Saúde & Bem-estar

Mito e Realidade na Nutrição de Cavalos!

Publicado

⠀em

O mundo evolui e a alimentação dos cavalos também! O que era verdadeiro ontem pode já não ser hoje.

Muitas “regras” da nutrição de cavalos têm sido repetidas por anos, sempre com aquela característica de verdade absoluta que torna difícil até mesmo questiona-las, quanto mais ousar tentar alguma coisa diferente. A empresa norte-americana Kentucky Equine Research, especializada na nutrição de cavalos de esporte, tem feito pesquisas sobre algumas destas velhas e inquestionáveis afirmações para chegar à conclusão que, ainda que algumas tenham um fundo de verdade, a maioria não passa de mito sem comprovação em realidade nem pesquisa. Muitas destas descobertas valem também para a realidade brasileira.

Convém sempre lembrar que os cavalos não suportam bem toda e qualquer modificação da alimentação – mesmo que estas sejam aparentemente para melhor!

Consulte sempre um profissional de sua confiança antes de qualquer alteração no manejo alimentar de seu cavalo.

 O efeito do farelo de trigo

Sempre foi considerado que o farelo de trigo tivesse um suave efeito laxante, seja usado em “mashes” (misturas aquosas de farelo de trigo com outros ingredientes), ou dado misturado à ração concentrada, o que é mais comum no Brasil. Entretanto, um estudo realizado na Universidade de Cornell mostrou que este não é o caso. No estudo, não havia diferença na umidade fecal entre cavalos em que 50% da dieta foi substituída por farelo de trigo e outros animais controle, cuja dieta não continha farelo de trigo. A digestibilidade do farelo também não foi aumentada pela prática de misturá-lo em água morna. Tampouco o teor de fibra do farelo de trigo é justificativa para utilizá-lo, pois a própria aveia, e todos os tipos de feno, são mais ricos em fibras. Ainda que o farelo de trigo contenha alguns nutrientes, não é rico o bastante nos mesmos para justificar que substitua outros concentrados. No caso dos mashes (farelos umedecidos), os mesmos foram considerados inócuos, sem efeitos negativos nem positivos, ainda que eles possam encorajar a ingestão de água em clima muito frio ou em cavalos adoentados, assim ajudando a prevenir a desidratação.

Milho e aveia são alimentos “quentes”

Este mito pode ser interpretado de duas maneiras, de acordo com a definição dada a “quente”. Se pensarmos em temperatura corporal física, é preciso definir produção calórica e incremento calórico em termos fisiológicos. A produção de calor é a soma da energia líquida para manutenção e incremento calórico; este último é o calor gerado pela digestão de metabolismo dos diversos alimentos.

Alimentos ricos em fibras têm maior incremento calórico porque a digestão das fibras exige maior atividade metabólica. No tempo frio, o calor gerado pela digestão de alimentos fibrosos é um valioso aliado para regular a temperatura corporal. Se listarmos os alimentos por incremento calórico decrescente, os volumosos (elevados em fibra) estariam no início e as gorduras no final. É por isso que no clima quente os óleos vegetais podem ser adicionados à dieta dos cavalos, aumentando a ingestão calórica sem fazer com que o incremento calórico cresça indesejavelmente. Isto pode ser necessário porque no calor a ingestão de alimentos (apetite) diminui o que resulta num déficit de energia para atividades intensas. Aumentar o percentual de gordura na dieta é a maneira mais fácil de aumentar a densidade calórica ao mesmo tempo em que diminui o incremento calórico. Sob este aspecto, é possível concluir que milho e aveia “aquecem” menos do que feno. Por outro lado, é preciso considerar o efeito das camadas isolantes do corpo, ou seja, a gordura, sobre a termo-regulação. Quando um cavalo recebe mais energia do que necessita, o excedente é estocado como gordura, o isolamento térmico aumenta e a temperatura corporal aumenta muito mais durante o exercício do que aconteceria se aquele mesmo indivíduo estivesse mais magro. Mesmo assim, milho e aveia NÃO são alimentos que aumentem a temperatura corporal, pois este efeito aquecedor se deve à quantidade fornecida de alimento e ao nível de condicionamento do cavalo, e não aos componentes da dieta.

