Saúde & Bem-estar

Castração: Fazer ou não fazer?

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Castrar ou não um cavalo é sempre um assunto polêmico. Reunimos algumas das perguntas que são feitas com frequência sobre o assunto, para facilitar a sua decisão de “fazer ou não fazer”.
  1. Por que castrar um cavalo?

Generalizando, apenas um cavalo que seja utilizado na reprodução com regularidade deve permanecer inteiro. Um garanhão tem instintos afiados e deve ser manejado e montado apenas por pessoas muito experientes no trato com cavalos. Instintivamente, ele procura questionar a dominância dos seres humanos e assim pode acabar machucando pessoas e animais à sua volta. Além disto, os garanhões tendem a ser menos concentrados no trabalho montado. Numa hípica ou haras, o garanhão quase sempre vive isolado dos outros animais, o que representa um grande sofrimento emocional para os cavalos.

Há raças em que os cavalos inteiros são muito mansos e em que a prática da castração é pouco adotada. Mesmo assim, os instintos adormecidos até do garanhão mais manso podem vir à tona de um momento para outro e é nesta imprevisibilidade que surgem as situações de perigo.

  1. Tenho um potro inteiro de dois anos e meio que é muito manso. Devo castrá-lo mesmo assim?

Quanto mais natural for a criação de um potro, mais sociável ele permanecerá. Machos inteiros soltos em grupo convivem bem, uma vez estabelecida sua ordem hierárquica, desde que tenham uma área grande à disposição. Em manejo intensivo, os potros machos são separados por volta do seu primeiro aniversário. A partir daí, não viverão mais em grupo (ao contrário das potrancas), perdendo a interação social. Então surgem os cavalos adultos agressivos e violentos, que precisam ser castrados para evitar problemas maiores.

Ainda que alguns potros continuem mansos por mais tempo, a maioria vai ficando mais agressiva e territorial a partir do segundo aniversário. Num potro tardio, pode ser interessante atrasar em alguns meses a castração, dando-lhe oportunidade de desenvolver melhor as características sexuais secundárias, que influenciam a aparência do cavalo castrado adulto. Mesmo os cavalos inteiros tardios perdem a “neutralidade sexual” por volta dos três ou quatro anos de idade.

  1. A partir de que idade um potro pode ser castrado? Há problemas em castrar um garanhão mais velho?

O equino macho nasce com os testículos na bolsa escrotal, onde eles permanecem por alguns dias. Depois, sobem para a cavidade abdominal, de onde só voltam a descer por volta dos 24 meses de vida. Alguns veterinários fazem a castração dos potros recém-natos, porém geralmente a castração é feita por volta do segundo aniversário. É preciso esperar até que ambos os testículos tenham descido totalmente para a bolsa.

Sendo executada por um médico veterinário habilitado, a castração pode ser feita em cavalos de qualquer idade, mesmo em garanhões que vinham sendo utilizados na reprodução. Desde que o cavalo esteja com boa saúde, não há limite superior de idade para a castração.

  1. Que fazer quando o cavalo só tem um testículo visível na bolsa escrotal?

Popularmente, dá se o nome de roncolho ao cavalo criptorquida, que tem um dos testículos permanentemente retido no abdômen. Este testículo não produz espermatozóides viáveis, porém é eficiente na produção e liberação de testosterona, o hormônio masculino. Se num cavalo deste tipo apenas o testículo visível for removido, teremos um “falso castrado”, com comportamento típico de garanhão. Esta condição pode ser confirmada por medida dos níveis sanguíneos de testosterona. O correto é remover o testículo oculto junto com o aparente. Esta é uma cirurgia de cavidade, bem mais complicada e perigosa que uma castração normal, que precisa ser feita com o animal sob anestesia geral e de preferência num hospital veterinário.

