Ferrageamento antes da prova, sim ou não?

Não é intuito deste artigo dizer se o ferrageamento que antecede a prova é correto, se deve ser executado ou não.

Mas, apenas lembrar alguns detalhes que devem ser considerados e que podem fazer grande diferença.

Para isto, formulei algumas perguntas e possíveis alternativas de resposta (às vezes com outras perguntas), que podem ajudar o leitor amigo a decidir de forma coerente e assim, conseguir resultados mais satisfatórios.

Gostaria de salientar que cada pergunta deve ser respondida de forma particular, e que, as respostas que seguem são apenas exemplos baseados em conversas informais com treinadores, ferradores e toda a galera do cavalo em geral.

Por que temos que ferrar nossos animais nos dias que antecedem a competição, às vezes momentos antes da prova?

 Acho que esta é a principal pergunta que dever ser respondida com sinceridade, pois pode  ser a diferença entre a vitória ou a derrota, o futuro atlético e  outros aspectos do manejo de toda a tropa.

Vamos às respostas mais comuns, não necessariamente nesta ordem.

I – Meu ferrador não pode comparecer com antecedência por falta de agenda e por isso optamos por ferrar os animais já no local da competição. Ok, mas esta resposta nos leva a outras perguntas:

a) Será que o responsável por agendar com o ferrador a data do ferrageamento fez o que deveria ter feito, procurou o ferrador com a devida antecedência para agendar a próxima data?

b) O ferrador cancelou a visita depois de tudo agendado?

c) O ferrador não tinha espaço na agenda quando foi procurado?

Provavelmente as respostas serão:

a) Falta de organização da parte do responsável pela agenda do ferrageamento

b) Imprevisto na rotina do ferrador: doença, veículo quebrado, falta de comprometimento, entre outros.

c) O ferrador está sobrecarregado de trabalho.

II – Os animais não estão rendendo o esperado. A opção então é experimentar outro ferrador, ou outra forma de ferrageamento para tentar resolver a questão. Outra resposta que nos leva a outras perguntas:

a) Será que o ferrageamento está influenciando de forma tão incisiva no rendimento da tropa?

b) Tem certeza que antes da prova é o momento mais apropriado para experimentar um novo estilo de ferrageamento?

c) Os animais estão tão abaixo da média, que não tem o que piorar, então qualquer mudança, no mínimo vai ficar tudo como está?

Respostas:

a) Como ferrador profissional há mais de 20 anos, isto pode acontecer, mas não é tão simples assim. Dentro da minha experiência, é bem mais fácil um ferrador tirar/atrapalhar a performance de um animal do que dar um extra. O que na realidade acontece, é que um ferrageamento bem feito em suas primicias, exclusivo para cada indivíduo, de acordo com o estágio de treinamento do aminal e sua conformação, pode propiciar a chance para que este indivíduo mostre todo o seu potencial.

b) Quanto mais radical for a mudança, seja ela no equilíbrio estático, como dinâmico, mais tempo o animal vai precisar para se ‘acostumar’ e se sentir seguro. Devemos lembrar que, existe uma ‘memória muscular’, e que cavalos atletas tendem a demorar um pouco mais para se adaptar a nova postura, dado ao grande tônus muscular que desenvolvem por conta do treinamento.

Não posso deixar de citar aqui que, um indivíduo, por conta de um ferrageamento equivocado, forçado a permanecer e/ou trabalhar em uma postura arificial, e que o retorno a posição mais natural, confortável em relação a suas características de conformação vão proporcionar um relaxamento e alívio muscular.

Agora, vamos pensar com um pouco mais de praticidade:

– Um aumento brusco de tração no trem posterior, momentos antes da competição pode custar o comprometimento de estruturas como curvilhão, boleto patela e etc. Como?

O animal não está acostumado com esta tração extra!  Não dá para falar para ele no ouvido que seus pneus traseiros vão estar muito mais firmes no solo, e que ele não vai dar aquela leve ‘escorregada’, como de costume.  Então, quando no instante que precede a entrada para o tambor, e este indivíduo estiver com toda a sua estamina liberada e seus posteriores se firmarem, de forma inesperada no piso da arena, o resto da massa corpórea vai continuar se movendo como antes e é aí que a coisa pega.

– Se o rendimento da tropa está muito abaixo do esperado, a probabilidade de ser culpa apenas do ferrageamento é pequena. Provavelmente, outros fatores também estão contribuindo para esta baixa no rendimento. Não se pode deixar de lado a alimentação, mineralização, cuidados dentários e etc.

Além de tudo isso, é importante lembrar uma ‘equação’muito válida no momento da definição do tipo de ferrageamento a ser executado: até que ponto é justificavel um ferrageamento/ casqueamento que visa somente a performance em detrimento do conforto e bem estar dos animais?

Exemplo: Jogadores de futebol, assim como as bailarinas, executam seu trabalho com ‘sapatos especiais’, mas não permanecem com eles por todo o tempo.  Não quero dizer com isto que os cavalos devem trocar de ferraduras todas as vezes que forem competir. Sei que na vida real isto não funciona.

Porém, acho válido lembrar que, um bom plano de ferrageamento,  montado em equipe, ferrador/treinador e competidor, juntos , todos caminhando na mesma direção pode fazer  a diferença entre o sucesso e o fracasso.

Um dos meus mentores, com mais de 50 anos de experiência em ferrageamento, me disse o seguinte: “Um cavalo de Tambor é montado em média 45 a 60 minutos por dia, tem os períodos (dias) de descanso, que variam individualmente e passam o resto do dia na cocheira, soltos em piquetes. Também não se pode deixar de considerar que, o cavalo, como um predador na cadeia alimentar, dorme em pé, então, juntando tudo isso, ele passa a grande parte da vida dele sobre suas patas.”

Agora vem a pergunta: O que é mais coerente, manter o cavalo confortável para que ele possa relaxar e estar pronto para o próximo dia ou permitir que ele fique com sapatos apertados para ‘trabalhar’ melhor por um pouco mais de meia hora, talvez dia sim, dia não?

Acho pertinente esta citação, porque é comum ver animais com ferraduras extremamente pequenas e apertadas dentro de um ciclo de ferrageamento que não condiz com esta situação. Em outras palavras, um jogador de futebol, calçando chuteiras o dia todo.

Enfim, sei que se continuar as perguntas e respostas vão ser intermináveis, mas acho que o texto acima já é suficiente para levar o amigo leitor a uma reflexão sobre o assunto, que é de suma importância e deve ser levado a sério por todos os que desejam participar de forma competitiva.

Espero ter ajudado!

Por Helbert A. Barion, ferrador professional, CJF – DWCF, certificado Journeyman Farrier pela Associação Americana de Ferradores AFA 2005, diplomado em ferrageamento pela Veneravel Companhia dos Ferradores do Reino Unido WCF 2010

Fotos: cedidas

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