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Filipe Masetti Leite, em sua terceira e última longa jornada – que acontece de maio de 2019 a julho de 2020 – completará sua trajetória ‘fechando’ as Américas de norte a sul, um ciclo que somará quase 30 mil quilômetros percorridos.
A Alaska Highway foi a parte mais difícil até agora dessa fase. Confira mais um relato e a continuação da viagem que começou em maio em Fairbanks, Alaska.
“Foram necessários 11 mil soldados e 16 mil civis em oito meses para construir a original Alaska Highway em 1942. Quase um século depois, Smokey, Mac e eu viajamos pela estrada de 2.237 quilômetros na metade desse tempo.
Exatamente quatro meses após o dia em que parti de Fairbanks, montei meus poderosos mustangs em Dawson Creek, British Columbia, com um convidado especial. Karen Hardy, minha mãe americana, que me ajudou tremendamente durante minha primeira longa viagem de Calgary ao Brasil.
Ela dirigiu do estado de Washington para viajar comigo. Foi Karen que me deu Dude, um mustang da tribo Taos Pueblo, meu parceiro na primeira jornada entre 2012 e 2014. Ela o treinou e até nos encontrou na linha de chegada durante o rodeio de Barretos.
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Tê-la ao meu lado para terminar a parte norte da minha última longa viagem foi reconfortante. Seu cavalo ajudou a manter meus meninos selvagens calmos no meio de cidades movimentadas.
Sem ajuda seria mais difícil
Mas a verdadeira heroína dessa jornada estava lá carregando feno, água e ração todos os dias para os cavalos. Diminuindo o tráfego em curvas cegas para nos manter seguros. Me fazendo companhia por aqueles longos trechos e sempre me inundando de amor.
De fato, a verdade é que sem minha namorada argentina (e motorista de apoio) Clara Davel talvez eu não tivesse sobrevivido ao trecho norte da Alaska Highway.
Antes de tudo, este foi de longe o trecho mais difícil que cobri em todas as Américas. Havia tantos obstáculos a atravessar que às vezes parecia que eu era um personagem em um videogame de ação e aventura. Exceto que eu só tive uma vida.
Os obstáculos estavam além da imaginação de um jogador: ursos com presas enormes, manadas de bisões, alces, lobos famintos, montanhas gigantes, pontes com grades de metal, tempestades de neve no verão, nuvens de moscas negras, moscas de cavalo e mosquitos e … dois assassinos em série adolescentes canadenses.
No coração do outono abundante do norte, encontramos Karen nas margens do rio Buckinghorse. Pouco menos de 200 quilômetros ao sul de Fort Nelson, cercado por álamos amarelos e brilhantes.
Clara e eu observamos os cavalos pastando enquanto o rio corria rapidamente ao nosso lado. “Isso é lindo demais”, disse ela, brilhando como as árvores ao nosso redor.
Apreciando o ar refrescante, cavalgamos em direção à cidade de Wonowon. As folhas caindo dançavam ao vento como centenas de borboletas. Era tudo muito bonito … muito perfeito … até entrarmos no nível final deste videogame de longa duração.
Mais um trecho
A tranquila e serena Alaska Highway fez a transição para uma variedade caótica de maus cheiros e sons altos, caminhonetes, caminhões de transporte, tratores e petroleiros. As estradas tornaram-se extremamente perigosas e o ar cheirava a petróleo.
No entanto, quando chegamos a Wonowon, aprendi como a cidade obteve seu nome peculiar. Anteriormente conhecido como Blueberry, British Columbia, eles mudaram de nome em 1954 para evitar conflitos com outra comunidade de nome semelhante na província. Como a cidade fica na milha 101 – ‘one-oh-one’ em inglês – da Highway Alaska, tornou-se Wonowon.
“Costumávamos ser uma pequena cidade pacata anos atrás, mas agora com o tráfego de petróleo e gás parecemos mais uma cidade grande”, contou Wendy Fraser, nossa anfitriã em Wonowon.
O marido dela, Ted Friesen, costumava ser um motorista de caminhão. Passamos horas conversando sobre o esporte que ele ama e olhando fotos antigas. Corridas de carruagem, muito famosas no Canadá – e no Calgary Stamped.
Muitos condutores usam cavalos de corrida aposentados. Portanto, mantém-se ativo em outra atividade fazendo o que amam que é correr. Devido à sua saúde precária, Friesen se aposentou do esporte.
Se antes sentia o chão tremar nas competições, hoje em dia a única vez em que isso acontece é quando há um terremoto. Algo que, de acordo com sua esposa Wendy, está se tornando mais comum.
Nem tudo são flores
Partindo de Wonowon, vimos em primeira mão como a indústria de petróleo e gás pode mudar a cara de um lugar. A poucos quilômetros ao sul da cidade, passamos por um gasoduto quebrado. O cheiro era horrível – como um milhão de ovos podres – contudo o número de trabalhadores e a quantidade de máquinas disponíveis eram formidáveis.
Logo depois de milhares de quilômetros de paisagem desértica, entramos no mundo civilizado mais uma vez. A natureza sempre paga o preço do desenvolvimento. Conversei com muitas pessoas sobre a luta entre preservar a natureza e desenvolver recursos. Todo mundo quer um mundo melhor para seus filhos, mas há muitas opiniões sobre como esse mundo se parece.
Felizmente, passamos por esta etapa final da primeira parte de nossa jornada sem riscos. Mas, como sempre, houve alguma emoção. Os cavalos dispararam duas vezes durante esse trecho devido aos caminhões barulhentos e ao tráfego estridente.
Nos últimos dias da viagem, Mac se assustou com uma folha que o fez querer correr para a estrada. Consegui detê-lo perto do asfalto, mas o vento soprou meu chapéu para debaixo de um monstro de um caminhão de transporte. Eu juro que essa coisa tinha 100 rodas e meu chapéu de cowboy de palha branca foi esmagado por cada uma delas.
Nova etapa
Quatro dias depois de chegar a Dawson Creek e terminar a Alaska Highway, Clara, Karen Hardy e eu montamos em Grande Prairie, Alberta. Meu destino final para 2019. Sentei em cima de Mac, assistindo Clara cavalgar em Smokey. Deixei a chuva leve, mas gelada, lavar minha alma. Não pude deixar de refletir sobre esses últimos meses.
Eu me senti tão orgulhoso dos meus cavalos. Mac e Smokey percorreram um longo caminho desde o início da aventura. E o fato de Clara ter viajado em direção a uma grande cidade montada em Smokey foi um exemplo claro de quanto eles amadureceram.
“Não acredito que estou montando o cavalo selvagem com o qual assisti vcoê trabalhar em Osoyoos antes de começar a jornada … ele era tão imprevisível que pensei que nunca iria conseguir”, disse Clara com um sorriso largo.
Ela e Smokey tinham uma conexão que eu adorava assisti-los evoluírem juntos.
Dessa forma, descansaremos durante o inverno e continuaremos nossa viagem em 3 de maio de 2020. Temos 717 quilômetros restantes para chegar ao Calgary Stampede e terminar esse sonho de atravessar as Américas a cavalo.
Sei que algo especial está me esperando no maior show ao ar livre do mundo. Eu simplesmente não sei o que”.
Por Filipe Masetti Leite para o The Star
Em sua terceira longa jornada, o jornalista e cavaleiro saiu de Fairbanks, Alaska, no dia 17 de maio, e vai cavalgar quatro mil quilômetros até chegar ao maior rodeio do Canadá – e um dos maiores do mundo -, o Calgary Stampede, em julho de 2020. Acompanhe: www.instagram.com/filipemasetti.
Fotos: Cedidas