Revolução digital no campo: conheça a fazenda high tech

O local fica na Esalq-USP, em Piracicaba/SP. O Notícias Agrícolas acompanhou com exclusividade os primeiros passos do projeto

Partindo de Campinas/SP para Piracicaba/SP o agronegócio logo dá as caras com um verdadeiro manto de plantações de cana-de-açúcar na Rodovia SP-304. A estrada tem o nome do agrônomo e empresário brasileiro falecido em 1898, Luiz de Queiroz.

No final da rodovia, já na cidade de Piracicaba, está a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), nosso destino final. Vamos acompanhar os primeiros passos da fazenda high tech da universidade.

Polo de desenvolvimento industrial e agrícola no estado de São Paulo há pelo menos 200 anos, a cidade de Piracicaba/SP não perde tempo quando o assunto é evolução no agro.

A cidade respira inovação tecnológica com várias companhias do setor. Não é por acaso que recebeu o título de Vale do Piracicaba ou AgTech Valley, em referência ao vale norte-americano, na Califórnia, onde estão situadas várias empresas e escritórios de alta tecnologia.

Assim como no vale dos Estados Unidos, em que a Universidade de Stanford teve papel importante no desenvolvimento do ecossistema de inovação tecnológica, no Vale do Piracicaba, o avanço teve suporte importante da Esalq-USP, que é a principal escola de agronomia do país e a quinta melhor do mundo.

A iniciativa mais recente de inovação no agronegócio é a criação de uma fazenda modelo digital, que tem apenas seis meses, mas grandes perspectivas, principalmente pelo local em que está localizada.

Primeiros passos

“Todo esse ambiente de hubs e startups, em Piracicaba, nos motivou na ideia de nossa fazenda digital, dentro Fazenda Areão. Agora, o objetivo é levar grandes empresas do agronegócio para dentro desse ambiente com suas tecnologias, para que elas tenham um ambiente de coworking e que aproveitem todo o ecossistema do Vale para testarem suas tecnologias. A Esalq, mais uma vez, é pioneira”, afirma Felipe Pilau, professor do departamento de engenharia de biossistemas da Esalq-USP que encabeça o projeto.

Os primeiros projetos para tornar a Fazenda Areão, do século passado, totalmente digital já saíram do papel, através do “Fazenda Conectada”. Nele, uma área de 100 m² (10 hectares) conta com uma estação meteorológica da Ativa Soluções que processa e envia para a nuvem informações através de tecnologia 4G baseada em Internet das Coisas.

Outro talhão, recebeu um lisímetro, equipamento que parece ser uma panela na superfície do solo, e que penetra a terra com o objetivo de medir o consumo de água das plantas. No caso da Areão, o aparelho está localizada em uma plantação de cana-de-açúcar.

Os dados desses equipamentos já estão sendo disponibilizados e agora ideia da Esalq-USP é automatizar um pivô central em uma terceira área, ao lado dos dois experimentos, para que ele consiga automaticamente fazer seu trabalho levando em conta as necessidades apontadas pelas tecnologias das duas primeiras etapas.

Agricultores da região também poderão ter acesso aos dados. “Ao automatizar, conseguiremos fazer uma irrigação extremamente precisa”, afirma Pilau. Esses projetos instalados na fazenda contam com parcerias com a Vivo Empresas, segmento corporativo da Telefônica Brasil, Ericsson e startups do agronegócio.

Primeiros equipamentos instalados na fazenda digital da Esalq-USP. Fotos: Felipe Pilau

Pioneiro

“O projeto é pioneiro no país por se tratar de um sistema de irrigação 100% conectado, com benefícios diretos na operação, como a redução de falhas decorrentes de erros humanos, o aumento de produtividade – já que o cultivo está sempre em condições ideais de água no solo –, a redução de custos e, ao otimizar o consumo de água e energia, a diminuição de impactos ambientais”, afirma O Head de Marketing e Produtos IoT/Big Data B2B da Vivo, Diego Aguiar.

