Desde 2015, todos os garanhões registrados na American Quarter Horse Association, obrigatoriamente, devem ser testados para cinco doenças genéticas
E são elas:
1 – Paralisia periódica hipercalêmica (HYPP) – Doença autossômica dominante decorrente de mutação pontual no gene SCN4A. Afeta: aproximadamente 1,5% de todos os Quartos de Milha e 56% dos cavalos de Conformação.
A mutação no gene do canal de sódio causa disfunção em um tipo específico de canal iônico de sódio. Esses canais estão envolvidos na geração de impulsos elétricos associados com a contração muscular. A mutação perturba a condução adequada desses impulsos, causando tremores musculares e até paralisia temporária nos cavalos afetados.
Em casos graves, HYPP pode causar colapso ou morte súbita. A HYPP remete ao garanhão Impressive. A doença foi vista nos filhos e filhas de Impressive, porque para se manifestar não precisa de duas cópias do gene defeituoso. No entanto, gerações sucessivas de animais que receberam dois genes defeituosos manifestaram com frequência versões mais graves da doença.
2 – Deficiência da enzima ramificadora do glicogênio (GBED) – Doença autossômica recessiva causada pela mutação do gene GBE1. Afeta: aproximadamente 8-10% dos Quartos de Milha; Paints podem ser portadores, assim como Appaloosas e outras raças que descendem do Quarto de Milha. Estima-se que 3% ou mais dos abortos que acontecem no segundo e terceiro terço da gestação são causados pela GBED.
A mutação do gene GBE1 reduz a função da enzima que sintetiza o glicogênio de forma que os músculos do coração e do esqueleto, o fígado e o cérebro não conseguem armazenar e transportar glicogênio. Como o glicogênio fornece energia para os músculos, essa disfunção leva ao enfraquecimento dos músculos e eventualmente à morte.
GBED resulta em abortos que acontecem no segundo e terceiro terço da gestação e natimortos. Pesquisadores acreditam que muitos desses casos que não foram previamente identificados podem ter sido causados por GBED. Os potros que sobrevivem ao nascimento geralmente morrem ou são sacrificados em até oito semanas. Embora alguns potros tenham sobrevivido até os quatro meses, GBED é sempre fatal.
3 – Astenia dérmica regional hereditária equina (HERDA) – Doença autossômica recessiva causada pela mutação do gene peptidil-prolil isomerase B (PPIB). Afeta: aproximadamente 3,5% dos Quartos de Milha são portadores.
O colágeno compõe tecidos conjuntivo (pele, ossos, tecido, músculo e cartilagem). A mutação no gene PPIB resulta em colágeno defeituoso que faz com que a camada externa da pele se separe da camada interna. Em alguns casos, a camada externa se desprende completamente, deixando feridas abertas.
Cavalos jovens com HERDA pode parecer ter um número incomum de marcas e cortes na pele, mas a doença é mais frequentemente notada quando o cavalo começa a treinar sob a sela. A pressão da sela nas costas faz com que a pele se rasgue e se separe, deixando as áreas abertas. Essas áreas demoram a cicatrizar e muitos cavalos com HERDA são sacrificados devido a lesões de cicatrização lenta.
4 – Miopatia por acúmulo de polissacarídeo 1 (PSSM) – Doença autossômica dominante causada por mutação no gene da síntese de glicogênio sintase 1 (GYS1). Afeta: 11% dos Quartos de Milha e muitas outras raças.
A PSSM é uma forma comum de travar. A mutação no gene GYS1 provoca a síntese desregulada de glicogênio, o que resulta em excesso de açúcar nas células musculares. Isso leva a dores musculares e rigidez, sudorese, intolerância ao exercício e fraqueza. Por causa da dor e rigidez, os cavalos estão relutantes em se mover.
Pesquisa realizada na Universidade de Minnesota identificou dois tipos de PSSM. Testes genéticos determinaram que alguns cavalos com PSSM tinham uma mutação específica em GYS1 (PSSM Tipo 1), enquanto outros não tinham a mutação no gene GYS1 (PSSM Tipo 2). Cavalos identificados como tendo uma forma moderada a grave da doença de acordo com a biópsia muscular eram mais propensos a ter PSSM Tipo 1 do que cavalos com uma versão mais branda da doença. Os pesquisadores ainda não determinaram o que causa o PSSM tipo 2.
5 – Hipertermia maligna (MH) – Doença autossômica dominante causada pela mutação no receptor de rianodina 1 (RYR1). Afeta: Quartos de Milha e várias outras raças; a porcentagem de cavalos afetados é desconhecida.
A mutação resulta em um mau funcionamento do canal de liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático no músculo esquelético. O mau funcionamento causa a liberação de cálcio excessivo no mioplasma (a parte contrátil de uma célula muscular). Isso pode causar um estado hipermetabólico (aumento do metabolismo) e pode resultar em morte.