  1. Que profissional pode fazer a castração?

Apenas o médico veterinário, de preferência especializado em equinos, está habilitado a castrar cavalos. A castração realizada por “prático” é crime de crueldade contra os animais com pena prevista em lei. Infelizmente, em muitas regiões do país a castração e outras cirurgias ainda são realizadas sem o instrumental necessário, sem cuidados técnicos nem as mínimas condições de higiene. Muitos práticos sequer tranquilizam os cavalos, derrubando-os à custa de peias, cau sando traumas físicos e psicológicos às vezes irreversíveis para os animais.

A castração de cavalos realizada por não-profissionais tem um alto índice de óbito, seja por hemorragia, infecção ou evisceração. Os cavalos ainda podem sofrer queimaduras de corda com as peias e o sofrimento durante um pós-operatório mal realizado pode atrasar seu treinamento em meses. Numa castração bem realizada, com um bom pós-operatório, o desconforto experimentado pelo animal é mínimo e sua recuperação é rápida, com o cavalo apto a voltar ao trabalho leve após duas semanas de recuperação.

  1. Quais são as possíveis complicações da cirurgia?

A complicação mais imediata é a hemorragia. Muitos cavalos morrem após castrações mal feitas, devido a uma ligadura  ineficiente dos vasos sanguíneos. Em raros casos, especialmente se já havia uma hérnia escrotal presente (que pode ser pequena e inaparente), ou algum problema estrutural do anel inguinal, pode ocorrer um início de evisceração, que precisa ser imediatamente controlado pelo cirurgião através da técnica de sutura correta. Se o pós- operatório não for bem conduzido, o surgimento de infecções sempre traz consigo o risco de afecções sistêmicas, tais como septicemia, laminite etc.

O tétano é um grande risco para os cavalos que não foram vacinados, nem tenham recebido soro anti-tetânico. Se houve problemas técnicos na cirurgia (por exemplo, fio errado ou contaminado) ou no pós-operatório (curativos malfeitos), podem ocorrer fístulas, fibroses e aderências do cordão espermático, causando dores ao andar ou um abscesso de drenagem permanente.

  1. O cavalo é anestesiado para a intervenção?

Nas castrações a campo, a maioria dos veterinários lança mão da tranquilização seguida de anestesia local, dada no cordão espermático. O cavalo pode então ser castrado de pé, não havendo necessidade do uso de peias, que podem causar lesões mesmo no animal tranquilizado. Com uma anestesia local correta, o cavalo praticamente não sente dor durante a cirurgia. Alguns veterinários preferem executar uma ligeira anestesia geral, a qual é mais dispendiosa e tem um risco marginalmente maior para o paciente, mas apresenta a vantagem de maior segurança para o cirurgião e de possibilitar uma intervenção mais rápida, devido às melhores condições de manipulação e visualização da área.

  1. Como é o procedimento cirúrgico?

Basicamente, após tranquilização, assepsia e anestesia local, a pele escrotal e as membranas que revestem um dos testículos são incisadas com o bisturi. As estruturas são debridadas até se isolar veia e artéria que irrigam a gônada. Alguns profissionais fazem uma ligadura com fio de sutura, outros utilizam um emasculador  (instrumento cirúrgico específico para a finalidade), outros combinam as duas técnicas. De qualquer maneira, é necessário ter certeza de que uma boa hemostase foi feita antes de se seccionar os vasos. Cordão espermático e outras estruturas normalmente são cortados por dissecção romba. É importante remover o epidídimo, bem como o máximo de membranas remanescentes, para reduzir a inflamação local. Em seguida, o mesmo procedimento é repetido no outro testículo. A maioria dos veterinários prefere fazer uma incisão separada para cada testículo. Não se recomenda fazer a sutura de pele; os cortes devem permanecer abertos para haver boa drenagem do local.

