Sócia-proprietária do Haras Lagoinha, referência do Mangalarga Pampa no Brasil, Marisa conta a sua história no meio do cavalo
A criação do Mangalarga Pampa do Haras Lagoinha, localizado em Jacareí/SP, já foi destaque em algumas reportagens aqui do portal Cavalus. No entanto, o que poucos sabem é a história por trás da sócia-proprietária do criatório, Marisa Iorio.
Exatamente por isso que hoje ela é destaque da série de reportagens especiais em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Respeitada por onde passa, Marisa compartilhou com a gente como surgiu o seu interesse pelo mundo dos cavalos.
Além disso, contou também como que conseguiu se sobressair na criação de cavalos mesmo em um meio predominantemente masculino. E, ainda, sobre o seu olhar artístico na criação de cavalos que, com certeza, fez e faz toda a diferença para tornar o Haras Lagoinha um dos principais centros de criação da raça Mangalarga.
No entanto, apesar da história de Marisa e do Haras Lagoinha se misturarem, hoje, nesta reportagem, o foco principal é só ela. Mas, com certeza, em breve voltaremos em outra reportagem a contar mais sobre a história do criatório, a qual ela está a frente junto com o ex-marido Paulo Eduardo Corrêa da Costa.
Confira abaixo a entrevista completa!
Primeiro contato com cavalos
“Meu primeiro contato com o mundo dos cavalos foi no Parque da Água Branca, em São Paulo. Meu pai me levava para ver as exposições e aí despertou essa paixão, que passou para recortes de revista. Desde os meus 3 anos, comecei a me interessar em comprar revista e a vislumbrar a ter uma fazenda, a ter uma criação de cavalos.
Acredito que eu não tenha sido a única da minha geração a ter esse despertar através desse parque, desse entusiasmo e de tantas exposições. Hoje é uma tristeza vir a saber que o Água Branca deixa de ser um parque de exposições agropecuárias.
Enfim, eu sempre pedia para o meu pai uma fazenda, mas o mesmo não tinha condições para realizar o meu pedido. Só que ele procurava um sitio e até então uma tia próxima, irmã do meu pai, conheceu o Condomínio Lagoinha.
Na época, era uma fazenda de um francês, que estava de partida para França e teve a ideia, acredito que veio de lá, de dividir a fazenda em lotes, desta forma transformou a fazenda em condomínio. Tudo leva a crer que esse condomínio tenha sido o primeiro existente no Brasil. Pois de São Paulo tenho certeza.
Então, quando eu tinha cinco anos de idade meu pai comprou dois lotes desse condomínio, mas eu perguntava ‘onde estavam os cavalos’. Porque ficaram as cocheiras na fazenda, mas os cavalos foram embora.
Início Haras Lagoinha
“Contudo, uma pessoa me deu uma informação que próximo do Condomínio Lagoinha existia um senhor que tinha uns cavalos sem raça definida, que ele alugava esses cavalos e eu fui a pé até lá. Assim, conheci o senhor chamado Minerão, logo fiz amizade e ele passou a me alugar cavalos nos fins de semana e nas minhas férias.
Eu aprendi muito com ele [Mineirão]. Eu adorava tratar dos cavalos. Então, no final de semana eu alugava um cavalo, das 8h as 17h. Eu tratava, alimentava, dava banho, fazia tudo com muito carinho o dia inteiro e só na última hora me permitia a dar uma voltinha com meu amigo.
E foi indo assim até que acabei adquirindo meus próprios cavalos. Sempre que eu ia para esse local, desse senhor Mineirão, eu falava para mim mesma ‘Um dia eu iria construir um Haras e seria exatamente nesse local’. E hoje especificamente é exatamente o local do Haras Lagoinha.
Então, toda uma historia aconteceu dos meus cinco anos de idade, quando comecei a alugar os cavalos até eu comprar o Lagoinha, com 21 anos. Mas isso aconteceu até eu conhecer o Paulo, casar e toda uma longa historia se passa até adquirir a fazenda Primavera, hoje haras Lagoinha.”
Atuação profissional
“Eu sou formada em artes plásticas, mas, é claro, que eu queria ter feito veterinária. Mas, na época, minha mãe pediu encarecidamente que eu não fizesse veterinária. Então, como meu pai era artista plástico, as artes me chamavam muito atenção e eu acabei fazendo artes plásticas na FAAP.
Contudo, confesso que cheguei a pensar que seria, talvez, uma escolha errada. Mas é interessante como as coisas não acontecem por acaso. Hoje eu acho que foi a melhor escolha da minha vida. Mesmo mexendo com cavalos, eu acho que a formação artística me ajuda muito até hoje na criação de cavalos.
Eu digo isso porque o olhar artístico faz você ter equilíbrio, a dar atenção as formas. Para poder visualizar o cavalo como um todo, precisamos diferenciar as partes, mas mantendo critérios que estão presentes na avaliação como harmonia, beleza plástica, morfologia, movimento, andamento, entre outros.