A HM é desencadeada pelo uso do anestésico halotano, do relaxante muscular succinilcolina e pelo estresse. Cavalos afectados experimentam aumento do metabolismo muscular, febre muitas vezes superior a 42oC, sudorese excessiva, alta frequência cardíaca, ritmo cardíaco anormal, respiração superficial, hipertensão, rigidez muscular, quebra de tecido muscular, proteína muscular na urina e/ou morte.
Como visto, algumas delas têm sintomas amenos e podem ser controladas com mais facilidade, já outras podem ser graves e fatais, causando prejuízos emocionais e financeiros aos criadores e proprietários, além claro, de sofrimento ao próprio animal.
Por isso, considerando a existência comprovada e a alta transmissibilidade destes genes para os descendentes, a AQHA editou os artigos REG108.4 e REG108.5 do seu Regulamento. Passou a exigir que o garanhão que venha a produzir tenha o teste genético de um painel com essas cinco doenças para ter seus filhos registrados. A norma está em vigor desde 1° de janeiro de 2015.
Notem que o regulamento não diz que o teste deve ser negativo, nem impõe restrições de finalidade e uso desses animais. Diz apenas que o produto só terá a indicação de negativo (N/N) para as doenças quando (1) tiver feito teste de DNA e (2) o pai e a mãe tiverem testado negativo para todas as doenças do painel.
Isso porque o objetivo da associação, segundo as publicações da AQHA, é permitir que os criadores tomem decisões informadas ao escolherem os acasalamentos. O intuito secundário, porém, não menos importante, é de não perpetuar os genes causadores destas doenças nas gerações seguintes.
O teste ainda não é obrigatório para as matrizes nos Estados Unidos, porém qualquer animal pode ser testado a pedido do proprietário. O procedimento é simples {veja o vídeo informativo} e feito através da AQHA para evitar fraudes. O proprietário solicita o kit à AQHA pela internet preenchendo um formulário; a AQHA envia o kit ao solicitante; este coleta o material e envia ao laboratório; por sua vez, o laboratório envia o resultado diretamente para a AQHA.
No Brasil, essas doenças são objeto de inúmeros artigos científicos e foram inclusive tese de doutorado na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual de São Paulo de autoria de Diego José Zanzarini Delfiol, publicada em agosto de 2014. O estudo trata da prevalência de equinos Quarto de Milha portadores dos genes da MH, PSSM e HYPP, e analisa inclusive a incidência de cada gene por modalidades.
As principais conclusões deste trabalho foram que (1) A prevalência da mutação responsável pela PSSM1 no Brasil é de 6,7%, ocorrendo a doença nos animais de Rédeas, Apartação, Conformação, Tambor e Baliza, não sido identifica nos cavalos de corrida; 2) A prevalência da HYPP foi de 4,2%, sendo a mutação identificada somente nos animais de conformação (30,7%), indicando ainda que as medidas de controle adotadas no país para diminuir a prevalência do gene não estão sendo eficazes; e 3) a mutação responsável pela HM não foi identificada na população amostrada, demonstrando que a enfermidade não possui relevância no país.
Há notícia de que o assunto vem sendo discutido pela Diretoria e pelo Conselho Deliberativo Técnico da Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha, porém até o momento não há nenhuma norma aprovada pela ABQM ou pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Rumores indicam que haverá barreiras na importação de animais e/ou material genético de garanhões que testem positivo para uma das cinco doenças do painel.
Atualmente, apenas a HYPP é mencionada no Regulamento do Serviço de Registro Genealógico do Cavalo Quarto de Milha, como um defeito genético, que não permite apenas que o cavalo seja utilizado para reprodução, podendo participar de provas oficiais da ABQM.
Entendo que a medida adotada pela AQHA é benéfica. Mais interessante ainda é a sensatez com que a solução foi introduzida: exigindo transparência. A partir do momento em que o animal passa a produzir descendentes, é preciso que a informação sobre seu perfil genético esteja disponível para terceiros, pois é uma forma de mapear os animais que possuem os genes das doenças e permitir que criadores façam a livre escolha dos acasalamentos, idealmente rumando para reduzir a transmissão dos genes causadores destas enfermidades.
Enquanto pesquisava encontrei um grupo no Facebook nos Estados Unidos que reúne informações sobre garanhões de teste negativo. Outro exemplo é a página de garanhões de centrais, como Silver Spurs Equine, Cedar Ridge Stallion Station e Oswood Stallion Station, onde cada garanhão tem a indicação dos resultados do ‘5 panel test’. Transparência total.
Vamos aguardar como a questão será tratada no Brasil.
Fontes:
https://www.ridegreen.aqha.com/genetictesting
https://www.ridegreen.aqha.com/daily/breeding/2016/breeding-archive/genetic-test-roundup/
https://www.thefencepost.com/news/an-ounce-of-prevention-aqha-5-panel-stallion-test-helps-reduce-chance-of-disease/
Por Karoline Rodrigues
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