Outro aspecto é o comportamental, do cavalo de “temperamento quente”. Muitas pessoas estabelecem uma correlação entre os açúcares da dieta e os problemas de comportamento de seus cavalos, e afirmam que “quando come mais grãos, meu cavalo fica agitado”. Uma resposta possível é que um cavalo pode ser submisso devido ao tratamento correto – ou porque está com pouca energia para se rebelar, ou seja, com fome. É de se esperar que um cavalo se sinta melhor quando se encontra num balanço energético positivo. A resposta é direcionar esta “energia” de maneira positiva, resultando num desempenho superior e mais brilhante. Não é incomum que treinadores medíocres tentem dominar um cavalo fazendo-o passar fome – e o comportamento muda quando o animal volta a ser bem alimentado.

“Quero um alimento que energize meu cavalo, mas que não o engorde”

E quem de nós não desejaria este tipo de comida – ainda mais se for saborosa? É preciso compreender a “impossibilidade fisiológica” deste desejo. Toda a energia da dieta que não seja necessária para a manutenção do organismo é disponibilizada para funções produtivas, incluindo crescimento, lactação, trabalho e engorda, entre outras. Geralmente, o pedido acima é feito por donos de cavalos com boa conversão alimentar, mas que não trabalham o bastante. Uma frase típica é: “Meu cavalo está gordo e não quer correr. Como posso lhe dar mais energia?” Infelizmente, esta falta de “gás” resulta de condicionamento físico inadequado e não da falta de calorias na dieta. Nestes casos, a solução é ficar mais tempo na pista e menos tempo no cocho! (Fórmula que, aliás, serve também para humanos…)

Melaço causa cólica

O melaço é usado nas rações de cavalos para aumentar a palatabilidade e melhorar a homogeneidade da ração, reduzindo a incidência de pó e de finos. Seu valor calórico é similar àquele da aveia, ele tem entre 20 e 30% de umidade, e açúcar é seu principal componente.

Especialmente em clima quente, as rações laminadas com adição de melaço têm maior tendência a mofar que as rações peletizadas ou as misturas secas. Parte deste problema pode ser resolvido adicionando inibidores de fungos, tal como ácido propiônico. Um outro problema que deve ser considerado é que a quantidade de açúcar presente no melaço sobrecarregará a capacidade do intestino delgado de absorver glicose, o que faz com que parte da mesma chegue ao ceco e vá fermentar, exatamente como acontece com o excesso de amido que não chega a ser digerido no intestino delgado. Desta maneira, estes componentes não são digeridos adequadamente, causando fermentação bacteriana que pode levar à cólica.

Entretanto, o melaço em si não causa cólica nem problemas digestivos, estes vêm do manejo alimentar inadequado. Desde que a ração que o contém seja adequadamente estocada (em ambiente fresco e seco) e monitorada quanto à presença de fungos, e principalmente que o cavalo não receba quantidade excessiva de ração numa única refeição, não há nenhum problema na utilização de rações que contenham melaço. Vale lembrar que os cavalos não devem receber mais que 2 kg de concentrado numa única refeição, para evitar os problemas mencionados de sobrecarga de glicose e amido.

Ração peletizada pode causar problemas digestivos

Este mito é um resíduo dos tempos em que as rações comerciais eram novidade e os tradicionalistas buscavam justificativa para evitarem-nas. Se um cavalo é alimentado corretamente e com regularidade não há porque ele engasgar ou sofrer sobrecargas e impactações por causa de pellets mais do que aconteceria com outras formas de concentrado. Especialmente para cavalos gulosos, a prevenção da sobrecarga está em utilizar cochos rasos, de superfície ampla, e não pequenos e profundos, o que diminui a velocidade de ingestão da ração. Se necessárias pedras grandes e lisas podem ser colocadas no cocho, o que retarda ainda mais a velocidade de ingestão.

Se um cavalo tiver alguma patologia de esôfago resultando em alterações peristálticas, a melhor maneira de fornecer concentrado é fazer um mingau bem líquido do mesmo, com bastante água, se necessário misturando óleo vegetal e cubos ou pellets de alfafa para suprir as diversas demandas nutricionais. Esta estratégia funciona a curto prazo na recuperação de lesões e também naqueles indivíduos com constrições permanentes do esôfago.

