Luciano Rodrigues, pesquisador e cavaleiro, foi buscar no passado um assunto interessante para nos contar: biga
A biga se resume a uma carroça, de duas rodas, puxada por dois animais. Dessa forma, muda o nome para triga, se forem três cavalos. Enquanto pode ser chamada de quadriga, se puxada por quatro animais. Sua história é antiga, iremos decorrer este período histórico até chegarmos ao uso da biga nos jogos olímpicos. Primeiro iremos falar do ‘carro’, em seguida de seu ‘motor’, os cavalos que a puxavam.
Várias são as pesquisas quem dizem sobre o período da domesticação dos cavalos. Utilizado para o uso como animal de tração, para o trabalho na agricultura. A evolução do processo de domesticação o elevou a animal de transportes, podendo percorrer longas distâncias. O humano é a primeira espécie a ultrapassar sua própria velocidade através dos cavalos.
Os carros
Em nossas pesquisas encontramos poucos estudos sobre as origens da biga, porém, podem-se desvendar suas raízes se aprofundando em outros textos de outras temáticas. Nosso ponto de partida são os escritos cuneiformes de Kikkuli, treinador de cavalos em ±1400 a.C..
Assim sendo, seu texto é sobre o treinamento de cavalos de carruagem, focado do condicionamento físico dos equinos para a batalha. Kikkuli pertencia ao Império Hitita (Turquia, Síria, Líbano e Norte do Iraque).
Todavia, outros impérios também já conheciam a tecnologia das carruagens, como vemos na Batalha de Kadesh. Sobretudo, travada entre Egito e o Império Hitita, que contou com cinco a seis mil carruagens. Uma fonte importante desta batalha é o ‘Poema de Pentaur’, que descreve toda a batalha do ponto de vista egípcio.
‘Mas ele (Ramsés II) havia enviado homens e cavalos excedendo muitos e numerosos como a areia, e eles eram três homens em uma carruagem e estavam equipados com todas as armas de guerra’. Dessa forma, civilizações antigas já utilizavam as carruagens.
Até o momento, as evidências indicam que as carruagens surgiram antes de 1400 a.C. Um marco importante para as investigações é que as carruagens só são carruagens por causa de um atributo: a roda.
Ora, as primeiras evidências da roda datam de ±4000 a.C., sendo encontradas nas ‘primeiras’ civilizações: Suméria (atual Iraque), Vale do Indo (atual Paquistão) e Egito. Primeiramente usadas para o transporte de carga, logo no transporte de pessoas. Esta apropriação tecnológica se transpôs para as guerras, ganhando em velocidade, capacidade de carga e artilharia. Como vimos no ‘Poema de Pentaur’, com a carruagem era possível carregar vários combatentes em grandes velocidades.
Os motores
Na procura pelos primórdios das raças dos cavalos, sabe-se que os cavalos contemporâneos são da espécie Equusferuscaballus. Conforme Carolyn Willekes, baseando-se na aparência e localização geográfica, em restos esqueléticos, representações artísticas e raças ‘nativas’ encontrados nessas regiões hoje, os cavalos atuais descendem de quatros ‘raças ancestrais’.
A saber: o pônei do norte da Europa, cavalos das estepes do Sul (Irã, Iraque, Arábia Saudita, etc.), cavalos das estepes do Norte (Ucrânia, Cazaquistão, Mongólia etc.) e os cavalos ibérico/mediterrâneo (sul da Europa).
Há outras classificações importantes, como as de Hermann Ebhardt, W. Ridgeway, J. K. Anderson, StegmannandGoodall, C. A. Pietrement e André Sanson. Contudo, adotaremos a de Carolyn Willekes, por ser a pesquisa encontrada mais atualizada.
Sabe-se que os cavalos europeus, de sangue frio, desenvolveram a força do cavalo de tração. Enquanto que os cavalos das estepes, principalmente do sul da Eurásia e península arábica, desenvolveram maior velocidade, resistência e inteligência, os cavalos de sangue quente.
Dessa forma, desta região podemos destacar as raças Barb (Norte da África), Árabe (Península Arábica), Akhal-Teke (remanescente do turcomano) e o cavalo Cáspio (Irã).