  1. Quais medicamentos o cavalo deve receber antes, durante e depois da cirurgia?

Mesmo que a última vacinação do cavalo contra o tétano ainda não tenha vencido, sempre é aconselhável aplicar uma dose de soro anti-tetânico, que é muito barato e pode evitar desgostos e dores de cabeça enormes. Recomenda-se que o cavalo esteja em jejum há pelo menos quatro horas antes de ser tranquilizado e que não receba alimentos (apenas água) até o dia seguinte. Os veterinários costumam adotar uma antibioticoterapia preventiva e a maioria também indica analgésicos pelo menos nos dias iniciais do pós-operatório. O uso de corticóides, com ou sem diurético, pode ser indicado em alguns casos, mas não deve ser adotado indiscriminadamente para evitar complicações maiores.

  1. Quais efeitos negativos à longo prazo a cirurgia pode ter sobre meu cavalo?

A maioria dos cavalos se adapta à condição de castrado com muita rapidez, sem traumas físicos ou emocionais. Alguns animais, especialmente os mais velhos, parecem ter certa dificuldade em se adaptar às alterações hormonais no organismo (à semelhança de uma andropausa!). Se o cavalo castrado após dois meses ainda estiver um pouco abaixo do peso, com aspecto deficiente na pelagem, podem ser feitos exames laboratoriais para detectar as possíveis causas. A maioria destes casos responde bem a suplementos nutricionais, mas é preciso levar em conta a possibilidade de ter havido a recidiva de um problema crônico de saúde (por exemplo, babesiose), devido à queda de resistência orgânica que toda cirurgia traz consigo.

  1. Quais são os cuidados pós-operatórios?

Um bom esquema de curativos e de movimentação controlada é essencial para a rápida recuperação do paciente e quase tão importante para o sucesso da intervenção quanto à técnica cirúrgica em si. O curativo diário deve incluir ducha fria e lavagem com sabão neutro, tanto na bolsa escrotal quanto em redor, especialmente nos primeiros dias. A hemorragia residual dos pequenos vasos de pele e estruturas acessórias pode persistir por alguns dias. Especialmente nos meses quentes, existe o risco de miíases (bicheiras), exigindo redobrado cuidado com os curativos – não apenas em escroto, prepúcio e virilha, mas também na cauda e garupa. A maioria dos veterinários recomenda a remoção dos coágulos que se formam na bolsa, a partir do segundo dia, pois a permanência dos mesmos pode ser foco de infecção, retardar a cicatrização e levar à formação de fístula ou fibrose do cordão. A irrigação local com solução fraca de permanganato de potássio é uma boa idéia para auxiliar na limpeza da ferida cirúrgica. O curativo precisa ser concluído com a aplicação de um repelente contra moscas. É muito importante que o curativo seja feito diariamente até a completa cicatrização (quatro a seis semanas), para evitar abscessos.

  1. A partir de quando o cavalo pode voltar a trabalhar?

Já no dia seguinte à cirurgia, o cavalo castrado deve ser encorajado a andar a passo por alguns minutos, para reduzir o edema de membros e partes baixas, comum após a castração. Se houver um piquete com sombra e água à disposição onde o cavalo possa ficar sozinho, também pode ser usado a partir do primeiro dia.

Após uns sete dias, o cavalo estará se movendo normalmente a passo, com o edema quase desaparecido. Se tudo correr bem, duas a três semanas após a castração, é possível reiniciar o trabalho montado, de preferência com passeios a passo, gradativamente introduzindo as andaduras mais aceleradas e o trabalho mais intenso. No entanto, a cicatrização completa da ferida cirúrgica pode levar um mês ou mais, e os curativos diários precisam continuar a ser feitos enquanto houver tecido aberto (chamado pelos veterinários de “solução de continuidade”).

Para ser solto em grupo, caso se trate de um cavalo que não tinha contato social com outros cavalos há algum tempo, é melhor esperar até a cicatrização quase completa, para evitar complicações por brigas, coices e mordidas. Quando o cavalo castrado for introduzido ao grupo, é melhor fazê-lo gradativamente, apresentando-lhe um cavalo por vez. A maioria dos recém-castrados ainda tem níveis residuais de testosterona por uns dois meses.

Escrito por : Claudia Leschonski

Foto por : Cedida

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