Nas últimas semanas as comunidades hípicas tem se preocupado com a saúde dos rebanhos de cavalos no Brasil. Isso porquê alguns países no continente europeu enfrentam, neste momento, uma epidemia causada pelo Herpes vírus Equino (EHV – Equine Herpes Vírus), também conhecido como Rinopneumonite.
Antes de mais nada vale frisar que os primeiros registros do surto ocorreram no dia 21 de fevereiro, durante uma competição de hipismo que ocorria em Valência, na Espanha. Dos 752 animais que participaram do evento, 84 deles apresentaram sinais clínicos compatíveis do EHV.
A princípio, manifestados através de sinais respiratórios. Em outros casos apresentaram sintomas neurológicos. Esta forma agressiva de sintomatologia neurológica possui alta capacidade de disseminação e com potencial de ser fatal. Além disso, vem sendo atribuída a uma cepa variante do EHV tipo1 (EHV-1).
Embora tenham sido adotadas medidas de biossegurança por médicos veterinários no local onde ocorria o evento, alguns animais acometidos vieram a óbito. Diante desses fatos e devido a rápida evolução da doença causada pela cepa, a FEI (Federação Equestre Internacional) cancelou os eventos internacionais de todas as modalidades regidas pela entidade que estavam programados para ocorrer em mais de 10 países na Europa. Sobretudo, a medida teve efeito imediato à partir do dia 01 de março de 2021 até 28 de março de 2021.
Também foi estabelecida a interrupção do trânsito. Ou seja, absolutamente nenhum cavalo é autorizado a entrar ou sair dos locais onde foi confirmada a ocorrência da doença, bem como os cavalos presentes nas imediações dos focos só terão permissão para deixar esses locais quando obtiverem um certificado oficial de saúde das autoridades veterinárias locais. Quaisquer cavalos que saiam desses locais sem esta documentação serão bloqueados no banco de dados da FEI.
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O que é a Herpes Vírus Equino?
A Rinopenumonite Equina é uma doença causada pelos Herpes vírus Equinos tipo 1 (EHV-1) e tipo 4 (EHV-4) e não possuem caráter zoonótico. Ou seja, não há transmissão da doença para seres humanos.
Sua transmissão ocorre por inalação de aerossóis oriundos de secreções respiratórias de indivíduos em fase aguda, fômites, através de objetos, materiais de montaria. Além disso, pode ser carreada por pessoas que lidam com os animais, através de água e alimentos contaminados, tecidos de fetos abortados e de fluidos placentários de éguas infectadas.
Ciclo de vida biológica de EHV-1 e EHV-4
- Cavalos Infectados por EHV-1 / EHV-4 com o vírus latente Reativação do vírus que estava latente;
- Liberação nasal do vírus com potencial de infecção (carga viral)
- Infecção de outros cavalos (especialmente animais jovens)
- Recrutamento de novos hospedeiros durante o ciclo, através de contaminação ambiental, fomites, objetos, materiais e pessoas (carreadores) estabelecimento de latência viral
Sintomas
Uma vez que ocorre a infecção de um equino, pode manifestar no hospedeiro sinais respiratórios, febre, inapetência, depressão, descargas nasais, manifestações extra pulmonares, abortamento de éguas prenhes, natimortalidades ou doença neurológica paralisante (mieloencefalopatia equina). Em média, a manifestação dos sintomas ocorre 8 dias após o contato com o vírus.
De forma geral, a letalidade da doença costuma ser baixa e a recuperação ocorre em até duas semanas após o inicio dos sintomas. A imunidade protetora é de curta duração, permitindo que animais sejam suscetíveis a reinfecções após alguns meses, podendo manifestar novos sintomas.
O surto atual da doença nos países da Europa vem causando grandes preocupações devido ao fato da cepa possuir alta patogenicidade e a doença manifestar sintomatologia neurológica. A multiplicação local no sistema nervoso ocorre porque a cepa do vírus possui tropismo para o endotélio vascular, e pode migrar para o endotélio do sistema nervoso central por meio de células mononucleares circulantes.
Uma vez que o vírus atinge o sistema nervoso central pode resultar em manifestações clínicas neurológicas como ataxia, paralisia, dificuldade de locomoção e hiporreflexia. O aparecimento de sinais neurológicos pode ocorrer após a manifestação de sinais respiratórios, e sua ocorrência pode ter em média o intervalo de 6 a 10 dias.
Diagnóstico da Herpes Vírus Equino
O diagnóstico do Herpes Vírus Equino (EHV-1) é baseado nos sinais clínicos e na detecção do vírus por exame laboratorial. O método de diagnóstico mais indicado, tanto para confirmação de caso quanto para movimentação animal é o teste PCR em tempo real, através de esfregaço nasal, coleta de sangue, ou tecidos de placenta e de fetos abortados, seguidos por isolamento.
As amostram devem ser mantidas e transportadas sob refrigeração, utilizando meio de conservação adequado.
Existe tratamento?
