Análise do mercado equestre frente às tendências de bem-estar animal.
O esporte equestre é uma atividade eminentemente cultural em diversas
regiões do mundo, obviamente, possuindo suas particularidades, as quais
basicamente foram originadas e moldadas através da utilização dos equídeos
para fins bélicos, caça e lida no campo, este último com presença marcante até
os dias atuais.
Segundo dados dos últimos Censos Agropecuários – IBGE, respectivamente
dos anos de 2006 e 2017, os equinos utilizados para trabalho no Brasil não
estão somente associados à atividade pecuária como a criação de bovinos,
mas também em outras atividades como produção de lavouras, produção
florestal, horticultura, dentre outras. Assim sendo, as estimativas mais recentes
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a cerca da
divisão do efetivo de equinos no país apontam que 78% da tropa são de
animais para lida (trabalho) e 22% são animais destinados ao esporte, lazer e
criação.
No entanto, mesmo com um efetivo menor em comparação aos animais de
trabalho, são os equinos de esporte e lazer que movimentam economicamente
a maior fatia deste mercado. Ou seja, são os consumidores relevantes,
justamente pela representatividade e grande participação junto à sociedade
como um todo. Com essa relevância e grande exposição, os questionamentos,
principalmente sobre questões técnicas e éticas, são inevitáveis e atualmente
se mostram mais frequentes.
Exemplo claro e recente é a decisão da União Internacional de Pentatlo
Moderno (UIPM), entidade que rege essa modalidade olímpica, em excluir a
prova de hipismo da modalidade, após a ONG global PETA (People for the
Ethical Treatment of Animals) encaminhar ao Comitê Olímpico Internacional
(COI) pedido de exclusão da prova que é uma das modalidades disputada com
outras quatro provas no pentatlo moderno. Situação gerada pela polêmica da
acusação de agressão a um cavalo durante as Olimpíadas de Tóquio 2020.
No Brasil, situações em que ocorrem questionamento e intervenções por parte
da sociedade em questões relacionadas aos esportes equestres não são
incomuns. Mesmo com a existência de um extenso aparato legal a fim de
garantir, regular e normatizar as atividades esportivas equestres, é sabido que
diversas provas das mais diferentes modalidades, realizadas em todos os
cantos do país, têm sofrido com este cenário. A priori modalidades com
participação de bovinos tendem a ser o maior alvo, justamente devido à
presença desse terceiro envolvido além do conjunto cavalo e cavaleiro.
Contudo, as demais modalidades equestres também acabam sendo alvos e
não escapam dos olhares vigilantes da sociedade.
Nos dias atuais, cada vez mais a sociedade reconhece a importância de se
preservar a integridade de todos os animais que estão em convívio com os
seres humanos, bem como, de se exigir medidas que visem à ética e o respeito
aos animais. Nesse sentido, setores do agronegócio sequem essa tendência
de atenção ao bem-estar animal, conceito que vem progressivamente tomando
conta dos debates em todo o mercado do Agro. Logo a equideocultura e
especificamente o segmento dos esportes equestres tiveram ações evolutivas
com relação a suas leis e normativas específicas que, sem dúvida, trouxeram
um verdadeiro avanço do princípio jurídico, estabelecendo o direito de regular
as condutas do setor equestre de maneira razoavelmente previsível e estável,
deste modo propiciando a segurança jurídica. Porém, ainda assim, os
enfrentamentos judiciais com relação a questionamentos sobre o bem-estar
dos animais que participam das atividades é uma realidade latente deste
mercado.
E por que isso ocorre? Não se trata de algo simples de se esclarecer, mas, cabe aqui uma consideração relevante na tentativa de ampliarmos um pouco mais o tema.
E por que isso ocorre? Não se trata de algo simples de se esclarecer, mas,
cabe aqui uma consideração relevante na tentativa de ampliarmos um pouco
mais o tema.
No cenário atual que vivemos, criou-se uma barreira entre ideias, propósitos e
atitudes diferentes, dificultando que haja o mínimo de sensatez. Em outras
palavras, em todas as esferas da sociedade existem grupos favoráveis e
grupos radicalmente contrários aos esportes equestres. Com isso, as leis, que
possuem a função de controlar, regrar e legitimar, muitas vezes acabam por
ser contestadas e até mesmo desafiadas por grupos contrários, trazendo luz ao
tema para grande parte da sociedade que por sua vez buscam esclarecimentos
e atitudes positivas do setor. Pois, a obtenção de uma licença formal dos
órgãos governamentais e o atendimento aos requisitos regulatórios, não são
suficientes para os esportes equestres obterem e manterem uma chamada
Licença Social para Operar
O conceito Licença Social para Operar (LSO) vem ganhando espaço nas
publicações acadêmicas nas últimas duas décadas, e sendo amplamente
empregado por diferentes setores como a mineração, fabricação de papel e
celulose, geração de energias alternativas e na agropecuária. No setor
equestre pesquisadores australianos, da Central Queensland University,
interpretam esse cenário socioeconômico da seguinte maneira:
“O público questiona se os esportes deveriam estar acontecendo na sociedade
de hoje, se tiver apoio público suficiente, ou “licença”, para a operação, e se os
esportes continuarem, as organizações realmente atenderão ao bem-estar
requerido pelos cavalos?” (Ames, K & Thomas, M. 2018).
Em meio a esses fatores, e conjecturando uma perspectiva otimista e realista,
é possível acreditar que a sustentabilidade dos esportes equestres será sim
possível, desde que haja a busca pelo equilíbrio ético e econômico das ações e
que o controle técnico das condições adequadas para o desenvolvimento dos
esportes equestres sejam medidas fundamentais para garantir o bem-estar dos
animais e o sucesso da atividade. Ainda assim, para almejar a conservação
dos esportes, Confederações, Federações, Associações de Raça, Associações
de Modalidades e Organizadores de provas deverão assumir a
responsabilidade de dialogar com a sociedade e fornecer informações sérias e
de fontes técnicas através de ferramentas de boas práticas, possibilitando a
legitimidade da atividade, o consentimento da sociedade e confiança de todos.
Com tudo, os esportes equestres devem perdurar e evoluir, mas para isso o
bem-estar animal deverá estar em primeiro lugar e o esporte em segundo
lugar.
Referências:
AMES, K. & THOMAS, M. Sports horse welfare and social licence to operate Informing communication strategies. Equestrian cultures in transition Leeds Beckett University, UK 19 -21 June, 2018.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Agropecuário – 2006. Rio de Janeiro, 2006.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Agropecuário – 2017. Rio de Janeiro, 2017.
MAPA – MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. 2016. Revisão do Estudo do Complexo do Agronegócio Cavalo. Brasília, 2016.
UIPM – UNION INTERNATIONALE DE PENTATHLON MODERNE. 2021. Disponível em:
< https://www.uipmworld.org/news >. Acesso em: 25, nov. 2021.
Por: Orlando Filho, Médico Veterinário e Consultor em Equideocultura e Agronegócios – EquiAgro Consultoria @equiagroconsulroria / equiagro@hotmail.com
Fotos: Pixabay
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