A doma faz parte do nosso dia a dia aqui UC. Entre os muitos casos que já tivemos, lembro de um potro Lusitano de 3 anos e meio de idade. Ágil, rápido e muito habilidoso com as patas. Movimentava-se com muita qualidade, tinha elasticidade. Acabou tornando-se um dos cavalos que sempre lembramos.
Seguimos os passos de sempre desde os trabalhos de cabresto, exercícios de chão visando os movimentos dos posteriores e anteriores, flexões e encurvaturas. Enfim, tudo o que fazemos, no tempo que fazemos com todos os potros que recebemos para domar.
Esse potro, no entanto, sempre se mostrou muito assustado e mais preocupado do que os outros. Posso dizer que muito mais mesmo. Como era muito habilidoso, deu-nos muito trabalho para que confiasse em alguém ou algo do seu lado.
Quando uma pessoa, uma manta ou uma sela se aproximava, ele saía de perto e a tensão tomava conta da sessão de trabalho. Conseguimos realizar o trabalho, domamos o potro. Ele passou a fazer tudo que era para fazer na idade dele. Mas o caminho para chegarmos no ponto certo não foi simples.
O tempo dos cavalos
Uma das preocupações que tivemos no dia-a-dia desse potro (e, de verdade, temos até hoje e acho que teremos sempre), é a de trabalharmos dentro do que chamo de ‘tempo da confiança’. Ou seja, focarmos nosso trabalho nos processos e ideias para construir confiança, mudança, progresso, sem um prazo ou objetivo a ser alcançado por sessão.
Nosso objetivo era simplesmente gerar uma mudança por menor que fosse. Assim, houveram dias em que apenas uma escovação bem feita e um bom trabalho de guia eram suficientes. Já em outros, dedicamos a passar a mão, dar as patas, encostar em uma cerca, atravessar um corredor, etc.
A cada sessão que sentíamos uma mudança na confiança, confirmada pela calma do potro às coisas novas ou já aprendidas, a parávamos ali mesmo.
Usei uma égua minha que é muito experiente para puxar o potro no campo. Atravessamos água, descemos e subimos barrancos, sempre com ela dando o caminho e passando segurança. Ensinamos o potro a deixar que o tocassem e, posteriormente, o montassem da cerca à pelo.
Apresentamos a sela e o puxávamos pelo campo, já selado, com os estribos e tentos chacoalhando e também nos ajudando. Havia então o sentimento geral da cocheira de que já poderíamos montar o tal potro. Mas, até que o sentimento batesse em mim e em meu assistente, e no potro, não montamos.
Tempo de confiança
Até que em uma manhã fui para o campo puxando o potro. Trabalhei algumas ideias de posteriores e anteriores. Realmente senti que aquele seria o dia. A certeza era geral – minha, da minha égua e do potro. Voltei para a cocheira, chamei o assistente, fiquei montado na égua com o potro no pito da sela, e ele montado. Levei-o para o mesmo campo, do mesmo jeito que sempre fiz nos 30 dias anteriores.
Quando me pergunto qual a principal razão do potro estar como está, tenho cada vez mais a certeza de que é porque soubemos trabalhar o tempo dele, do indivíduo, daquele que com certeza será um dos grandes cavalos que eu tive a sorte de poder iniciar…
Por Aluísio Marins
Diretor da UC, instruindo cavaleiros a mais de 20 anos
Crédito das fotos: Divulgação/PowellTribune
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