Pilau conta que espera por mais empresas interessadas em participar do projeto Agro IoT Lab, fruto da parceria da Esalq-USP com as empresas de tecnologia, para que toda a área da Fazenda Areão, nas proximidades do Campus Luiz de Queiroz, seja totalmente high tech em pouco tempo.

“A ideia é ocupar toda a propriedade, que tem área de cerca de 150 hectares, podendo zonear em espaços de pecuária, irrigação, máquinas e outras. Ter diversas empresas em um único ambiente testando suas soluções pra gente será como uma vitrine das novas tecnologias do agronegócio”, ressalta o professor da Esalq-USP.

A fazenda experimental também deve servir como base de teste das tecnologias desenvolvidas pela própria incubadora da Escola Luiz de Queiroz, a ESALQTec.

A iniciativa surgiu em 2006 com o objetivo de que o conhecimento gerado na universidade se torne inovação, através de produtos ou serviços, por meio de convênio entre a escola de agricultura e instituições parceiras. As incubadas são selecionadas através de editais concorridos e abrangem vários setores do agronegócio. Atualmente, são dez startups residentes e uma centena acompanhada de perto.

Os planos são de expansão

“Trabalhamos em uma nova unidade também na Fazenda Areão, com potencial de duplicar nossa capacidade. O Brasil só será o maior celeiro de produção de alimentos do mundo, se tiver tecnologia. Nos últimos anos, pelo menos 19 startups passaram pelas portas da ESALQTec, algumas uniram forças com outras empresas e muitas têm tido sucesso em suas áreas de atuação”, destaca Sergio Marcus Barbosa, gerente executivo da ESALQTec. Piracicaba conta hoje cerca de 40% das startup s agro em São Paulo, segundo a Associação Brasileira de Startups (ABstartups).

Consciente da importância do suporte da ESALQTec no desenvolvimento da empresa, a @Tech também criou um Hub de Inovação de pecuária de precisão em sua sede, em Piracicaba (SP), o AnimalsHub.

“Atualmente, nós temos nossos projetos que vão se tornar startups, dentro do AnimalsHub, e também outras startups que incubam suas soluções e co-desenvolvem sistemas a fim de trazer novos valores para o setor produtivo”, comemora Albertini.

A Esalq-USP conta com uma área em Piracicaba de mais de 3 mil hectares, o que corresponde a 48,85% de toda a USP. O Campus Luiz de Queiroz tem 914,5 ha e as estações experimentais em Anhembi, Anhumas e Itatinga: 2.910,9 ha. São mais de 200 docentes e mais de 450 técnicos na universidade. Dados de 2018, da própria instituição, mostram que quase 50% dos alunos da Escola estão matriculados no curso de Engenharia Agronômica.

Mas, afinal, o que é agricultura digital?

A agricultura digital ou a chamada agricultura 4.0 cada vez mais se torna realidade no agronegócio brasileiro, mas desafios ainda precisam ser superados. Ela abrange um conjunto de tecnologias que podem auxiliar os produtores nas atividades rurais. Pode ser através da agricultura de precisão, que utiliza-se da geoestatística, do monitoramento por satélites, radares e drones. Existe uma ampla variedade de soluções.

O assunto tem chamado tanto a atenção, que criou o governo brasileiro criou neste mês de outubro a Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão e Digital, que passa a interagir no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para promover o setor. Também haverá interação importante com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, além de instituições agropecuárias e de tecnologia.

“Fizemos um estudo no final de agosto para entender o que está acontecendo, porque como uma referência no ramo cada vez mais estamos sendo procurados para consultorias e demandas de infraestrutura. Identificamos que existem atualmente 1125 startups do agronegócio no Brasil e que elas tiveram crescimento expressivo nos últimos anos”, afirma Massruhá. 

Na vanguarda da tecnologia no agronegócio, a Embrapa Informática Agropecuária foi criada há mais de 30 anos e tem acompanhado de perto as mudanças do setor através da inovação tecnológica. “Ao longo dos anos, temos visto que a agricultura digital passou por três etapas. A primeira surgiu com a chegada da internet, na década de 1990, depois vieram os smartphones e a terceira são os desafios do futuro e as oportunidades”, explica Massruhá.

