Artigo técnico: Mangalarga Marchador se internacionaliza

Possibilidade de mudanças na legislação sobre exportação da raça tende a gerar oportunidades profissionais a médicos-veterinários e zootecnistas

A internacionalização da raça de equinos Mangalarga Marchador é um tema que vem sendo trabalhado há muitos anos, mais exatamente, desde o fim da década de 1990. A iniciativa sofre influência de vários fatores ocorridos ao longo desse período.

Como, por exemplo, a imposição de barreiras sanitárias, oscilações cambiais das moedas estrangeiras e o aumento dos valores dos fretes internacionais, que alteraram por completo o cenário da exportação de animais.

O objetivo deste artigo é mostrar o quadro atual desse processo, suas possibilidades e as perspectivas de oportunidades para os profissionais brasileiros que atuam nesse segmento.

Origem

A raça Mangalarga Marchador é tipicamente brasileira. Segundo dados históricos da Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador (ABCCMM), surgiu há cerca de 200 anos, na comarca do Rio das Mortes, no Sul de Minas Gerais.

Isso a partir do cruzamento de cavalos da raça Alter, trazidos de Portugal, com outros animais que vinham sendo selecionados pelos criadores daquela região do estado. A Alter tem sua origem na raça espanhola Andaluza, de cavalos nativos da Península Ibérica, germânicos e berberes (conjunto de povos do Norte de África).

Portanto, o cruzamento dessas raças produziu excelentes animais para a montaria. Minas Gerais já se destacava como centro criador de equinos desde o século XVIII e a chegada dos cavalos da raça Alter aprimorou ainda mais os seus criatórios. O Mangalarga Marchador teve como berço a Fazenda Campo Alegre, pertencente a Gabriel Francisco Junqueira, o barão de Alfenas, a quem é atribuída a formação da raça.

Há várias versões para o nome “Mangalarga Marchador”, mas a mais consistente está relacionada à Fazenda Mangalarga, localizada em Pati do Alferes, no estado do Rio de Janeiro. Seu proprietário era um rico fazendeiro que, impressionado com os cavalos da família Junqueira, adquiriu alguns exemplares.

Quando alguém se interessava pelos animais, ele indicava as fazendas do Sul de Minas e essas pessoas procuravam os fazendeiros perguntando pelos cavalos da Fazenda Mangalarga. Essa referência acabou se transformando no nome da raça. Tendo sido o termo “marchador” acrescentado, depois, pelo fato de alguns daqueles animais terem a função de marchar, em vez de trotar.

A Associação

Mangalarga Marchador é a maior raça de equinos da América Latina e a ABCCMM, sua maior entidade na região. Atualmente, conta com mais de 18 mil associados e cerca de 630 mil animais registrados.

Antes de mais nada foi fundada em 16 de julho de 1949, no Parque de Exposições da Gameleira, em Belo Horizonte/MG. Agora possui 70 núcleos e associações de criadores nos principais estados brasileiros, que promovem cerca de 240 eventos por ano.

O Mangalarga Marchador no Exterior

No exterior, o Mangalarga Marchador tem representações oficiais na Alemanha, Itália, Estados Unidos e Argentina. Com vistas a acelerar e aumentar a performance no processo da internacionalização, a ABCCMM instituiu, em setembro de 2017, a Comissão de Fomento e Comércio Exterior. Esta que tem a função de ativar contatos e promover ações de fomento e divulgação em todos os mercados equestres do mundo.

Inegavelmente, o Mangalarga Marchador já se fez presente em várias feiras internacionais, nos Estados Unidos e na Alemanha. O que foi fundamental para que se tornasse conhecido e reconhecido como um excepcional cavalo de sela.

Contudo, a associação pretende que o canal de comercialização seja ampliado e se torne, ao longo dos anos, mais uma relevante vertente comercial para a raça.

