numa homenagem ao vovô.
Estamos em Quatis, pequena cidade ao sul do estado do Rio à beira do rio Paraíba do Sul, quase a meio caminho de São Paulo pela rodovia Dutra. Começamos com um tamanho médio, chegamos a ter 72 animais de nossa propriedade além de outros aos quais damos hospedagem.
Hoje, nossa tropa flutua um pouco com função dos nascimentos, mas é de aproximadamente 20 cabeças, entre matrizes, potrinhos e garanhões, e continuamos recebendo pensionistas. Ocupamos aproximadamente 27 hectares entre pastagem, 24 baias, picadeiro e redondel de treinamento, lanchonetes, área de preservação de mata e represa.
Cinco funcionários administram a estrutura, os exercícios, a doma, a alimentação, o casqueamento, o ferrageamento e os cuidados com saúde. Todos são locais e aprenderam seus ofícios juntamente conosco, ao longo desses vinte e tantos anos de criação. Nossos agradecimentos a Celso, à família do Marcelo e aos meninos Ribeiro”.
Contando histórias
“O cavalo Árabe foi o responsável pela recuperação do sítio da família e, consequentemente, estreitou os laços entre todos. Passamos muito tempo juntos na casa de nossos antepassados ou nas viagens para participar e assistir provas.
Quem não sabia montar aprendeu; todos descobriram quem é este animal, vindo a apaixonar-se, e uma sobrinha dedicou-se ao hipismo e ao enduro. As festas no haras sempre têm cavalos na programação e foi através deles que conhecemos pessoas e fizemos muitos amigos queridos.
Esse clima de confraternização, de união, inspirou o desejo de contar, de forma ficcional, um pouco do que vi. Daí, nasceram os seis livros que publiquei. Os ingredientes são justamente, família, amigos, o rural, o urbano e os cavalos. Basta gostar de romances e de cavalos (não precisa ser necessariamente o Árabe!) para se divertir com a leitura”.
Livros publicados
“O primeiro de todos os livros, Passo Trote Galope, fala de um grupo de cavalos abandonados no Brasil Central, que retornou ao estado selvagem e dos esforços de uma família para recuperá-los, ao mesmo tempo em que tenta salvar o próprio haras.
Quer Apostar? veio em seguida, com a personagem principal que não entende absolutamente nada sobre cavalos, mas quer muito aprender, mesmo entre trancos e barrancos. Em Sob o Signo de Centauro, as paixões são portentosas, inclusive pelos animais e duas famílias se desentendem seriamente por causa deles.
Do Carrossel, o quarto livro, não costumo desenvolver sobre a trama, porque eu o escrevi com o intuito de surpreender. Este só pode ser obtido via Amazon, na forma eletrônica.
Já o desafio de tirar leite com o gado de vovô inspirou o Vale das Luas no qual a personagem principal tem que rebolar pra aprender o ofício. Por fim, o sétimo, Perdi a Cabeça, traz outra família que passa por um momento traumático por causa das travessuras de um de seus membros. Neste momento, trabalho no próximo romance, ainda sem previsão de publicação, e cujo título provisório é Piuí.”
Por Natália de Oliveira
Crédito das fotos: Arquivo pessoal/Nancy de Lustoza Barros