O cavalo e a humanidade: como os equinos ajudaram na construção da história

Cavalos já serviu de correio e meio de transporte, ajudou a erguer e a afundar exércitos. Saiba como, carregando o homem em seu lombo, o cavalo ajudou a construir civilizações

A mitologia grega tem na imagem do centauro – metade homem, metade cavalo – um ser forte, inteligente e perigoso. Não era para menos. Deve ter sido aterrorizante para os gregos antigos, que nunca tinham visto uma pessoa montada naquele animal, enfrentar um bando de cavaleiros com arco e flecha invadindo seu território, saqueando riquezas e fugindo velozes. A figura do centauro provavelmente foi inspirada nos povos nômades da Ásia central, que começaram a atacar os assentamentos agrícolas no século 2 a.C. A destreza, a coordenação e a rapidez dos cavaleiros surpreenderam aquelas comunidades.

Cavalo e a humanidade

Como era possível dominar um cavalo assim? Na verdade, o processo de domesticação foi demorado e não se sabe exatamente quando o homem começou a montar. Mas é certo que, a partir do momento em que isso aconteceu, surgiu uma nova forma de organização.

Eles passaram a ajudar na agricultura, a servir como meio de transporte e como armas de guerra, mudando a balança de poder entre as civilizações até a primeira metade do século 20 – quando as máquinas começaram a ser usadas nas batalhas. “Por meio do manejo do cavalo, o homem das estepes atingiu uma organização socioeconômica de grande sucesso. […] Pastoreando os cavalos, os nômades administraram melhor os recursos disponíveis e evitaram as correrias desenfreadas que, frequentemente, terminavam com suas barrigas vazias”, diz o pesquisador Bjarke Rink em Desvendando o Enigma do Centauro.

O cavalo existe há 55 milhões de anos. O gênero mais antigo de que se tem notícia é o Eohippus, que tinha a altura de um pônei e dedos nas patas. Há cerca de 3 milhões de anos surgiu a espécie Equus, ancestral do cavalo atual. Dotada de cascos, ela se espalhou por vários continentes. Uma das mais importantes características do equino – e que permitiu o sucesso de seu relacionamento com o homem – é que ele precisa de um líder. Sua capacidade, e mesmo vontade, de transferir lealdade determinou o reconhecimento do humano no lugar de outro equino como guia. E lá se foram juntos, homem e cavalo, rumo ao desenvolvimento das sociedades.

Clint Eastwood montado em um cavalo na série Spaghetti Westerns Getty Images

Entre as comunidades nômades que domesticaram o animal, os hunos se destacam. Eles podiam passar dias seguidos montados em equinos. Até dormiam nas costas do animal, que servia de alimento, tração e transporte. O rei Átila devastou cidades inteiras, no século 5, com sua cavalaria.

Aos poucos, os demais povos aprenderam as habilidades equestres dos nômades. Ao conviver com o homem sedentário, o cavalo passou a ter outro papel, mais atrelado à vida econômica. As primeiras academias de equitação foram criadas na Idade Média, baseadas em técnicas violentas de conduta.

Invenções

“Todos os inventos europeus para economizar tempo foram inspirados no cavalo e na equitação, que acabaria lhe dando o domínio do mundo”, escreveu Bjarke Rink. A nobreza do noroeste europeu foi responsável pela difusão do uso do cavalo numa rede de comunicação que depois se tranformaria nos correios. Até as calças foram inventadas para a equitação e depois adaptadas para o uso cotidiano. Nas cidades, os cavalos distribuíam todos os produtos agrícolas e manufaturados e ainda ofereciam locomoção para as viagens.

Quando a era das grandes navegações chegou, lá estavam eles. Para os nativos da América, os equinos devem ter parecido monstros cruéis – o animal estava extinto na região. Os espanhóis tiraram vantagem disso e ajudaram a espalhar boatos de que os equinos eram bestas mágicas. Hernán Cortéz, que comandou a conquista do que é hoje o México, disse: “Próximo a Deus, devemos nossa vitória aos cavalos”.

No Renascimento, Federico Grisone descobriu o que seria uma glória para a equitação clássica – e um alívio para os equinos. Suas buscas em textos sobre os equinos renderam a descoberta do mais antigo texto sobre cavalaria, o Manual da Equitação, escrito pelo general grego Xenofonte, em 400 a.C. A obra, que tinha ficado desaparecida por 1 800 anos, oferece uma abordagem mais branda para o adestramento, sugerindo paciência e racionalidade no tratamento dos animais.

