Cavalos possuem comunicação vocal limitada, mas ela existe
Durante a evolução dos equídeos da floresta até os animais de campos abertos, os ruídos foram substituídos por sinais visuais mais eficazes. Todos os animais, seja qual for a espécie, passam muito tempo ‘falando’ entre si e com outros. A maioria dos esforços vocais são para comunicação entre seus semelhantes, por exemplo: filhotes chamando mães, machos chamando parceiras, dominantes avisando subordinados, dominados acalmando dominantes, membros do grupo avisando sobre comida ou perigo, etc.
Os cavalos possuem um sistema sofisticado de comunicação visual que é mais utilizado por eles do que os sinais sonoros. Isto é facilmente observável nas reações de animais a pasto. Como os cavalos raramente ficam fora do alcance da visão dos demais, em geral os sinais visuais são mais efetivos e os vocais desnecessários.
Falando com animais
Relincho. Foto: CedidaMuitas pessoas se frustram ao tentarem ‘falar‘ com seus animais. Parte do problema se dá porque as pessoas dão muita ênfase à comunicação sonora, e especialmente à linguagem verbal, que não é utilizada pelas demais espécies animais. A maioria dos animais tem um repertório de sons específicos para diferentes situações: fase de acasalamento, para alimentar-se ou avisar sobre comida, perigo, medo, etc.
Diversos etólogos – cientistas que estudam o comportamento animal – têm pesquisa os sons emitidos pelos animais. Em determinada pesquisa, todos os sons emitidos pelos cavalos foram gravados e divididos em categorias. A partir daí, foram atribuídos significados a estes sons, de acordo com o que o animal estava fazendo na hora em que o emitiu. A partir destes sonogramas, sete tipos básicos de vocalização foram identificados pelos pesquisadores:
- CHAMADO: Emitido com a boca fechada, baixo (aproximadamente 100 Hz), suave e frequente em encontros “não muito românticos” entre éguas e garanhões
- BUFO (SOPRO): Emitido quando o animal sopra um jato de ar pelas narinas, que trepidam. Um sopro de cavalo pode ser ouvido a 200 metros. Além de ser uma forma de limpar as vias respiratórias, aumentando a oxigenação, traz consigo curiosidade e medo. É curto, percurssivo, sem tom, contendo várias projeções diferentes misturadas. Em geral tende a subir e cair rapidamente em ruído e projeção.
- GRITO: Mais alto (aproximadamente 1.000 Hz), com bastante aspereza, atonal (ou seja, sem tom).
- RELINCHO: Outro som não muito sonoro, varia na projeção, começa alto (mais de 2.000 Hz) e vai caindo para metade deste valor. É usado para chamar atenção sobre algo ou de alguém, e em geral é respondido por outros cavalos.
- RONCO: Grave, curto, descontínuo. Pode ser de cumprimento, namoro, maternal, de maneira geral ligado ao reconhecimento, a um sinal leve de excitação (o ronco de namoro é acompanhado do bater dos cascos e movimento da cabeça, pescoço e cauda).
- RUGIDO: Agudo, ocorre em estados emocionais intensos.
- SUSPIRO: Saída longa de ar pelas narinas, demonstra tédio, mal-estar digestivo ou até angústia.
No entanto, a interpretação humana precisa se dar de maneira cautelosa. Alguns autores acabam interpretando sons de maneira diferente ou criam sons intermediários, como ‘suspiro-chamado’, que pretendem decodificar como mensagens diversificadas – frustrações, excitamentos, brincadeiras, solidão, etc.
Todavia, sons supostamente decodificados podem ser observados em circunstâncias bem diversas entre si. Por exemplo, sons emitidos no acasalamento em cavalos adultos, muitas vezes, parecem sons de um potrinho pedindo alimento para sua mãe. Outro problema mais complexo é apontado por biólogos especialistas em evolução pois sinais diferentes de comunicação poderão aparecer para desafiar regras de seleção natural.
Para que sinais vocais possam evoluir, em primeiro lugar, são conferidos alguns valores de sobrevivência ao animal que está emitindo o som. Não é suficiente dizer que certos sons determinam excitamento. A questão real é por que é uma vantagem individual em certas circunstâncias emitir esse tipo de som? Como isto funciona para aumentar as chances de sobrevivência? Assim, compreender o que um som realiza ao invés do que significa é o primeiro passo para compreender o que é comunicação animal.
