O MERCADO EQUINO PÓS PANDEMIA

Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, escreve neste artigo sobre o mercado dos equinos durante a pandemia e as perspectivas de futuro

Com a pandemia no início de 2020 no Brasil, era uma dúvida sobre seus efeitos no mundo do cavalo. Os custos da criação iam diminuir? Alguns haras fechariam suas portas? Os clientes ficaram longe das pistas? O mercado equino entraria em colapso?

Foram perguntas que todos faziam buscando algumas possibilidades para frear os efeitos da pandemia que todos os segmentos estavam enfrentando, até que algo inusitado começou a acontecer: o mercado do cavalo entrou numa crescente.

Em pleno aumento de casos de Covid-19 e dúvidas sobre o futuro social e econômico no Brasil, o mercado do cavalo entrou num ritmo de valorização. Se pudermos ter um marco para isso na raça Quarto de Milha, foi o Leilão ZD & EK no dia 13 de junho de 2020, o leilão atingiu grandes somas, ainda mais com a venda do recordista mundial de três tambores (Game Boy EK). De lá pra cá, visto nos leilões de várias raças, só apreciou.

Leia mais

TEORIA DO VALOR

Antes de entrarmos na discussão sobre a apreciação dos equinos, cabe pensarmos numa teoria da valorização de um produto, ou seja, o que faz de um produto ter mais ou menos valor?

Paul Singer disse que uma das maneiras de definir o valor é pela relação sujeito com a natureza ou coisas, na qual o sujeito tem suas necessidades e procura satisfazê-las. Assim a valorização de algo se dá no “grau de satisfação ou a utilidade derivada dessa atividade”.

Nós atribuímos valor as coisas ou aos serviços na medida em que estes satisfazem nossas necessidades. Mas por que houve uma valorização dos cavalos em plena crise social e econômica causada pela pandemia? Fato é que o cavalo passou a suprir uma necessidade importante para crianças e adultos, o de lazer, principalmente como contraposição à tantas perdas ocorridas pela pandemia.

Isolamento social gerou cargas de emoções negativas, além de ter um tempo “livre”, o cavalo surge como possibilidade de ocupar esse tempo ocioso proporcionando um bem-estar e qualidade de vida em meio as tragédias. A demanda aumentou.

Valor e preço são coisas diferentes. Preço é o valor monetário (moeda), valor é o benefício proporcionado pelo produto ou serviço comprado, ou seja, “preço é o que você paga, valor é o que você leva”. Por isso a cada recorde batido nos Três Tambores, os animais (filhos e irmãos) são valorizados: você leva pra casa um campeão, possibilidades de vitórias, sonhos, possíveis alegrias e satisfações. Assim, o preço sobe pela lei da oferta e procura.

LEI DA OFERTA E DEMANDA

Mais uma vez recorremos a economia clássica, desta vez para falar de preço. Adam Smith disse:

“O preço de mercado de uma mercadoria específica é regulado pela proporção entre a quantidade que é efetivamente colocada no mercado [oferta] e a demanda daqueles que estão dispostos à pagar o preço natural da mercadoria, ou seja, o valor total da renda fundiária, do trabalho e do lucro que devem ser pagos para levá-la ao mercado”.

Desta forma começamos a olhar para a oferta do mercado equino, utilizando como fonte a “Revisão do Estudo do Complexo do Agronegócio do Cavalo” e os dados do IBGE/PPM (Pesquisa da Pecuária Municipal). Neste levantamento percebemos que o número do rebanho brasileiro nos últimos 46 anos não apresenta diminuição ou aumento do plantel de forma drástica, pequenas oscilações, ora crescente, ora decrescente, com leve aumento na linha de tendência, estabilizando o plantel numa média de 5,6 milhões de cabeças no Brasil.

Fonte: IBGE/PPM (2022).
Arte: do Autor

Importante esclarecer que o mercado equino no Brasil não são, apenas, aqueles apresentados nos leilões, tampouco aqueles direcionados ao esporte, existe uma falha na “Revisão do Estudo do Complexo do Agronegócio do Cavalo”, publicado pelo MAPA.