Fora isso me ajudou na elaboração de todo o projeto e construção do que é hoje o Haras Lagoinha. Sou uma criadora diferenciada dos demais criadores pela concepção geral, todas as etapas do que é realmente criar cavalos.
Todo esse projeto e idealização nasceu da Marisa Iorio e nos momentos específicos os profissionais de cada área foram envolvidos e do meu sempre e eterno alicerce Paulo Eduardo, o PEC.”
Dedicação aos cavalos
“Hoje eu agradeço por ter escolhido minha profissão e ter esse olhar bem diferenciado, artístico e realmente de criação. Eu sou apaixonada por aquilo que eu faço e gosto de conduzir de forma diferenciada com uma pitada de um senso artístico que eu sempre faço inclusive nos meus leilões, o Leilão Celebridades, eu gosto disso. ”
Inclusive eu posso até falar que o Haras Lagoinha já ganhou prêmio de decoração, por conta da parte externa. E foi um grande momento que uniu a minha parte profissional como decoradora sendo projetada aí no início da criação, tanto do haras como da minha parte profissional.
Mas não conseguimos trilhar dois caminhos com a mesma dedicação, de artista plástica, decoradora e criadora de cavalos. Daí eu resolvi abrir mão, vamos dizer assim da minha profissão em si, para ir para minha paixão que é a criação de cavalos.
Meu sonho era ter cavalos, mas jamais imaginei toda essa grandiosidade, mas a raça Mangalarga sempre foi a raça dos meus sonhos, eu nunca cogitei criar outra raça”.
Estudante dedicada
“Eu entrei na associação em 1984, super jovem. Com sonho pela frente e deslumbrada no meio, mas não sabia nada. Quem que ia me dar atenção, era complicado.
Quem era a Marisa do Haras Lagoinha, aquela que tinha um terreno de 1.000 metros, que estava iniciando a criar e a comprar cavalo. Não era ninguém, na verdade.
Então, como que eu precisava a ser notada, eu precisava ter conhecimento, mas como conhecer se não tinha praticamente nenhuma literatura de cavalo para me informar a respeito? Assim, passei a prestar atenção nas conversas, muitas vezes de longe. Meus ouvidos estavam sempre aguçados de informação, eu pegava os catálogos do leilão e lia todos, eu prestava atenção em tudo que o leiloeiro comentava.
Além disso, eu ia nos leilões no Parque Água Branca que te falei. Ficava do primeiro lote até o último lote, tanto no sábado quanto no domingo. Chegava em casa e estudava os pedigrees, verificando os maiores preços e depois para ficar por dentro dos assuntos.
Fora isso eu ia nas lojas e conversava com os vendedores. Eu aprendia sobre todas as novidades que saiam no mercado de remédios e tratamentos em equinos e tudo mais. Eu estudava também sobre as rações do mercado e fazia os poucos cursos existentes no mercado na época.
Então o que eu tinha naquele momento eram as lojas, os leilões, passando o dia ali conversando, aí as vezes, antes, que antecedia os leilões, os vendedores ficavam com vontade de vender. Daí eles te davam atenção, então eu aproveitava esse momento de maior descontração e conversava, daí também era interessante e eu comecei a conhecer esse meio, e ficar ali mais tempo.
Isso devo muito a meu pai Hélcio Iorio, porque sempre me acompanhava e sendo um especialista na arte de dialogar, conversava com todo mundo e eu seguia de carona.”
Mulher x preconceito
“Se eu sofri preconceito? Talvez não seja preconceito em si, talvez foi assim, ignorada muitas vezes. Mas como o haras Lagoinha se destacou muito rapidamente, e tendo sempre a Marisa Iorio na linha de frente, de ignorada passei a ser respeitada, isso até hoje.
Tem um lado muito positivo de estar no meio masculino sendo mulher, que eu acho que foi um grande diferencial na minha vida. O fato de não estar confortável, me fez estudar muito e isso me tornou muito detalhista.
Me fez sempre pensar em cada ação a ser realizada no criatório. Ajo com seriedade, carinho, amor e extremo profissionalismo. Talvez seja por eu ser mulher, eu jamais baixo a guarda.
O Paulo, às vezes, até fala, ‘ah você é muito detalhista’. Mulher tem esse defeito, detalhista, mas eu acho que esse é o real valor. Os detalhes fazem a diferença, e eu acho que essa é a grande importância, cavalo tem que ser tratado nos mínimos detalhes.
Eu agradeço por ser uma mulher, num meio anteriormente machista, hoje masculino, mas que me permitiu ser o que sempre fui. Mas de forma até mais exigente da minha parte que foi sempre agir com seriedade, pensar em cada detalhe para que nada fugisse ao meu controle.
E por ser essa mulher de personalidade forte, sem jamais desistir dos meus ideais, o Haras Lagoinha se tornou uma referência Nacional de criação de cavalos”.
Por Natália de Oliveira
Colaboração: Ana Silva
Crédito das fotos: Arquivo Pessoal/Marisa Iorio
Veja mais notícias do cavalo Mangalarga no portal Cavalus