Os séculos 18 e 19 foram marcados por batalhas ferozes. O poder equestre de uma nação era decisivo. Montado, o guerreiro ficava maior, mais rápido e forte. “O papel mais importante de um cavalo numa batalha era fazer parte da cavalaria de frente. Essa operação, com centenas de milhares de equinos emparelhados atacando o inimigo, era uma das mais apavorantes e temidas ações da história militar. Mil cavalos se movendo a 50 km/h é muito intimidador – além de fazer a terra tremer de verdade”, afirma Louis DiMarco, autor de War Horse – The History of the Military Horse and Rider (“Cavalo de guerra, a história do cavalo militar e do cavaleiro”,). A derrota de Napoleão em Waterloo (1815) foi um verdadeiro enfrentamento equestre. O general foi para o exílio e seu cavalo, Marengo, acabou incorporado às tropas britânicas.

Elizabeth Taylor balança a perna por cima de um cavalo enquanto monta em 1947 Getty Images

Nos séculos 19 e início do 20, o mundo estava bem diferente. Mas, cada vez mais, o homem dependia do cavalo. As cidades modernas estavam cheias deles. Nos anos 1800, já havia congestionamentos nas ruas de Londres. A Revolução Industrial não poupou os animais. “No século 19, o ‘horse power’ fazia sozinho o que a energia elétrica, o petróleo e o biodiesel somados fariam no século 20”, diz Rink. Em 1870, cerca de 300 patentes foram registradas nos Estados Unidos para maquinários que utilizavam cavalos. “Alguns usos eram bem exóticos. Por exemplo, em Nova York, existiam ferry-boats movidos a cavalos que giravam as rodas”, afirma Clay McShane, autor de The Horse in the City: Living Machines in the Nineteenth Century (“O cavalo na cidade: máquinas vivas no século 19”). Em 1900, 130 mil cavalos trabalhavam em Manhattan (mais de dez vezes o número de táxis nas ruas da metrópole, hoje).

O excesso de estrume, urina e carcaças causava sérios problemas. “No pico do uso, Nova York tinha um cavalo para cada 26 pessoas. Se fosse a São Paulo atual, seriam necessários 428 mil cavalos para a cidade funcionar”, diz Clay McShane.
Logo que os carros chegaram, era difícil acreditar que o animal seria substituído. Mesmo nos anos 1940. “Ninguém imaginava que tantos avanços tecnológicos em energia e transporte pudessem torná-lo dispensável”, afirma Rink. Mas foi o que aconteceu. Hoje os cavalos estão praticamente restritos às zonas rurais e centros esportivos. No entanto, cresce seu uso em tratamentos terapêuticos e como ferramenta educacional para treinar liderança, por exemplo. O fato é que o cavalo já provou seu valor na Terra. E ainda faz isso, todos os dias.

Jogos equestres

Os esportes com cavalos são quase tão antigos quanto sua domesticação. A corrida foi a primeira competição equestre de que se tem notícia, em 644 a.C., na 31ª Olimpíada de Atenas. O poeta grego Homero descreveu na Ilíada as regras para esse jogo, dizendo que o primeiro prêmio seria uma mulher “versada nas prendas domésticas”. Depois vieram o polo (de origem oriental), as justas, que imitavam guerras com equipes de laçadores, e o enduro, que simulava as grandes cavalgadas realizadas pelos mensageiros. Até hoje, no Afeganistão, se pratica um jogo criado pelos súditos de Átila, rei dos hunos. No Buz Kashi, 300 cavaleiros tentam agarrar um bezerro. O salto derivou da caça às raposas e foi oficializado como uma competição de obstáculos de altura em 1865, na Irlanda. Muitos reis praticaram esportes com cavalos e por muitos anos essas competições foram “assuntos da nobreza”. Ainda hoje pode-se dizer que os esportes equestres exigem uma boa condição financeira. É custoso adquirir e manter um cavalo. Alguns garanhões reprodutores ou campeões mundiais podem valer dezenas de milhões de dólares.

Fonte: Aventuras na História
Fotos: Divulgação/Getty Images
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