O brasileiro Kaique Pacheco colocou suas mãos, ainda trêmulas, ao redor do troféu do Campeonato Mundial da PBR no último dia 11 de novembro
Envolto nas bandeiras brasileira e americana, Kaique Pacheco, 24 anos, de Itatiba/SP, foi apresentado ao público. Quem estava na T-Mobile Arena, em Las Vegas, o viu ser coroado como Campeão Mundial da Professional Bull Riders 2018. Era uma tarde de domingo que ele nunca mais vai esquecer.
Um Kaique lento e machucado levou alguns minutos para ir da sala de medicina esportiva da PBR até o centro da arena. A dor no joelho esquerdo só piorara a cada touro que ele montou durante os cinco dias de competição na Final Mundial da PBR desse ano. Liderando o ranking, mesmo com uma séria lesão, era seu sonho de infância em jogo.
Lá atrás, quando ainda era um menino, no interior de São Paulo, Kaique sonhava com esse momento. A dor nunca iria impedi-lo de se apresentar em Las Vegas. Nunca houve uma pergunta. Oito dias antes, o jovem sofreu um rasgo no ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo na final da Velocity Tour.
Parecia que ele estaria a caminho de deixar escapar o título mundial por mais um ano. Foi algo que pairou na cabeça do brasileiro. E ele só admitiu isso depois da competição encerrada. Em frente a uma multidão que o aplaudia de perto, e inúmeros fãs por todo mundo, com a taça do mundo nas mãos, o ‘Homem de Gelo’, finalmente desmoronou.
Foram três anos ‘batendo na trave’ e sete longas e inquietas noites no Park MGM Hotel e Casino. A participação de Kaique na final foi vetada pelos médicos. O prognóstico era de 12 semanas de fisioterapia e cirurgia caso ele montasse e piorasse ainda mais as coisas. Ele lutava para dormir por causa da dor e foi para o sacrifício dia a dia. Quase 40 horas de tratamento depois, a realização de um sonho superou tudo.
Do sonho de infância ao título mundial da PBR“Não foi fácil este ano. Comecei a temporada lesionado e voltei a montar bem mais ou menos na metade do ano. Desde que assumi a liderança, trabalhei duro. E no fim de semana anterior à final, me lesionei novamente. Montar com essa grande lesão não foi fácil. Eu só quero agradecer a Deus por me abençoar e me ajudar a passar com tanto coração por tudo. E aqui está o troféu. Tudo valeu a pena”, foram as primeiras palavras do campeão.
Kaique sentou-se no vestiário sozinho uma hora depois de ser coroado campeão mundial. Um par de muletas estava esperando por ele. Sua família estava do lado de fora do vestiário pronta para comemorar. A árdua jornada até o título mundial finalmente foi concluída com sucesso. E ele sorria.
“Estou muito feliz só porque, faço questão de dizer novamente, era um sonho que eu cultivava desde que era criança. Eu queria vir para os Estados Unidos e montar. Estar no meio dos maiores bull riders e dos maiores touros do mundo na PBR. E tudo só para poder chegar a esse momento, ser um campeão do mundo. É apenas um grande sonho que se torna realidade. Estou realmente feliz”.
Longas noites e manhãs começando cedo
Eram oito horas da manhã do domingo, dia 11 de novembro, quando Kaique abaixou a cabeça e estremeceu. A dor veio quando Jim Bui, treinador esportivo do Centro de Reabilitação e Performance Fit-N-Wise, mexeu no joelho esquerdo do número 1 do mundo na sala 101 do quinto andar do Park MGM Hotel and Casino.
“É aí que dói?”, Perguntou Bui. E Kaique mordendo o lábio, assentiu. Bui estava checando a região ao redor do ligamento lesionado. A área onde o brasileiro estava sentindo mais dor. Após duas montarias bem-sucedidas nos dois primeiros rounds da final mundial, a saúde do atleta se deteriorou rapidamente.