Houve avanços importantes. Por exemplo, a raça foi declarada raça nacional pela Lei nº 12.975, de 19 de maio de 2014. Já a Lei nº 13.873/2019 define as modalidades que serão reconhecidas como esportivas, equestres e tradicionais.

Fazem parte da lista as seguintes modalidades: o adestramento, concurso completo de equitação, enduro, hipismo rural, provas de laços e velocidade, cavalgada, cavalhada, provas de avaliação morfológica, concursos de marcha, corrida, provas de rodeio e polo equestre.

Dessa forma, a raça obteve um suporte legal importante para fins de apresentação e negociação diplomática para a sua inserção em mercados equestres internacionais.

Distribuição dos criadores do cavalo Mangalarga Marchador na América do Norte – Foto: Divulgação/ABCCMM

O mercado norte-americano

Sem dúvida, os Estados Unidos é o maior mercado equestre do mundo e o que detém o maior número de animais da raça Mangalarga Marchador no exterior.

Portanto, ele envolve quase dois milhões de pessoas e os americanos têm o cavalo “na veia”. Isto é, em sua cultura, história, formação e como parte relevante do desenvolvimento do país. Isso é visível nos parques, praças e monumentos, bem como nos inúmeros parques temáticos distribuídos em todas as regiões americanas.

A indústria do cavalo nos Estados Unidos contribui de maneira significativa para a economia do país. Os números ficam em torno de 122 bilhões de dólares por ano, gerando 1,7 milhão de empregos. O plantel equino, de aproximadamente 7,2 milhões de animais, contabiliza mais de cem raças sendo criadas em solo americano.

Desses, cerca de 3,1 milhões de animais são destinados para sela e lazer, função em que se encaixa perfeitamente o Mangalarga Marchador. Esses dados foram apresentados pela American Horse Council Foundation, em 2017, quando fez um estudo nacional sobre o impacto econômico da indústria equina.

Nos Estados Unidos, a Mangalarga Marchador Association for North America (USMMA) encontra-se em franco crescimento. Com seus associados, já totaliza um plantel aproximado de 300 animais da raça. Essa associação agrega criadores e usuários norte-americanos e canadenses, em várias regiões, conforme mapa a seguir.

Pesquisa realizada pelo autor, in loco, junto da USMMA, em 2019, identificou que a maioria dos criadores e usuários americanos e canadenses deseja adquirir animais Mangalarga Marchador. Contudo, encontra algumas dificuldades. Entre as quais:

  • Barreiras sanitárias: para serem exportados para os Estados Unidos, os animais devem apresentar exames sorológicos negativos para as seguintes doenças: Anemia Infecciosa Equina (AIE), mormo, piroplasmose e durina. A maior dificuldade é zerar os títulos para a piroplasmose, uma vez que o plantel brasileiro tem muita exposição a esse agente infeccioso. As outras enfermidades, assim como as imunizações preconizadas e cuidados sanitários, já são bem administradas e mantidas pelo criatório nacional.
  • Financeiro: são altos os custos de importação, hoje em torno de 15 mil dólares por animal. O que, na maioria das vezes, dificulta ou até mesmo inviabiliza o processo.
  • Mão de obra: muitos criadores querem investir, mas necessitam de mão de obra especializada para dar apoio à criação, manejo e apresentação dos animais. Sem esse suporte, sentem-se despreparados para crescer.
  • Suporte institucional: demandam uma representação oficial da ABCCMM no país, para que, com a USMMA, possam traçar ações de fomento e divulgação da raça. Promovendo, assim, cursos de especialização e aprimoramento nas áreas de reprodução, podologia, doma, equitação e preparação de animais para cavalgadas e competições.

Oportunidades profissionais

Com isso, claramente podemos identificar inúmeras oportunidades futuras para os profissionais brasileiros. Visto que as áreas apontadas como de maior interesse e demanda pelos criadores norte-americanos são de nosso total domínio.

