Os cavalos nos ensinaram muito, nos acompanham por muito tempo, em guerras, esportes, lazer e acredito ser muito deles os louros de tanto desenvolvimento e conquistas…
E por todo esse tempo nós os UTILIZAMOS, de uma maneira deliberada ou seja, os observávamos e sentíamos não como parte do trabalho ou parte de nossas vidas, mas sim como um transporte, ferramenta ou utilitário.
O nosso olhar antigo sobre a maioria das outras espécies sempre foi especista ou seja, o ser humano sobre todas as outras coisas. Mas vamos nos modificando, aprendendo, evoluindo e nos percebendo apenas como parte de um todo, não mais nem menos importante, mas apenas parte, existindo junto e precisando um do outro.
O meu aprender com os cavalos começou cedo, nasci e cresci em meio a eles e os observava como parte da minha vida, com curiosidade, com amor, os tendo como iguais.
O campo por vezes pode ser solitário para uma menina, chorava com eles minhas angústias e me divertia os tentando montar ou imitar. Quando cresci, vivíamos na cidade, então cursei Medicina Veterinária para outra vez me dedicar a eles.
Quando meu pai se foi, minha vida tomou caminhos de descobertas e viagens e estive longe, para, vinte anos depois, voltar a viver no mesmo campo, na mesma terra, com os mesmos cavalos. O meu conectar com eles me conecta a vida. O sentir deles diz muito sobre mim.
Entender como um olhar pode expressar dor, sem dizer uma palavra. Sobre como uma presença, ao estares enfermo, pode ser importante, zelando, cuidando ali teu sono, tua sede, tua comida.
Observando os cavalos
Por longas horas de solitude nesta vinda para morar sozinha no rancho, eu os observava. Olhava o movimentar das éguas em direção ao vento ou chuva e as brincadeiras com os cavalos das pastagens lindeiras.
Com isso, aprendi como para os cavalos era importante a liberdade e como seus focinhos se tocavam ao dar mordiscadas suaves e como aquilo queria dizer curiosidade e amor. Vivendo dessa forma, entregue a oportunidade de longas e longas horas caminhando e tocando seus dorsos, acomodando suas crinas e rindo de suas peraltices, assim como curando suas enfermidades, entendendo suas formas tão distintas de se comunicarem ou de sentirem as coisas, pude finalmente entender o conectar.
O conectar se trata, de certa forma, disso. Olhar para o outro com as suas percepções, não com as nossas. O desenvolver desse olhar permite que tenhamos empatia e possamos entender melhor as necessidades, os pensamentos e mesmos as ansiedades do outro. Quando eu olho para o meu cavalo e não entendo como ele se comporta ou como precisa se desenvolver ou viver, se eu o faço com o meu olhar e meu sentir, eu desprezo o seu bem-estar, desprezo como se sente e nosso convívio não será feliz para ambos.
Quando se fala em entender o cavalo, muito se pensa em: como posso obter um melhor rendimento ou melhor trabalho com ele? Como ele pode me servir melhor? Como ele pode engordar para parecer mais bonito para mim? Ou mais manso? Ou mais cômodo no sentar? Ou mais rápido? Mas, para mim me parece egóico que seja sempre sobre termos vantagens ou controle ou mesmo ganhos com um animal como o cavalo.
Os centauros entendiam a sabedoria e a sensibilidade desses animais, capazes de nos darem lealdade, amor e asas para voar. Sua rapidez, elegância, perspicácia, sua capacidade de prever, por sua pineal desenvolvida, ou mesmo antever perigos e dissabores e ainda sua disponibilidade para nos ensinar, nos servir e nos acompanhar.
Me parece muito mais inteligente nosso conectar sincero, disposto e disponível. Um trabalho de estudar, estar entre eles e principalmente, um trabalho de se conhecer primeiro. Um trabalho de enfrentar momentos de medos e inseguranças para conseguir estar perto de um animal de tanto tamanho e maestria.
O cavalo, dentro do picadeiro, nos ensina a ter calma, a entender nosso corpo, a entender nossa voz, que não deve ser alta e nem violenta. O cavalo nos responde nos entregando tudo, se formos inteligentes e bondosos. Mas, se por acaso, deixamos nossa necessidade de defesa através da insegurança de nos percebermos pequenos e infantis falar mais alto, eles teimam, esperneiam e lutam com bravura e coragem, não aceitando facilmente submissão e subserviência.
O caminho da dor violenta pode ser mais curto, mas o conectar é pra sempre. Uma vez estabelecida a confiança, ela não quebra. Os cavalos tem a eternidade de nossos sentimentos e olhares em seu peito, de maneira inquebrantável, tenho certeza disto…Que possamos estar dispostos a esta nova forma de viver o cavalo, e que essa consciência nos permita uma nova maneira de nos conectarmos uns aos outros.
Por: Alessandra Arriada
Médica Veterinária Médica Veterinária e Terapeuta com Cavalos. Formada pela Universidade Federal de Pelotas, com Doutorado em Ciências Ambientais e Mestrado em Engenharia. Mora no extremo sul do Brasil onde se dedica ao desenvolvimento de pessoas com cavalos, ensinando o comportamento e a linguagem desses animais para um convívio e trabalho feliz para ambos. Ministrou cursos no Uruguai, Argentina e Brasil.
Mais informações: @Alearriada
Fotos: Divulgação
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