Proteção especial no joelho para montar e toda atenção da equipe médica da PBRUma dor muito chata o acometeu quando subiu no touro para a terceira rodada e não parou os oito segundos do re-ride. O mesmo aconteceu no sábado, na quarta rodada. Logo cedo no domingo, antes das duas rodadas finais, Bui foi atender o brasileiro. Mas o tratamento seguiu ao longo de cada dia, com três sessões por dia.
Toda a equipe de Medicina Esportiva da PBR, desde o diretor Rich Blyn, do Dr. Tandy Freeman, estavam dando atenção constante a Kaique todo o tempo. Especialmente antes de cada round na T-Mobile Arena. Foram, facilmente, mais de cinco horas de tratamento por dia. Todos, incluindo, Bui, acreditavam na força de Kaique para chegar ao título.
“Mesmo com toda a lesão, fiquei surpreso pelo inchaço não ter piorado demais. E esse foi o principal fator para que tivéssemos cuidado de tudo. Ele tem capacidade e estava em uma missão. Fizemos de tudo para deixá-lo livre para fazer o que precisava para chegar à sua meta”, contou Bui. Todo o tipo de fisioterapia e tratamento disponíveis foram utilizados, antes e após as rodadas e durante o dia todo.
Bui acompanhou Kaique desde o dia da lesão e ativou todos os protocolos possíveis rapidamente. Como optou por não ficar afastado, há a possibilidade de que possa precisar de cirurgia agora. A lesão é bem séria. E na Montaria em Touros, o ligamento estabiliza o joelho na hora da montaria, ajuda muito e segura as pernas onde devem ficar. “Kaique mostrou uma resistência mental e física impressionante”, complementou Bui.
E o brasileiro tentava esquecer a dor. Queria se concentrar nos touros que ia montar. Apenas isso. Mas era difícil, as noites de sono duraram quatro horas no máximo. Outras pessoas sofreram com ele, seu pai Everaldo, um deles. “Estava assistindo pelo RidePass.com as finais da Velocity Tour e soube que era grave quando ele tirou o capacete. Ele raramente demonstra algo e quando vimos o semblante de dor, nos preocupamos”, contou o pai.
Às oito e meia da manhã do domingo da grande decisão, Everaldo estava lá ao lado do filho. Abriu um sorriso, mas o peito estava oprimido. “As emoções são muitas, ver ele assim, com dor. Mas sabia que o sonho dele ia falar mais alto e ele ia para o sacrifício. Montou com o coração nessa final”.
Onze anos atrás, Kaique disse ao pai que queria um dia ser um grande campeão mundial. Everaldo sabia que não teria como segurá-lo. Foi criado nesse meio, ele e o seu pai – avô de Kaique -, criam touros no Brasil. Everaldo é ex-peão, respira rodeio todos os dias. “Perguntei se ele queria apenas estar lá ou se queria fazer diferença, e ele disse que queria fazer a diferença. Então começamos a lutar para que chegasse onde queria”.
Kaique PachecoUma das coisas que fizeram juntos foi treinar. Mesmo vendo o talento natural do filho, Everaldo pedia que ele observasse onde ainda podia melhorar e treinasse muito. Nunca mediram esforços e tanto ele, como a mãe Giovanna, queriam que ele estivesse pronto quando chegasse a hora. E não só a hora chegou, como toda glória que um atleta de Montaria em Touros possa almejar.
O mentor e seu prodígio
O tricampeão mundial Silvano Alves tinha lágrimas no rosto vendo Kaique em cima do ‘shark cage’ no centro da arena recebendo seu prêmio. “Ele é meu melhor amigo. É como meu irmão e um filho. É emocionante para mim vê-lo caminhar e segurar o troféu”, disse Silvano. “Chorei quando ele ganhou, porque é um sonho que se tornou realidade. Foi o mesmo sonho que eu tive”. De ídolo passou a ser amigo. Silvano e sua esposa Evelin acolheram Kaique em 2015 quando ele foi em definitivo para a PBR americana. Seus pais ‘adotivos’.
Entre os que acompanharam de perto toda a trajetória do jovem brasileiro, Silvano é testemunha ocular de tudo que aconteceu a Kaique. O Rookie de 2015, os dois vices, em 2015 e 2016. Silvano também estava lá na sala da Fit-N-Wise naquela manhã. Passou segurança ao amigo, disse que tudo ficaria bem. “’Apenas relaxe’, disse a ele, ‘tudo está nas mãos de Deus’”.