A linguagem humana é diferente pois seus sons são arbitrários, não existem sons usados para denominar coisas particularmente (o que é facilmente observável pois milhares de pessoas falam línguas diferentes para referir-se a mesma palavra). Tem-se descoberto que quando se trata de diversas espécies animais existe um padrão similar.
Energia desperdiçada
Foto: CedidaÉ fato biológico que, há milhares de anos, animais que aprenderam a evitar sons que realmente eram sinal de perigo tenderam a sobreviver, e os que correram de qualquer barulho, seja de camundongos ou moscas, apenas desperdiçaram energia.
Distinguir quem e grande de quem é pequeno pelos sons que emitem tem portanto um claro valor em sobrevivência.
Fatos básicos como estes servem para explicar o porque dos animais usarem sons que emitem e qual é realmente seu significado.
Muitas espécies são condicionadas a associar sons de baixa frequência a animais grandes e de alta frequência a animais pequenos. A expressão vocal de sinais sociais está naturalmente envolvida num código pré-existente. Ameaças (como o rosno de um cachorro), são profundas e ásperas porque este tipo de som traz resultados, por isso é que os outros mamíferos e pássaros evitam tais sons. Sons inferiores, (como o ganido do cachorro), são de alta-projeção e tonais e evitam uma resposta agressiva porque envolvem uma pré-disposição em reconhecê-los como não ameaçadores.
Intensidade dos sons
O bufo ou sopro do cavalo é um som de alarme ou sinal de perigo. Um cavalo ao assustar-se vira e olha por uns 20 segundos e só então vai bufar, soprar e possivelmente fazer uma aproximação cautelosa para investigar.
Em cavalos selvagens, o bufo o garanhão chefe da manada prende a atenção de todos membros do grupo, desde potrinhos a éguas. Isso serve para precisar o que é um som de “interesse”.
Não há nada no repertório dos equinos que corresponda precisamente a ganir ou rosnar. Antas (animais da floresta parentes dos equinos), emitem um alto assobio em situações de medo e algumas zebras gritam agudo e assobiam.
Mas expressão vocal básica de medo ou submissão provavelmente caiu do repertório vocal dos cavalos há muito tempo. Durante a evolução dos equídeos da floresta até os animais de campos abertos tais ruídos foram substituídas por sinais visuais mais eficazes e econômicos.
O ‘grito agudo de um cavalo’ também parece seguir as regras de maneira mais complexa. Os cavalos emitem gritos agudos quando estão em confronto com outros cavalos. Neste caso, a postura de suas cabeças expressa simultaneamente medo e agressividade. As orelhas estão deitadas para trás, mas a cabeça está retraída e levantada ao invés de estendida e abaixada. Uma fêmea “não receptiva” poderá enviar um grito agudo em resposta sexual a aproximação de um garanhão e isso faz sentido, uma vez que é um sinal agressivo originado por um subordinado.
Em situações como uma dor extrema e medo, gritos agudos parecem mais um apelo incontrolável do que tentativa de controlar o ambiente. Por vezes, a maneira como garanhões emitem gritos agudos sugere uma adaptação. Nas disputas entre garanhões, em nove entre dez vezes, ambos evitam o contato físico, mas ao invés se engajam em verdadeiras “competições de gritos agudos” que parecem resolver o problema, terminando com a saída do subordinado.
Descobriu-se nestes confrontos que o grito de um garanhão chefe (dominante), dura cerca de 20 segundos a mais do que dos outros garanhões. Sua duração é diretamente relacionada com a capacidade pulmonar e com a força dos músculos peitorais, ou seja, estes gritos podem ser verdadeiros indicativos de tenacidade numa briga.
Sons e sentidos
O relincho e o chamado parecem desafiar todas as regras. O chamado é claramente usado para expressar submissão, apaziguamento ou falta de uma intenção hostil de quem o está emitindo. Normalmente é usado por potros e matrizes quando estão chamando um ao outro, por cavalos domesticados pedindo por comida ou querendo chamar a atenção, e por garanhões aproximando-se de fêmeas com intenção de namorar.
Relinchos são também sinais que provavelmente evoluíram mais por suas propriedades acústicas do que por razões envolvendo regras de motivação estrutural. Como o uivo de um cachorro, um relincho é uma comunicação de longa distância que serve para chamar a atenção de alguém em especial, como o tratador ou proprietário, ou de membros do grupo que tenham um significado especial para aquele que está se pronunciando. É comum acontecer quando o animal está longe dos outros, tanto a pasto como em passeios ou na pista.
Por Equipe Tambor & Baliza – Ed. 51