Aventureiros a cavalo têm uma trilha para Machu Pichu com paisagens deslumbrantes, ruinas incas, vilarejos pitorescos e hospedagem no conforto das montanhas
Recomendo sempre começar essa cavalgada com dois dias de aclimatação a altitude em Cusco. Fundada no século 11, Cusco foi a Capital do Império Inca e era o centro político e religioso do Império, e por isso os conquistadores espanhóis fizeram questão de marcar sua presença a construindo ‘em cima’ dos principais palácios e templos incas. Vale a pena visitar suas muitas igrejas, museus e prédios coloniais, além das ruazinhas de pedra com muitas lojas e vendedores de um rico e colorido artesanato. Dormimos em Cusco num ótimo hotel instalado em um antigo mosteiro.
No terceiro dia, saímos cedo para nossa ‘cavalgada com estilo’, com destino a Machu Pichu. Seguimos de carro até as ruínas incas de Tarawasi, localizadas próximo a cidade de Limatambo, cerca de 1h30 de Cusco. Esse templo inca era um ponto de parada para os viajantes incas que vinham da costa para Cusco.
Continuando nossa viagem, fizemos uma parada para café na vila de Mollepata, tradicional ponto de partida para quem vai a Machu Pichu pela Trilha Inca de Salkantay, e seguimos para o Rancho Coronilla, onde ficam os cavalos e base de saída de nossa cavalgada. Após um lanche de almoço, recebemos todas as informações acerca de nossos cavalos e da trilha e fizemos uma pequena volta de familiarização com os cavalos antes de partir. Esta primeira cavalgada é uma espécie de reconhecimento quando podemos observar o desempenho de cada um e fazer os ajustes se necessário.
O caminho para Soraypampa segue por montanhas com muitas pedras e um bonito vale com um rio correndo entre as pedras. Durante o percurso pudemos observar um antigo canal de irrigação Inca ‘cortando’ a montanha ‘do outro lado’ do rio e também uma mata de arvores polylepis (queunas), nativas da região. Após três horas de cavalgada, surge como uma miragem a visão do lodge aos pés do monte nevado Salkantay (3.850ms) – uma das montanhas mais sagradas da cosmologia Inca.
A equipe de funcionários nos espera com uma calorosa recepção servindo chá quente de coca, cuidando de nossos casacos e trocando nossa bota suja por um chinelo limpinho e nos acomodando ao lado de uma lareira aconchegante. No quarto nos esperava uma cama king size, edredom de plumas, travesseiros de penas de ganso, tudo com muito bom gosto.
Ao entrar num caminho sagrado como o do Salkantay, é recomendado realizar, uma oferenda pedindo proteção aos Apus. Um mergulho rápido na cultura Inca e na geografia local mostra que os quinhentos anos sob o domínio da coroa espanhola não conseguiram sufocar na cultura inca a crença nos elementos da natureza, o amor à mãe terra (Pachamama), a obediência ao calendário das constelações e a fé nos espíritos sagrados (Apus) das grandes montanhas.
A partir daqui iniciamos a parte mais difícil, inóspita e bonita da Trilha Inca de Salkantay, trilha que considero melhor opção que a tradicional Trilha Inca, e melhor, não é preciso carregar mochilas, acender fogareiros ou dormir em barracas, toda a bagagem segue com uma tropa de mulas comandada por arreeiros.
Os quatro lodges de montanha aonde nos hospedamos estão localizados em cenários cinematográficos, um a cada dia de viagem. Cada lodge foi projetado para representar uma tradição Inca e o Salkantay Lodge representa a tradição dos palácios Incas. Nos Lodges, o cardápio foi elaborado por uma nutricionista e os pratos servidos com detalhes artísticos por um chef que abusa de alimentos leves e energéticos, como a quinoa nativa dos Andes.
Há ainda surpresas, como a bolsa de água quente colocada debaixo das cobertas na hora de dormir e os bombons em cima da cama. Após uma noite de grandes sonhos, o segundo dia de cavalgada é dedicado à aclimatação aos efeitos da altitude e nossa cavalgada segue até a base do nevado Humantay, partindo dos 3500 metros de altitude, rumo aos 4200m e depois baixando – uma estratégia utilizada por montanhistas.
Num determinado ponto, deixamos nossos cavalos com os guias e subimos a pé um pequeno trecho até o lago: Soray, ‘os olhos de Humantay’, cuja água vem dos glaciares da montanha do mesmo nome. A vista é deslumbrante; um lago que pode estar verde ou azul (dependendo do tempo estar nublado ou não) emoldurado pela montanha nevada! Os Incas consideravam os lagos glaciais como sendo ‘olhos’ da montanha.
De volta ao Lodge, depois de uma relaxante ducha ou banho na Jacuzzi (ao ar livre e aquecida a 37º C), o grupo se reuniu na sala da lareira para receber o briefing do dia seguinte. Após mais uma noite no Salkantay Lodge, abençoados pelos xamãs, como eram chamados os ‘pagés’ na cultura Inca, começamos cedo os preparativos para nossa subida ao Paso de Salkantay num percurso que é o mais difícil, mas também o que apresenta as melhores paisagens. Salkantay é o segundo pico mais sagrado na mitologia Inca e com seus 6.270 metros é o mais alto na região
São preparativos de uma verdadeira expedição. Podemos ver o carregamento de nossa bagagem nas mulas (curiosidade: elas são vedadas com típicos panos coloridos na hora do carregamento) e acompanhar a preparação dos cavalos. A saída para o vale do Wayraccomanchay é triunfal, além de nosso grupo, os muleiros com toda a bagagem, o cozinheiro e seu assistente que vão nos acompanhar durante os próximos dias (os muleiros saem um pouco depois e no meio do caminho nos alcançam e seguem em frente enquanto o cozinheiro que saiu antes vamos encontrar no meio do dia com o almoço pronto no acampamento ‘armado’ no meio da trilha.