Na metodologia adotada (Painel), em forma de consulta aos criadores pela “definição dos locais de coleta das informações. Para cada local, são consultados os dados de associações de criadores – e de outras fontes por ela indicadas – de forma a subsidiar uma estimativa prévia do perfil das regiões analisadas”.

Agora lhe digo: na minha pequena cidade de 4 mil habitantes, existe um “rolista” de cavalo que, com frequência, vende o mesmo animal 1 ou 2 vezes por dia”. Este sujeito está inscrito em alguma associação? Ele tem alguma propriedade cadastrada? Ele tem um haras ou é apenas um rolista? (Filme “Alma de Cowboy”).

Provavelmente não, sabe-se do complexo que é a mensuração desta informações, porém, não reflete a realidade aquela apresentada pelo MAPA, é um estimativa baixa, pensando na dimensão territorial do Brasil.

Sabendo disso, que a oferta no Brasil teve pouca oscilação, aumento de 12% de 1974 a 2020, e que favoreceu as altas dos preços dos animais, consequentemente sua valorização como fonte de lazer, foi a alta demanda pelos animais.

AUMENTO DA DEMANDA

Na história da equinocultura do Brasil, temos alguns marcos importantes para destacar o aumento pela demanda de equinos, para isso como critério o territorial, verificando a variação percentil de 1990 a 2020.

Será mensurado de 1974, lembrando que os dados do Estado da Guanabara, até 1975, foram somados com o Rio de Janeiro. Assim como os do Estado do Tocantins, até 1989, foram somados com o Maranhão e do Mato Grosso do Sul, até 1977, somados com o Mato Grosso.Primeiro, de 1974 a 2020, temos um aumento no rebanho equino nos Estados da região Norte e Centro Oeste, como Acre (89%), Mato Grosso (69%) e Rondônia (67%). Em contrapartida, uma diminuição no plantel das regiões Sul, Sudeste e Nordeste, tais como Piauí (-166%), Ceará (-84%) e São Paulo (-76).

Fonte: IBGE/SIDRA/PPM (2022).
Arte: do Autor

Neste ponto que destacamos o valor do equino para outras atividades, assim como na metodologia adotada pelo MAPA.  O crescimento dos rebanhos nas regiões Norte e Centro-Oeste está relacionada ao fluxo migratório para desbravar novas regiões produtivas, sendo o cavalo utilizado como transporte ou no trabalho no campo.

Todavia, a diminuição dos plantéis nas regiões Sul e Sudeste é decorrente das novas formas de se relacionar com o trabalho, na minha região alguns usam as motos para tocar o gado. Da mesma forma do declínio de áreas destinadas a produção de gado de corte/leite, dando lugar as plantações agrícolas.

Neste interim, com a pandemia, teve-se uma procura por animais de lazer, com a demanda maior que a oferta, o preço dos animais subiram, fomentando todo o complexo de agronegócio do cavalo (veterinários, ferradores, laboratórios etc.).

Cabe pensar agora, alguns criadores entraram para o negócio pensando neste boom do mercado de cavalos, no entanto, devemos pensar como fica com o fim da pandemia: a demanda irá diminuir ou aumentar?

A tendência é diminuir com a volta de novas atividades com custo mais baixo. Mas ainda assim, falando como criador, ainda sobreviveremos. Os que se aventuram na criação terão suas dificuldades. Agora é a hora de ir as compras de cavalo.

REFERÊNCIAS

IBGE. Pesquisa da Pecuária Municipal. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br. Acessado em: 18 mar 2022.

CODIRECT. Preço X Valor. Disponível em: https://codirect.com.br/. Acessado em: 18 mar 2022.

MAPA. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Revisão do Estudo do Complexo do Agronegócio do Cavalo. Brasília: MAPA, 2016.

SINGER, Paul. Curso de introdução à economia política. 11. ed. Rio de Janeiro: forense-Universitária, 1987.

Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho

Cavaleiro e Pesquisador | Haras Dom Herculano

Crédito da foto de chamada: Pixabay