Paulo Junqueira nos conta sobre essa viagem espetacular que ele fez na neve pelos Andes
Em 2008 resolvi passar o final de ano cavalgando na neve, nos Andes. Na Argentina, acima de tudo, temos várias opções de cavalgadas nos Andes, eu já fiz algumas como a Ruta Vuriloche, que já descrevi aqui no portal Cavalus. Merece destaque também a Travessias dos Andes (cruzando de/ou para Chile) na região de Bariloche.
De acordo com a história, a mais famosa Travessia dos Andes é aquela que San Martin percorreu com seu Exercito dos Andes em 1817, entre Mendoza e Los Patos no Chile. Com efeito, passando ao largo do monte Aconcágua, que com seus com seus 6.962 metros é o ponto mais alto de todo o Hemisfério Sul e o mais alto fora da Ásia.
Las Lenas
Minha cavalgada nos Andes em 2008 foi na região de Malargue. Mais conhecida pela estação de esqui Las Lenas, próximo de onde em 1972 aconteceu o famoso acidente com avião da Forca Aérea Uruguaia. Nesse acidente morreram vários jogadores da seleção uruguaia de rugby e cuja história se transformou em filme.
Malargue, onde dormimos a primeira noite (vindo de Mendoza), na língua dos Puelches significa curral de pedras. Assim sendo, tem uma atração especial, o Observatório Pierre Auger, um local onde uma nova ‘janela’ de estudos sobre o universo está tomando forma. Esse Observatório foi constituído e é administrado por 19 países, dentre os quais o Brasil.
Cenários de filmes de Faroeste
No dia seguinte saímos cedo do hotel e seguimos de carro até o povoado de Las Loicas. Chegamos em um rancho próximo, cercado por Álamos, e o Daniel já nos esperava com os cavalos arreados. Assim como já havia observado em outras viagens na Patagonia, os Álamos criolos são arvores que denunciam a existência de vila ou mesmo uma casa no meio das extensas áreas semi-desérticas da Patagônia.
Então, a partir desse local começamos nossa viagem de cinco dias percorrendo cada dia um novo cenário, todos absolutamente surreais, espetaculares. Alguns lembram o Monument Valley nos Estados Unidos, cenário de grandes filmes de faroeste. Montanhas, cânions, rochas, areia e neve, tudo no meio de um ‘nada’ árido.
Cavalgada na neve a mais de três mil metros de altitude
Um diferencial dessa viagem a cavalo foi que nos vários trechos em que subimos a 3.200 metros, cavalgamos na neve e cruzamos riachos de degelo. Assim, no dia 31 de dezembro cruzamos a divisa com o Chile, com direito a foto no marco de divisa.
Cavalgamos durante um bom tempo sobre a neve fofa até que chegou um ponto aonde os cavalos começaram a afundar as patas na neve, Armando, nosso experiente guia, prudentemente resolveu que deveríamos adotar um caminho alternativo para voltar ao acampamento em segurança.
Ano Novo estrelado
Logo depois de cada dia de expedição, com vento, areia e frio castigando o corpo, voltar ao acampamento, que parecia um ‘oásis’ no fundo do vale denominado de Caixão do Trolon foi reconfortante. As noites bem dormidas garantiram a energia para a jornada do dia seguinte.
No dia 31 tivemos noite de lua cheia, o que favoreceu nossa comemoração de Ano Novo estrelado. A altitude, o clima, ausência de poluição e luzes urbanas criam condições especiais para se admirar o céu, num lugar como esse, admirar as estrelas se transforma quase num ritual. Nosso grupo nesta viagem estava composto de brasileiros, ingleses e argentinos, turma boa!
‘Arreio’ dos animais
Durante o verão na região os vales são ocupados por manadas de gado, cavalos e cabritos (os ‘shivos’, muito apreciados por nossos guias). De acordo com nosso guia Armando Escobar, há mais de 15 anos ele levava sua criação para essas montanhas, região aonde tinha uma concessão de 4.500 hectares.
Todos os anos ele fazia o ‘arreio’ dos animais. Ou seja, em abril conduzia por pouco mais de 200km, durante algumas semanas, seus animais, cerca de 250 cabeças de gado, 140 de equinos e 1500 de cabrito para a região de Mechenguille a fim de passarem o inverno.
E fazia o caminho de volta em novembro para os excelentes pastos da montanha no verão. Isto me lembrou de rotina semelhante realizada pelas comitivas em algumas regiões do nosso Pantanal e na ilha do Marajó, aonde todos os anos o gado tem que ser levado para regiões altas no período das chuvas.
Típicos crioulos mestiços
Os cavalos do Armando eram típicos crioulos mestiços, fortes, rústicos e muito adaptados para o duríssimo percurso de nossa cavalgada nas montanhas. Sem qualquer suplementação, estavam em ótimo estado somente com o pasto natural que é rico em nutrientes. Só lamentei o fato de eles ficarem maneados a noite toda.
Mesmo sabendo que isto é uma tradição e que os cavalos acabam se acostumando, me incomodou ver nosso companheiro de todo o dia saindo do acampamento aos saltos para o campo. O Armando, como todos os baqueanos, usa arreamento típico, curioso são os estribos, muito grandes, redondos e com um pequeno espaço para encaixe do pé.
Essa cavalgada cruzava uma Reserva Indígena, infelizmente após alguns anos, os índios decidiram não liberar mais a passagem em suas terras.
Por Paulo Junqueira Arantes
Cavaleiro profissional e Diretor da agência Cavalgadas Brasil
www.cavalgadasbrasil.com.br
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