Aveia achatada é melhor que aveia inteira. Tradicionalmente, as pessoas acham que a aveia achatada seja significativamente mais digestível do que a aveia inteira. A maior parte dos estudos de digestibilidade que foram efetuados comparando os dois tipos de aveia mostra que o aumento de digestibilidade da aveia achatada é de, no máximo, 6%. Outro estudo demonstrou que a digestibilidade do amido entre aveia inteira e achatada é praticamente idêntica. Considerando que a aveia inteira se conserva melhor que a achatada, na maioria dos casos o uso da aveia achatada não é justificado. Uma exceção possível são cavalos velhos com problemas de dentição, e talvez potros muito jovens. De qualquer modo, uma ração peletizada ou extrusada é mais apropriada para os cavalos idosos.

O cavalo barrigudo deve comer menos concentrado

Muitas pessoas acham que a barriga grande de um cavalo é sinal de gordura, e assim tendem a reduzir a quantidade de concentrado da ração, de modo que o cavalo passa a depender mais do volumoso para cobrir suas necessidades nutricionais, o que pode resultar em novo aumento do volume abdominal. Contudo, na maioria dos cavalos, a verdadeira causa da “barriga de capim” é perda de condição física, do tônus muscular e dos ligamentos da linha dorsal, o que faz a barriga parecer maior do que realmente é. Em muitos casos, esta situação pode ser melhorada aumentando a quantidade de concentrado junto com o exercício.

Os cavalos tendem a ter depósitos de gordura na crista do pescoço, atrás da espádua, sobre as costelas e ao longo da garupa e na base da cauda, e não na área abdominal, tal como acontece com os humanos. O cavalo visualmente “barrigudo” geralmente está magro ou fora de forma.

Óleo vegetal previne a impactação intestinal

Os veterinários utilizam o óleo mineral por duas razões. Uma delas é que este óleo não é absorvido pelo intestino, porém quando ingerido reveste as paredes internas do mesmo, reduzindo a absorção intestinal de toxinas, que são formadas em diversas doenças, tais como a síndrome cólica e a laminite.

O óleo mineral tem efeito laxante e também lubrificante, auxiliando a eliminação da massa fecal. Sendo inerte no trato gastrointestinal, a absorção de óleo mineral é zero, o que possibilita sua chegada nas porções intestinais finais, onde exerce seu efeito. Por sua vez, os óleos vegetais (milho, soja, canola, etc) têm por volta de 90% de digestibilidade, sendo absorvidos principalmente no intestino delgado. Praticamente nada dos óleos vegetais chega a ceco e cólon maior, para agir de maneira similar à do óleo mineral, de modo que aqueles não têm o efeito lubrificante deste.

Acrescentar óleo vegetal nas dietas dos cavalos serve para aumentar a ingestão calórica, e possivelmente aumenta a absorção das vitaminas fornecidas. Quantidades recomendadas de óleo vegetal variam de 200 a 500 ml diários. Fornecer uma ou duas colheres de sopa diárias deste óleo, como às vezes observamos, não tem efeito prático algum.

O feno mais caro sempre é o melhor para os cavalos

O melhor volumoso para os cavalos é aquele que apresenta o melhor equilíbrio entre valor nutritivo, custo e fibra. Alguns fenos são muito caros por serem jovens, de primeiro corte, e por isso mesmo baixo em fibra, ainda que sejam muito nutritivos. Para ver mais conteúdo como esse clique aqui.

Os problemas digestivos dos cavalos estabulados costumam se relacionar á falta de fibra, não à falta de nutrientes; para resolver estes problemas e prevenir cólicas, um feno mais fibroso, “inferior” pode ser preferível – desde que não esteja mofado nem estragado, é claro! Também existe o feno fibroso demais, obtido de cortes de plantas velhas, que simplesmente não é ingerido pelos animais e acaba entrando na categoria de “falsa economia”.

Fonte consultada: Stephen G. Jackson, Kentucky Equine Research, Inc.

Escrito por : Verônica Formigoni.

Foto por : Foto Cedida.

WordPress Ads
WordPress Ads