Matéria originalmente traduzida da revista Science News, que é referência mundial, fala sobre um assunto, no mínimo curioso
Os cavalos podem saltar sobre altos obstáculos, galopar a velocidades de até 70 quilômetros por hora e transportar cerca de 1.000 kg de peso corporal – e tudo isso possuindo apenas um grande dedo em cada pé. Agora, um novo estudo publicado na revista Proceedings of the Royal Society B ajuda a explicar o porque disso: os dedos simplificados melhoraram a força e a velocidade dos cavalos.
Junto com zebras e burros, os cavalos estão entre as poucas criaturas que possuem um único dedo no reino animal. Os cientistas já suspeitavam que o único dedo dos cavalos os ajudava a correr mais rápido sobre as pastagens, permitindo que fugissem dos predadores e encontrassem forragem fresca. Mas a hipótese de que ter um único dedo grande é melhor do que ter vários, biomecanicamente falando, nunca foi testada diretamente. “Este estudo é um passo importante para entender porque os cavalos perderam os dedos durante sua evolução inicial”, afirma Karen Sears, bióloga evolutiva da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles – EUA).
Os ancestrais dos cavalos tinham muitos dedos. O Hyracotherium era do tamanho de um cão, viveu há cerca de 55 milhões de anos, tinha quatro dedos nas patas da frente e três nas patas traseiras. O Merychippus, que viveu cerca de 10 milhões de anos atrás, parecia um cavalo moderno, mas tinha três dedos nos pés, incluindo um longo dedo no meio, com um casco protetor, como uma unha na ponta. O único gênero de cavalo sobrevivente foi o Equus, que possui apenas um dedo e surgiu cerca de 5 milhões de anos atrás.
O cavalo ancestral Hyracotherium (ilustrado) percorreu a América do Norte há cercade 55 milhões de anos. Tinha quatro dedos nos pés da frente e três nos pés traseiros
Para retraçar a evolução dos dedos dos pés, Brianna McHorse, paleontóloga da Universidade de Harvard, e colegas, usaram tomografia computadorizada para capturar a estrutura interna dos ossos de pés fossilizados de 12 tipos de cavalos extintos. Eles também analisaram os pés da anta centro americana, que possuem vários dedos, de forma semelhante ao Hyracotherium. Uma simulação computacional, em seguida, permitiu que os pesquisadores estimassem como os ossos responderiam aos estresses da locomoção para cada espécie, como saltar sobre um obstáculo ou acelerar em um galope. Então, os cientistas compararam o que acontecia quando aplicavam o peso corporal completo do animal sob o dedo central do pé, e quando o distribuíam entre os dedos múltiplos.
A equipe mostrou que os dedos laterais aumentaram significativamente a capacidade inicial dos cavalos de suportar seu próprio peso – o dedo central do pé dos cavalos primitivos teria fraturado sem a ajuda de outros dedos. À medida que a era dos cavalos modernos se aproximava, os dedos laterais sumiram, no entanto, o osso intermediário do pé cresceu. Essas mudanças tornaram o pé com um único dedo resistente à flexão e à compressão.
Ilustração que representa um ancestral mais recente dos cavalos: o Merychippus.Ele possuía três dedos visíveis nas patas, sendo um deles grande,
semelhante ao que vemos hoje nos cavalos
À medida que as pernas dos cavalos ficavam mais longas, os dedos extras no final do membro seriam “como usar pesos ao redor de seus tornozelos”, reforça McHorse. Segundo ela, o desaparecimento dos dedos dos pés poderia ter ajudado os primeiros cavalos a economizar energia, permitindo que eles viajassem cada vez mais rápido. O estudo não pode determinar quais mudanças vieram primeiro – se o aumento do dedo médio do pé aumentou a perda dos dedos laterais ou se a perda de dedos laterais causou mudanças no dedo médio.
Os cavalos não são os únicos animais a terem perdido os dedos durante o processo evolutivo. “Os dedos foram perdidos muitas vezes em animais que caminham, correm, pulam e voam”, diz Kim Cooper, bióloga da Universidade da Califórnia, em San Diego. Modelando a forma como as forças da locomoção agem nos ossos de um animal – vivos ou extintos – podemos ajudar os cientistas a entender o porquê.
Colaboração: Vinicius Mussi, graduado em Biomedicina
Fonte: A Geração Ciência e Revista Science News