Avanços

Apesar dos avanços no ruraltech nos últimos anos, ainda existem muitos desafios a serem superados, segundo Massruhá, como a questão da conectividade, que está relacionada com infraestrutura, a rede de baixa frequência e questões regulatórias.

“Temos as tecnologias, os dados, mas vamos chegar a um momento que a capacidade humana não vai mais conseguir dar conta, vamos precisar dos algoritmos”, diz a chefe da unidade de Informática Agropecuária.

Dados da PNAD Contínua TIC 2017 ( Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a última pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que trouxe dados sobre o uso da internet, o acesso à internet tem crescido expressivamente em áreas rurais nos últimos anos, chegando a 41% de domicílios conectados, quase metade da população dessa área.

Isso reforça os desafios de conectividade em um país com dimensões continentais. O celular é o principal dispositivo utilizado pelos brasileiros para usar a rede.

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“Na área rural, mais de 90% dos usuários utilizam a internet para envio de mensagem de texto, voz e e-mail. São atividades relacionadas ao pessoal e a atividade econômica que elas exercem. As pessoas que não utilizam a internet, alegam razões de falta conhecimento e isso está ligado com a infraestrutura mesmo”, explica Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE.

O Censo Agropecuário, realizado em 2016, também deve trazer importantes informações sobre como a internet tem sido utilizada no meio rural. A divulgação desses dados específicos deve ser feita pelo instituto de pesquisa ainda neste ano.

Investidores

A Embrapa realiza editais anuais para que startups do agro possam se conectar com investidores. A terceira chamada do “Pontes para Inovação” tem inscrições abertas até o dia 28 de outubro. “Ao juntarmos importantes atores do ecossistema de inovação, tais como investidores, aceleradoras de startups e instituições intensas em PD&I, em uma ação como esta, estamos ampliando as possibilidades de inserir no mercado ativos tecnológicos que irão impactar positivamente a agropecuária brasileira”, explica o diretor de inovação e tecnologia da Embrapa, Cleber Soares.

O agronegócio tem sido um dos principais setores da economia brasileira ao longo dos últimos anos. Apesar de resultado praticamente estável no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2018, com alta de 0,1% por conta de questões climáticas, o setor agropecuário foi o motor do PIB em 2017, com crescimento de 12,5%, segundo o IBGE. A agricultura é o maior empregador único do mundo e proporciona meios de subsistência para 40% da população global, segundo a ONU.

“Esse é um mercado crescente, que avança a cada ano, e vemos que está sendo limitado pela quantidade de pessoas que sabem trabalhar com a tecnologia. Para isso, investimos muito em treinamentos na empresa. Mas entendemos que é um processo, que não acontece de uma hora para a outra”, afirma Menegatti. A InCeres está sediada no Vale do Piracicaba, nasceu em 2014, e faz parte do Pulse – Hub de Inovação da Raízen.

Soluções

Dentre as soluções desenvolvidas pela empresa para o produtor rural através da agricultura de precisão, a principal é uma plataforma que correlaciona informações de mapas e gera dados sobre doenças, pragas, pluviometria e outros. O produtor tem acesso aos resultados na palma da mão através do próprio celular, com aplicativo mobile para Android e iOS, o InCeres Coleta.

“Acredito que o próximo passo da agricultura digital seja a busca de alternativas para aumentar a produtividade com mínimo de área possível. Com certeza, isso vai passar pela internet das coisas. Para poder alimentar uma população crescente, o Brasil vai precisar cada vez mais incorporar tecnologias”, afirma Massruhá que acredita que as novas gerações terão papel importante nessa trajetória.

O desafio para alimentar uma população mundial que deve chegar a 9 bilhões de pessoas em 2050, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), de fato é grande, porque será preciso aumetar a produção em até 70% nos próximos anos e isso passa e muito pela inovação no agro. Não dá para perder tempo. E a Esalq-USP sai na frente.

Por: Jhonatas Simião
Fonte: Notícias Agrícolas
Foto: Jornal da USP

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