Muito provável é que os cavalos utilizados nas bigas tenham suas raízes no cruzamento destas ‘raças’. Raças entre aspas, pois naquele período não reconhecia os animais com alguma raça, como por exemplo a palavra ‘Arábia’ ou ‘Arabaya’ apareceu pela primeira vez por escrito na Pérsia antiga, em 500 a.C.
Segundo a Arabian Horse Association, ‘os faraós conseguiram estender o império egípcio, usando o cavalo nas carruagens e confiando em seu poder e coragem.Com sua ajuda, sociedades de terras distantes como as civilizações do Vale do Indo se uniram às culturas mesopotâmicas.Os impérios dos hurritas, hititas, cassitas, assírios, babilônios, persas e outros subiram e caíram sob seus cascos trovejantes’.
Tempo das corridas
Nos países árabes, as corridas de cavalos eram realizadas, podendo o vencedor ficar com toda a tropa de perdedor, inclusive as éguas de guerra que não tinham preço. As corridas eram frequentes na Grécia antiga, no Império Romano e Bizantino.
Tornam-se famosas nos circos romanos e nos jogos olímpicos na Grécia. AS corridas eram organizadas em equipes, com seus cavalos, tratadores, cavaleiros. Pode-se ver essa estrutura no filme ‘Bem-Hur’.
As equipes eram identificadas por cores, a identificação para as equipes eram tão forte que o fim das corridas de biga está relacionado com a Revolta de Nika (para um próximo texto), na época do imperador Justiniano, em Constantinopla entre facções verdes e azuis, este conflito culminou no assassinato de várias pessoas.
Jogos Olímpicos
A corrida de bigas era um dos esportes mais contemplados nos jogos olímpicos antigos (Jogos Olímpicos Modernos a partir de 1896, administrado pelo Comitê Olímpico Internacional – COI). Ficando atrás das corridas de pedestres (stadium).
De acordo com o Museu Olímpico, os jogos olímpicos se iniciaram em 776 a.C, não se sabe ao certo o motivo, uma das hipóteses foi a de união do mundo helênico. Na época a Grécia estava saindo do período conhecido como Idade das Trevas Gregas, dando moldes as cidades-Estados.
Os jogos olímpicos podem ter sido adotados para amenizar os conflitos e estreitar a paz entre os povos helênicos. A corrida de biga é incluída em 648 a.C., chega a Grécia através das tradições e das guerras, nesta época a biga, junto com o cavalo, era o principal veículo utilizados pelos povos. Sendo a corrida uma representação das guerras sem grandes baixas.
Política do ‘pão e circo’
Concomitantemente, a República Romana também adota a corrida de biga como esporte. Todavia, os jogos públicos (como as batalhas dos gladiadores), como a corrida de biga se torna um mecanismo político: Panem et circenses.
Para Jérôme Carcopino, a política do ‘pão e circo’ usava as corridas de biga, assim como as batalhas de gladiadores, para ‘ocupar’ os plebeus para evitar revoltas contra a república. Outra linha teórica, diz que essa política não se tratava de, apenas, uma ‘manipulação de massas’, mas para o povo e o Imperador se confrontarem.
Um dos grandes marcos desta política é o Circo Máximo (tour 3D), criado para as corridas de bigas, com capacidade de 150 mil espectadores, com 621 metros de comprimento e 118 metros de largura. Ainda há resquícios da arena em Roma, abandonada no século IV, sendo utilizada para a construção de outros monumentos.
Com o fim do Império Bizantino as corridas de biga entram em decadência, dando lugar as corridas montadas. Uma das heranças das bigas são as corridas de Driving (Atrelagem), modalidade da Federação Equestre International (FEI).
Referências
- RINK, Bjarke. Desvendando o enigma do Centauro: como a união homem-cavalo acelerou a história e transformou o mundo. São Paulo: Equus Brasil Editora, 2008.
- WILLEKES, Carolyn. From Steppe to Stable: Horses and Horsemanship in the Ancient World. (Unpublished doctoral thesis).University of Calgary, Calgary, AB, 2013.
- The Olympic MuseumEducational and CulturalServices.The Olympic Games in Antiquity.Disponível: https://www.olympic.org/. Acessado em: 14 abr 2020.
- https://www.ancient.eu/article/147/the-battle-of-kadesh–the-poem-of-pentaur/
Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Cavaleiro e Pesquisador | Campeira Dom Herculano | lu_fr@yahoo.com.br
Crédito da foto de chamada: Pexels
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