Novas aventuras de um cowboy e seus dois mustangs

50 dias depois de sair de Fairbanks, no Alaska, o Cavaleiro das Américas conduziu seus dois cavalos ao centro de Whitehorse, Yukon

Em Whitehorse fomos recebidos como uma família. ‘Filipe, é uma honra estar hospedando vocês … estou lendo seu livro agora’ sorriu Jocelyn Barrett. Uma advogada de Kuujjuaq, Quebec, ela e o marido, John Van der Meer, vivem em uma linda casa de madeira ao norte de Whitehorse, com uma égua castanha e um cavalo castrado. O pai de John, Sid Van der Meer, que conhecemos em Beaver Creek, graciosamente garantiu essa extraordinária passagem para nós.

Com os cavalos em um pasto espaçoso enchendo suas barrigas e descansando seus cascos, Clara Davel, minha namorada argentina e motorista de apoio, e eu começamos a explorar a cidade de 25000 pessoas – o principal centro do norte do Canadá. Chegamos a tempo para o último dia do Festival Cultural de Adaka.

Em seu nono ano, o festival – cujo nome significa ‘entrar na luz’ na língua Tutchone do Sul – celebra as artes e a cultura das 14 primeiras Nações do Yukon. Desde que a ONU declarou 2019 o ano das línguas indígenas, o evento deste ano comemorou os oito grupos de idiomas das primeiras Nações no Yukon.

Em quase todas as comunidades Yukon, apenas os idosos ainda podem falar sua língua fluentemente devido aos efeitos das escolas residenciais. Foi comovente ouvir histórias sobre como as crianças eram envergonhadas e maltratadas por falarem suas línguas nativas. Por isso, essa cultura está ameaçada.

No entanto, havia também um senso de esperança. Aprendi sobre os esforços para salvar esses idiomas nativos, como o governo Tr’ondëk Hwëch’in, em Dawson City, que está se voltando para as mídias sociais para obter ajuda. Com vídeos semanais no Facebook, usando palavras no idioma Hän, eles esperam alcançar a geração mais jovem. Outros governos indígenas têm grupos de estudo e os idiomas estão sendo oferecidos em escolas de ensino fundamental e médio em todo o território.

Depois de alguns dias de descanso e reabastecimento de provisões para o próximo trecho de mil quilômetros, que atravessaríamos antes de chegar a Fort Nelson, hora de voltar à estrada. Mas não antes de dar uma palestra motivacional a alguns membros brilhantes do grupo de jovens 4H no extremo sul da cidade. Os pais que organizaram o evento em sua fazenda nos carregaram de feno antes de partirmos.

Lisa, Darcy, Filipe, Mac e Smokey

Antes de partir, fomos alertados por Angelique Bjork, acompanhada pelos jovens membros da 4H e seus cavalos, a respeito do assassinato de um casal de turistas na Alaska Highway, perto do Liard Hot Spring, por onde passaríamos. As notícias abalaram a região e também a Clara e a mim. Mas havia perigos mais imediatos.

Poucos dias antes de chegar a Teslin, a 178 quilômetros de Whitehorse, fomos despertados pelos cavalos que tentavam fugir. Eles estavam com medo de alguma coisa e logo liguei a lanterna na direção de Smokey e Mac. Tudo ficou parado e eu podia ouvir meu coração batendo contra o peito.

Os cavalos, de olhos arregalados e com as orelhas empoleiradas para frente, olhavam para a floresta à frente deles, soprando periodicamente o ar pelas narinas. De repente, o silêncio foi quebrado pelo estalo de galhos. Alguns segundos se passaram antes de mais estalos, deixando Mac e Smokey mais agitados. Era um urso e fizemos de tudo para espantá-lo. Felizmente, ele partiu de volta para a noite da floresta e três dias depois, depois de ver mais um urso preto, chegamos a Teslin.

‘Bem-vindo à sua casa pelos próximos dias’ disse Lisa Dewhurst antes de me dar um forte abraço. Mac e Smokey descansaram nas margens do lago Teslin, enquanto ouvíamos histórias do marido de Lisa, Darcy, um caçador. Ele explicou como é importante em sua cultura respeitar a vida selvagem que habita essa grande terra. Para o seu povo, é a única maneira de garantir um futuro sustentável.

Da pitoresca cabana de madeira dos Dewhursts, cavalgamos até uma ponte que me manteve acordado à noite durante meses. A Ponte Teslin, de 447 metros de comprimento, a maior extensão do Yukon, com um aterrador deck de malha de metal. Desde que eu o atravessei, dois meses atrás, enquanto dirigia para o norte, para começar a jornada, me perguntei como diabos conseguiria passar meus dois mustangs por ela.

Os cavalos odeiam quando precisam caminhar sob uma superfície onde ouvem barulhos altos quando seus cascos tocam o chão. Agora, aqui estava eu, parado a poucos metros desse monstro de metal. Em preparação para este momento, comprei alguns jogos americanos de borracha juntamente com quatro rolos de fita adesiva. Usando uma tesoura de artesanato do tamanho de uma boneca, cortei os jogos americanos do mesmo tamanho dos cascos. Com a fita adesiva, os prendi sob as ferraduras como botas.

Eu sabia que eles não durariam quase meio quilômetro, mas eu precisava deles para abafar o som do primeiro passo de Mac e Smokey na ponte de metal. Respirando fundo, comecei a caminhar puxando Mac e com Smokey logo atrás dele. Quando eu pisei na ponte, uma gota de suor escorreu pela minha espinha. Mac me seguiu, mas Smokey não. Ele logo percebeu o rio abaixo da ponte. Pedi ajuda a Lisa, pois sabia que se demorasse, não íamos conseguir. Disse baixinho ‘Vamos amigo, pise na ponte’ enquanto pressionava a rédea.

Mesmo com o meu improvisado abafador se desfazendo logo após alguns passos de Mac, um barulho petrificante, levamos cerca de dez minutos para atravessar a Ponte Teslin. Quando finalmente pisamos no outro lado, minha camisa estava colada nas costas com suor. ‘Yaaaaaahooooooooooooooo!’ eu gritei, comemorando outro obstáculo que tinha ficado para trás.

De Teslin seguimos campos que se estendiam alto o suficiente para tocar o fundo dos estribos. A deslumbrante Cassiar Mountain Ranger tornou o passeio perigoso e árduo, enquanto lutávamos para subir e descer os próximos dias ao longo do rio Rancheria. Nesse trecho, as minúsculas moscas negras irritantes se tornaram um grande problema. Perturbavam os cavalos e na nossa pele o dia todo, tentando se alimentar do nosso sangue.

Era difícil acreditar que aquelas picadas proviam de insetos tão pequenos. Mas atravessamos as pontes, escalamos as montanhas e sobrevivemos, chegando finalmente ao lago Watson vivos e bem. Mais um descanso antes de entrar no estado de British Columbia e atravessar um trecho de 200 quilômetros da Alaska Highway com vários rebanhos de bisões, as Northern Rocky Mountains e uma das maiores populações de ursos negros do mundo.

Por Filipe Masetti Leite para o The Star
Em sua terceira longa jornada, o jornalista e cavaleiro saiu de Fairbanks, Alaska, no dia 17 de maio, e vai cavalgar quatro mil quilômetros até chegar ao maior rodeio do Canadá – e um dos maiores do mundo -, o Calgary Stampede, em julho de 2020. Acompanhe: www.instagram.com/filipemasetti. Fotos: Cedidas

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