Devagar subimos admirando um casal de condores fazendo suas evoluções. Avistar essa ave, considerada pelos incas uma mensageira dos Apus, é sinal de sorte. Logo adiante surgem as apachetas, montículos de pedras empilhadas para mostrar seu respeito aos Apus, (tradição que nós também mantemos colocando nossa apacheta no local).
Os Incas usaram este ‘Passo’ como um cemitério e hoje o que vemos são inúmeras pilhas de pequenas pedras empilhadas pelos que por lá passaram num sinal de respeito pela montanha. A 4.700 metros de altitude (ponto mais alto de nossa viagem), estamos no Passo de Salkantay, com as neves do Salkantay quase a tocar os pés, um momento de reflexão e emoção.
Depois de uma parada no ‘Passo’ para fazer nossa ‘oferenda’ e nossos ‘pedidos’, começamos a descida rumo ao Wayra Lodge (Wayra: vento; lugar aonde o vento mora), uma construção de pedras ao sopé da outra face do Humantay, a face norte, com ovelhas pastando ao lado de um rio de águas turquesa. O Wayra Lodge tem como motivação a religiosidade dos Incas e em sua decoração vemos ricas peças de artesanato de rituais Chaman. Passamos a noite com a visão de nossos cavalos pastando cobertos com suas mantas no gramado junto a nosso quarto.
No dia seguinte um percurso com mais vida pelo caminho, a paisagem começa a mudar completamente: são as matas tropicais de altitude com orquídeas, bromélias, samambaias e borboletas e muitos pássaros. Uma descida tranquila em que cruzamos pequenas comunidades nas montanhas e passamos por trechos estreitos aonde descemos dos cavalos e passamos a pé, enquanto nossos cavalos são conduzidos pelos guias.
O Colpa Lodge (2.840 metros) fica encravado no final de uma cordilheira de montanhas, aonde nos esperavam com uma Pachamanca, receita tradicional das montanhas aonde diversas variedades de batata e de carnes (bovina, suína, aves e porquinho da Índia) são assadas enterradas entre pedras fervendo. O Collpa Lodge foi construido num ‘platô’ na confluência de três rios que se juntam para formar o rio Santa Teresa que segue até Machu Picchu. Tal qual os demais, este Lodge também tem um estilo único e como motivação a arte e a música dos Incas. Mascaras coloridas utilizadas em danças e “ponchos” usados em cerimônias enfeitam as paredes. A jacuzzi na frente do Lodge tem uma vista panorâmica imperdível das montanhas que estão ao redor.
Após o café da manhã, começamos nossa descida pelo vale do rio Santa Teresa, junto à mesma vegetação exuberante do ecosistema ‘cloud Forest’. Cruzamos com inúmeras nascentes e alguns trechos estreitos onde descemos dos cavalos e passamos a pé, enquanto nossos cavalos são conduzidos pelos guias. Após cerca de 4h30 de cavalgada chegamos ao início da Trilha Inca de Llactapata aonde vamos ter que nos despedir de nosso companheiro de jornada (nosso cavalo) e seguir a pé por cerca de meia hora até chegarmos ao Lucma Lodge (2.150 metros).
Projetado para celebrar a natureza, este Lodge além de estar totalmente integrado ao meio ambiente de seu entorno, tem em seu interior plantas e imagens que representam esta proposta. Depois de mais uma noite agradável, sentindo falta de nossos cavalos, começamos um dia diferente ‘caminhando’. Começamos cedo nossa subida de 650 metros até a passagem Llactapata, que está a 2.800 metros.
Durante toda a subida podemos apreciar uma vista espetacular e alguns minutos após a “passagem” encontramos as ruínas de Llactapata, ainda em restauração (ou seja com partes intactas!), um sitio arqueológico pouco visitado, e de onde poderemos de um lado singular (sudoeste), que poucos tem a oportunidade de ver, pela primeira vez, enxergar a Sétima Maravilha do Mundo, a cidadela de Machu Pichu, que apesar de estar distante, é algo impressionante. Caminhamos mais um pouco até a estação de trem, que nos leva numa breve viagem até a cidade de Águas Calientes também chamada de Machu Pichu Pueblo.
Um despertar bem cedo é sugerido para aqueles que querem ver o sol nascer em Machu Picchu. Os primeiros raios de sol tocam a cidade de pedra iluminando terraços, praças, observatórios e templos. Os Incas preservaram um de seus mais belos segredos no alto de uma montanha no meio dos Andes. A chegada à cidadela é o momento triunfal da viagem. Temos uma vista incrível do alto dos terraços!
Não há como não se surpreender a cada construção de pedra, os templos, as praças, os mirantes e os entalhes precisos nas pedras. Um lugar aonde o tempo parou. A verdadeira história dessa construção ainda é um mistério, mas uma coisa é certa, o lugar transmite uma sensação de paz muito grande! No final da tarde embarcamos novamente no trem em Águas Calientes, com destino a Ollantaytambo (cerca de 1h30), onde nos esperava um carro para o transfer a Cusco e final de nossa viagem.
Sem dúvida, uma experiência única!
Por Paulo Junqueira Arantes
Cavalgadas Brasil