Filipe Leite, cavaleiro e jornalista, é o primeiro brasileiro a ser nomeado para esse ‘cargo’ em um ano que ninguém jamais vai esquecer
Como me tornei o marechal ‘Embaixador ‘ do desfile de abertura do Calgary Stampede em um ano sem Stampede é o que vou contar nas linhas a seguir.
“Queremos comemorar com você e não consigo pensar em uma maneira melhor do que levá-lo à frente da Calgary Stampede Parade 2020”, disse Dana Peers, presidente do Calgary Stampede, enquanto cavalgava comigo em Teslin, Yukon, em julho passado.
Honestamente, nunca vi isso acontecer. Nem eu podia acreditar. De fato, alguns meses antes de me dirigir para o Alasca para começar minha última longa jornada, conheci Peers em Calgary. Perguntei se ele me permitiria terminar minha jornada no Calgary Stampede Rodeo de 2020.
“Eu só preciso que vocês deixem o portão aberto”, eu disse, fazendo-o rir alto. Assim sendo, ele afirmou que me deixaria entrar no Stampede Park no final da minha jornada e prometeu cavalgar comigo durante os quilômetros finais.
A negociação
Um ano antes, quando lancei meu primeiro livro na versão em inglês – Long Ride Home – durante o Calgary Stampede 2019, entreguei a Peers uma cópia assinada e incluí na dedicação um convite para cavalgar comigo. Eu nunca imaginei que ele iria aceitar. Acima de tudo, nem que ele me daria a maior honra da minha vida.
Walt Disney, Chris Hadfield, Pierre Trudeau e William Shatner são apenas alguns dos nomes que já ocuparam o mesmo ‘cargo’ para qual eu fui convidado, o de Embaixador da Calgary Stampede Parade. Portanto, fiquei em êxtase por ter meu nome em uma lista ao lado de tantas lendas.
A saber, é o ‘parade marshal’ que lidera o desfile que abre o rodeio e é um embaixador do Calgary Stampede. Em um ano normal, seria eu a fazer discursos em eventos especiais e participar da grande abertura de um dos maiores e mais famosos eventos de rodeio do mundo.
Então os Peers me disse que eu teria que manter as notícias em segredo até junho de 2020. Eu sou a pior pessoa do mundo quando se trata de segredos. Mas depois de assinar um contrato de não divulgação, obviamente fiquei melhor.
Mudança de planos
Avancemos para abril deste ano, quando estávamos prontos para fazer o grande anúncio na mídia canadense. Eu finalmente contaria ao mundo meu segredo colossal. Mas, devido à pandemia da Covid-19 o anúncio foi cancelado. Em seguida, o Stampede foi cancelado pela primeira vez em quase um século.
Eu queria chorar. Mas percebi que todos no mundo tiveram seus planos cancelados em 2020. Não havia tempo para sentir pena de mim mesmo. Continuei trabalhando com meus cavalos Mac e Smokey, enquanto esperava que as restrições em Alberta começassem a diminuir.
Minha programação era chegar em Calgary, da mesma maneira que saí há oito anos – um cavaleiro de longa jornada desconhecido. Então Peers me ligou uma tarde e disse que ainda iria me anunciar como Embaixador, mesmo sem termos o evento para participar.
“Sua história precisa ser compartilhada, Filipe O mundo precisa dessa mensagem, agora mais do que nunca”, falou Peers por telefone. Eu me senti abençoado. Honrado. Aliviado.
Marcamos o grande dia para terça-feira, 2 de junho. Com os parques de Alberta abrindo novamente, em 20 de maio iniciei a parte final do meu percurso transcontinental – 800 quilômetros de Grande Prairie a Calgary.
Depois de quase duas semanas na estrada, tendo encontros próximos com pântanos e ursos e levantando US$ 170 para as crianças do Hospital de Câncer Infantil de Barretos, no Brasil, entrei na Old Entrance, uma estação de trem que virou uma ‘horse B&B’. Era 1° de junho e meu coração mal podia conter minha emoção.
O anúncio
Na manhã seguinte, anunciaríamos na televisão nacional que eu era o Embaixador desse ano. Tive entrevistas agendadas com as emissoras Global News, CTV, Citytv, CBC Radio, CBC French e de televisão no Brasil. Como as entrevistas começariam às 6 da manhã, fui dormir cedo. “Filipe, seu telefone está tocando”, falou clara, minha namorada e motorista de apoio para esta jornada final, assustada no meio da madrugada.
Meu único pensamento era ‘alguém morreu’. Entretanto, vi que era Jason Coxford, diretor de comunicações corporativas do Stampede. Eu estava tão atordoado que não fazia ideia do que estava acontecendo. “Filipe, eu sei que você provavelmente já está dormindo, me desculpe, mas não podemos fazer o anúncio amanhã”, disse Coxford em voz baixa enquanto eu estava sentado em silêncio do outro lado.
A razão para adiar o anúncio, mais uma vez, foi o movimento #blackouttuesday iniciado na indústria da música para aumentar a conscientização sobre a brutalidade policial e o racismo sistêmico. Detonado pela morte de George Floyd – um negro de 46 anos que foi preso em 25 de maio por um policial branco de Minneapolis, agora acusado de assassiná-lo -, as pessoas foram instadas a usar terça-feira 2 de junho como dia para refletir sobre o racismo por não postar nada nas mídias sociais.
Como defensor do movimento Black Lives Matter e alguém que estudou jornalismo e iniciou esse projeto para mostrar aos outros que todos somos inerentemente iguais, independentemente de nossa religião, nacionalidade ou cor da pele, na esperança de inspirar um mundo mais justo, eu completamente concordei com Coxford.
Meu segredo teria que esperar mais um dia. Mas por uma boa razão. Finalmente, em 3 de junho, o mundo finalmente soube que sou o Embaixador da Calgary Stampede Parede em 2020.
Chegada
Em 3 de julho, depois de atravessar 12 nações e viajar mais de 25.000 quilômetros, viajarei para Calgary com meus cavalos Mac e Smokey e com Clara ao meu lado. Terminando minha viagem, meu sonho, onde tudo começou.
Às vezes, as coisas não acontecem quando ou da maneira como as visualizamos. Mas isso é vida. Como Jason Thomson, um cowboy campeão de Ontário, e meu treinador de laço do ensino médio, me disse uma vez: “Espere o melhor. Planeje o pior. Pegue o que vier. Siga seus sonhos. Você também estará de volta à sela em pouco tempo. Vamos cavalgar de novo!
Por Filipe Masetti Leite para o Toronto The Star
Em sua terceira longa jornada, o jornalista e cavaleiro saiu de Fairbanks, Alaska, no dia 17 de maio de 2019, e vai cavalgar quatro mil quilômetros até chegar ao maior rodeio do Canadá – e um dos maiores do mundo -, o Calgary Stampede, em julho de 2020. Acompanhe: www.instagram.com/filipemasetti. Na foto: Filipe e Dana Peers
Crédito da foto: Divulgação
Tradução e adaptação: Luciana Omena
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