Kaique costumava assistir as montarias de Silvano quando ainda era um adolescente em sua casa no Brasil. Mesmo o amigo sendo somente seis anos mais velho, já tinha despontado. Foram três campeonatos mundiais e a admiração de Kaique só aumentava. Não se lembra quantas vezes assistiu aos vídeos de Silvano. Assistia a tudo quantas vezes fosse necessário para aprender.
Ao lado dos pais e do irmão (esq), da namorada e de Silvano Alves e famíliaOutro tricampeão também conheceu o determinado Kaique adolescente. Para Adriano Moraes, o jovem é 100% touro, focado. “Ele nasceu assim. Está sempre pensando e analisando tudo. Tem esse foco e segue com determinação. Ele quer montar, quer montar bem, quer ser bom. E não se importa se ganha ou perde, quer montar em touros”, afirmou Adriano.
A reviravolta
Sete meses antes da final, ninguém imaginaria que Kaique Pacheco chegaria à liderança muito menos a ser campeão mundial. Especialistas e comentaristas afirmavam que ele havia ‘se perdido’ e que poderia até ser cortado do Top 35. No começo da temporada foram sete montarias válidas em 27 tentativas. Seis semanas sem pontuar. Melhorou um pouco com duas vitórias no 15/15 Bucking Battle, mas nada que incomodasse os líderes.
E o que ele fez? Treinou, treinou e treinou. Mesmo ele não tendo verbalizado, todos sabiam que a pressão e a cobrança a si mesmo eram grandes. Em 2015, foi vice-campeão surpreendendo a todos. Em 2016, tinha uma vantagem mínima, mas perdeu na última montaria. 2017 ficou em quinto lugar, já tinha sentido a lesão na virilha. Tudo se resumia a como seria 2018: um fracasso total ou daria a volta por cima?
Tudo mudou quando Kaique foi campeão do Last Cowboy Standing em maio. Assumiu a liderança do ranking. Sua primeira das cinco vitórias em etapas regulares na temporada. Terminou o campeonato com 42 montarias em 80 saídas, três 15/15, um recorde da PBR. Ele sempre soube que a sua hora ia chegar. E tinha gente grande o apoiando, como Guilherme Marchi também. Três vezes vice e depois campeão mundial.
Kaique Pacheco e SweetPro’s Bruiser em Vegas quando assumiu a liderança do rankingEm seus números finais: 422.5 pontos a mais que o número 2 do mundo, o brasileiro José Vitor Leme no ranking mundial; US$ 1.535.094,62 de ganhos na temporada, contando o bônus de um milhão por ter sido campeão; e 5.444,16 pontos.
O futuro
Você não verá Kaique falando que quer ainda ganhar muitos títulos mundiais, se gabando. A humildade é uma de suas características, assim como a fé que carrega consigo. Ao terminar todos os compromissos na arena, ele ficou na presença do diretor da equipe de Medicina Esportiva da PBR, Rich Blyn. Entregou as muletas para que o campeão mundial saísse do vestiário.
A fim de não provocar um inchaço ainda maior, a orientação foi de que usasse as muletas. A faixa compressora no joelho foi utilizada somente para montar. De volta ao Brasil para comemorar o título, o jovem prodígio tem uma decisão a tomar: fazer ou não a cirurgia no joelho. Caso opte por fazer, serão de seis a oito meses de recuperação. Outros exames serão feitos antes, para avaliar a extensão da lesão após a final.
Kaique PachecoÉ bem provável que a lesão tenha piorado. Mas isso não importa agora. Ele é campeão mundial. “Era meu sonho de criança usar essa fivela. Depois desses últimos acontecimentos, só tenho que ser grato a Deus. Apenas fiz meu melhor, como faço sempre, e aqui estou, campeão mundial da PBR.”
Por Justin Felisko
Tradução e adaptação: Luciana Omena
Fonte e Fotos: PBR