Vale lembrar que, pelo regulamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), apenas médicos-veterinários e zootecnistas podem desempenhar algumas funções dentro das atribuições de controle, registro e julgamento de competições da raça Mangalarga Marchador. Isso vale em qualquer local onde a raça estiver presente.

O processo de internacionalização da raça vai exigir dos profissionais brasileiros vistos de trabalho específicos e uma preparação prévia. Isso, principalmente, em relação ao domínio do idioma. Mas também à capacidade de trabalhar com a mão de obra básica já existente, transmitindo com precisão os conhecimentos.

É um mercado que se abrirá se, como profissionais, tivermos todas as ferramentas disponíveis. Pois essa ampliação em nível mundial não se concretizará caso não sejamos competentes e efetivos em todas essas áreas já identificadas.

Futuro das Exportações

Ao avaliar as dificuldades para a exportação de animais, no que se refere às barreiras sanitárias, comerciais e de logística, a equipe da Comissão de Fomento e Comércio Exterior da ABCCMM entende que a melhor maneira de realizar uma ampla expansão do cavalo Mangalarga Marchador pelo mundo é pela genética congelada.

A biotécnica dos embriões congelados seria a técnica mais indicada. Essa biotecnologia, além de atender às normativas sanitárias, quebra os custos operacionais e de logística, dando à operação comercial uma extrema viabilidade e fluidez.

Possibilita, ainda, a introdução e a manutenção de uma genética mais atual da raça. Esta que se encontra em plena evolução, para atender a todos os mercados equestres mundiais.

Vale ressaltar que os criadores nos Estados Unidos utilizam garanhões e éguas que chegaram ao país nas décadas passadas, ou filhos destes, além de sêmen congelado de garanhões. O qual é importado pelos criadores com baixa frequência, ou seja, existe demanda pela aquisição de genética mais atual, para modernizar o plantel já existente.

Por outro lado, para a raça Mangalarga Marchador, se faz mister ampliar seu canal de comercialização. Uma vez que ela possui uma enorme produção anual e se mostra extremamente atrativa aos mercados equestres internacionais.

Após um evento recente na associação foi aprovado um projeto e aberto processo junto ao Mapa. Este solicitando normativa específica para a produção, controle e convênio de exportação de embriões congelados para os Estados Unidos e Canadá.

Assim, o criador do cavalo Mangalarga Marchador poderá estabelecer relações comerciais com esses países, visando produzir, comercializar e exportar essa genética congelada. No momento, o processo encontra-se tramitando no ministério e, tão logo sejam concluídas as normativas, será possível dar início a esse trabalho.

Com a possibilidade desse novo fluxo comercial, abre-se em definitivo e de maneira efetiva uma nova fase no processo de expansão da raça Mangalarga Marchador pelo mundo. Gerando, também, oportunidades de trabalho para os médicos-veterinários e zootecnistas brasileiros.

A indústria equina do Brasil, segundo a Câmara Setorial de Equideocultura do Mapa (2016), movimenta, anualmente, R$ 16,15 bilhões. Gerando, assim, 610 mil empregos diretos e 2,43 milhões de empregos indiretos. Ela é responsável, portanto, por cerca de três milhões de postos de trabalho para o agronegócio brasileiro.

Cientes de que o Mangalarga Marchador é a maior raça de equinos do Brasil, é de considerar a relevante participação dos seus criadores nesse cenário. Com a exportação de material genético, será possível agregar ainda mais conquistas a esse expressivo resultado.

Mostraremos ao mundo nossa capacidade de produção, comercialização, logística e a vontade de compartilhar a qualidade de nossos animais com todos os usuários e criadores desse fantástico cavalo de sela.

Por Flávio Tavares Fernandes, médico veterinário, especialista em reprodução equina, criador do cavalo Mangalarga Marchador e
presidente da Comissão de Fomento e Comércio Exterior da ABCCMM. Artigo técnico originalmente publicado na edição 83 da Revista CFMV

Crédito da foto em destaque: Divulgação/Fernando Ulhoa

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