Não existe um tratamento específico para a rinopneumonite além do tratamento sintomático. Os objetivos da terapia são:
- Melhorar os sinais clínicos da infecção viral;
- Manter a hidratação e atender às necessidades calóricas diárias dos cavalos afetados;
- Minimizar complicações causadas pela superinfecção e/ou disseminação de infecção viral além do trato respiratório;
- Evitar quedas de imunidade desencadeadas por estresse.
É crucial o reconhecimento precoce da doença para a implementação de práticas de manejo que diminuam o risco de exposição de cavalos suscetíveis. Dentre os procedimentos de manejo preventivo se enquadram:
- Separação das éguas prenhes de todos os outros cavalos nas instalações;
- Isolamento por um período de pelo menos 3 semanas das éguas que são introduzidas na propriedade;
- Subdivisão das éguas prenhes em grupos de acordo com a duração da gestação;
- Redução do estresse dos animais;
- Também faz parte do manejo preventivo não compartilhar o uso de materiais, fomites, bebedouros e comedouros entre os cavalos e evitar super populações.
Vacinação
A vacinação infelizmente, não oferece proteção completa contra a contaminação do EVH-1, incluindo a cepa neurológica. Porém reduz a multiplicação no trato respiratório, evitando disseminação do vírus, e suas complicações.
Essas falhas na vacina podem ser atribuídas à exposição a uma quantidade de inoculo de vírus suficiente para sobrecarregar a imunidade conferida pela vacina, exposição à uma cepa viral mais agressiva ou até mesmo ao desempenho abaixo do necessário das vacinas que existem no mercado.
Dessa forma, as vacinas mais indicadas são: Lexington, tétano, encéfalo, Influenza, rino tipo 1 e 4; Influenza H1/4 – Influenza bê herpes tipo 1/4 e Fluvac HV4/1- Influenza e rino.
Animais adultos nunca vacinados devem tomar primeira dose, e o reforço deve ser feito após 30 dias, e recomenda-se a revacinação a cada 6 meses. Animais Jovens devem ser vacinados nos primeiros 4 meses de vida, e reforço após 30 dias. Fêmeas prenhes devem ser vacinadas, irrevogavelmente nos, 5º, 7º e 9º mês de gestação.
Herpes vírus equino no Brasil
Sobre a chegada do vírus no Brasil, já temos ocorrência de casos neurológicos causados pelo vírus desde 2005 pelo menos. Sobre o vírus causador dos casos na Europa, podemos afirmar que é uma mutação do tipo 1, se é uma que já pegamos aqui no Brasil ou uma nova, só mesmo sequenciando o vírus de lá e comparando .
De qualquer forma recomendo fortemente que devemos vacinar os cavalos com as vacinas que temos disponíveis e deixar o máximo em latência. Seja o que irá causar doença respiratória, aborto ou a neurológica
Além disso, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) divulgou recentemente uma circular orientando sobre os cuidados que devem ser tomados para o ingresso de equinos no Brasil a partir da Europa. Sobretudo, envolve a adoção de requisitos sanitários específicos, seguindo recomendações da OIE (Código Sanitário para os Animais Terrestres, Capítulo 12.8).
Portanto, os equídeos devem proceder de estabelecimentos que não foram submetidos a casos de rinopneumonite nos 90 dias prévios ao embarque e são isolados por, no mínimo, 21 dias no país exportador.
A propriedade também deve possuir um veterinário que seja o representante legal do estabelecimento. Ele será responsável por assinar um documento assegurando a sanidade do animal e que a propriedade possui condições para o isolamento dos equinos. Ademais, deverá constar no documento, compromisso de que os equinos não serão movimentados, a partir da propriedade de destino, dentro do prazo acima mencionado.
Caso haja quaisquer sinais clínicos manifestados pelo animal durante esse período, o serviço oficial deverá ser comunicado imediatamente. Para que, assim, seja feita a coleta e encaminhamento de amostras para o diagnóstico laboratorial.
Ao final do período de isolamento, não havendo manifestação de sinais clínicos, o animal poderá ser liberado e encaminhado diretamente à propriedade de destino. Contudo, caso o animal manifeste sinais clínicos compatíveis com a doença e/ou com o resultado laboratorial positivo para rinopneumonite, o mesmo deverá permanecer em isolamento por período adicional de 21 dias no seu estabelecimento de origem.
Faça a sua parte!
Prevenir e controlar um possível surto por herpevirus, depende não apenas do controle das autoridades e órgãos oficiais, mas também da conduta pessoal de veterinários e proprietários bem como se estabelecer um REAL controle das hípicas e eventos eqüestres através de um responsável técnico atuante e presente.
Você (proprietário) colocaria seu cavalo em risco em um evento ou hípica onde não se realiza a vistoria das vacinas na entrada? Você (veterinário) emitiria um atestado de vacina para um animal não vacinado? Pensem nisso.
Por Hélio Itapema, Rachel C. Worthington, Luana Pio de Souza, Maria Luiza Favero, Ana Carolina Pereira Guilherme, médicos veterinários
Crédito da foto: Divulgação/Pexels
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