200 anos de independência: o Brasil construído no lombo de muares

Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, fala nesse artigo sobre o envolvimento dos equinos e muares na história do Brasil

7 de setembro de 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, marco este que tornou o país independente, deixando de ser uma colônia portuguesa.

Para tantas comemorações importantes nesta data, principalmente da soberania nacional, emancipação política e cidadã, temos nestes 200 anos muitos fatos importantes para serem relembrados. Uma delas é sobre os cavalos que contribuíram para esta independência e formação de um Estado livre e autônomo.

De fato os cavalos contribuíram muito mais que, apenas, estes 200 anos de independência. Lembrando uma frase de Afonso Arinos, epígrafe do livro “Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil” de José Alípio Goulart, diz: “Duas longas orelhas ficariam melhor, como símbolo da nossa nacionalidade, do que o lema ordem e progresso, inscrito em nossa bandeira”.

1532: Projeto Brasil Agrícola

Quando em 1532, Portugal decide tornar o território brasileiro em uma grande “empresa agrícola”, construindo cidades em defesa do seu patrimônio que buscavam invadir o território em busca de ouro. Portugal se aproveita do conhecimento de produção agrícola em terras tropicais.

Uma dessas culturas foi a cana de açúcar, já produzida por Portugal em ilhas do Atlântico. No Brasil, esse conhecimento chega na produção dos grandes engenhos. Bem se sabe que o movimento, o transporte, e toda força utilizada na época pautava-se nos animais de tração e de longas jornadas de transporte.

Há vários documentos históricos, como cartas, dos administradores das Capitanias Hereditárias, solicitando animais em prol do desenvolvimento territorial e na ocupação das terras.

Têm-se várias hipóteses sobre a entrada dos cavalos no território brasileiro, “basicamente por três vias distintas: a primeira pelo norte da Argentina, onde os animais percorreram um longo percurso desde a América Central, passando pelo Peru e atravessando os Andes. A segunda teria sido diretamente da Argentina e do Paraguai, por intermédio das missões jesuíticas. E a terceira, seria a dos animais oriundos da Península Ibérica pela importação de cavalos da Andaluzia, principalmente equinos das raças Árabe, Andaluza e Bérbere” (SILVA, 2014).

Contudo, podemos notar que nessa entradas temos a formação de diversas raças de cavalos aqui no Brasil, como o Crioulo, Mangalarga, Pantaneiro etc. Cada qual na sua função social para a formação do Brasil.

Muares: silenciosa e heróica

Assim inicia José Goulart a introdução de seu livro: “foi a tropa de muares, silenciosa e heroica, varando sertões, atravessando ravinas, rasgando matas, vadeando rios, galgando paredões escarpados, equilibrando-se em abruptos declives, que assegurou – assegurou e manteve – a circulação de produtos e de mercadorias, canalizando vida e civilização para os grupos humanos que se haviam enfurnado Brasil adentro”.

Quando o Brasil inicio o processo agrícola, deixando o modo coletor de ouro, para se tornar uma base econômica pautada na produção agrícola, os muares foram os animais que deram movimento e velocidade na construção de uma nação. Seja com o tropeirismo trazendo mantimentos do sul do Brasil para o sudeste e nordeste, pela força em carregar a produção do campo para os portos no litoral, ou no deslocamento humano para desbravar novas fronteiras, enfim, os muares executaram uma importa função na formação socioeconômica do Brasil.

200 anos de independência o Brasil construído no lombo de muares
Fonte: Jean-Baptiste Debret (1827).

Lembra Guilherme E. Hermsdorff: “proporcionalmente ao tamanho, o burro tem mais força e resistência que o cavalo. Estas qualidades são ainda mais evidenciadas pela grande faculdade que tem de saber dosar e regularizar suas forças, durante o trabalho”. Por isso, Goulart enfatiza sobre a preferência pelo muar, “não só cargueiro mas também como montaria, especialmente para as longas viagens em caminhos acidentados, que os criadores de cavalos alarmaram-se e alardearam grandes prejuízos e consequente instabilidade de seus estabelecimentos”.

Com esta notação que chegamos no dia 7 de setembro de 1822, e os diversos mitos envolvendo o “Grito do Ipiranga” de Pedro Américo.

Grito de Ipiranga

Muitas histórias por trás da pintura do “Grito do Ipiranga” de Pedro América. O Portal Cavalus já publicou sobre algumas curiosidades. Mas aqui vamos defender os muares. Pedro Américo, nem era vivo quando o “grito” da independência fora feito, numa tentativa de romantizar e de trazer adornos heroicos ao marco da independência, retrata o fato com movimentos, armas empunhadas, lutas, belos cavalos, indumentárias de exército, etc.

200 anos de independência o Brasil construído no lombo de muares
Fonte: “O Grito do Ipiranga” Pedro Américo (1888), Museu Paulista.

Porém, temos que defender os muares que silenciosamente e heroicamente bradaram o grito da independência. No livro “Memórias póstumas do Burro da Independência”, Marcelo Duarte dá o verdadeiro crédito ao burro do imperador: “ele [Pedro Américo] trocou o burro por um cavalo porque tal montaria não condizia com a cena da independência. Mas, para aguentar a subida da serra entre Santos, onde a comitiva estava, em São Paulo, os burros é que davam conta do recado”.

Vários historiadores afirmam que Dom Pedro montava um burro, por essas e outras histórias que no dia 7 de setembro agradecemos aos muares por toda dedicação em prol da construção de uma nação. Por isso, reproduzimos aqui a obra de Biry Sarks como o verdadeiro Grito do independência.

Fonte:

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2003.

GOULART, José Alípio. Tropas e tropeiros na formação do Brasil. Conquista, s/d.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.

SILVA, Danilo Conrado. Análise de conteúdo do discurso de criadores do Cavalo Curraleiro no Estado de Goiás. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Goiás, Escola de Veterinária e Zootecnia, 2014.

Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho

Cavaleiro e Pesquisador | Haras Dom Herculano

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