Em tempos de crise: cavalo e política se misturam

Luciano Rodrigues traça um paralelo interessante sobre o momento atual do mundo. Confira!

Em meio a tantas questões geradas pela pandemia do Coronavírus (COVID-19), surge nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens instantâneas, discussões sobre o futuro da sociedade. Em tempos de crise: cavalo e política se misturam?

Duas são as principais divergências: de um lado o bem-estar social, de outro, o lado econômico. Contudo, sempre aparece alguém dizendo que “esse grupo é sobre cavalo ou é sobre política?” ou “deixemos a política de lado, nosso interesse é cavalo”. Dessa forma, estaria o mundo do cavalo fora do cenário político?

Por isso resolvi analisar alguns cavalos ‘políticos’.

Incitatus

Incitatus era o cavalo do imperador romano Calígula (37-41 d.C.). De acordo com o escritor Suetônio na obra ‘As vidas dos doze Césares’, Calígula desejou torna-lo cônsul do Império Romano, o cargo político mais alto.

Suetônio conta, que para que “ninguém perturbasse o sono do seu cavalo Incitatus na véspera dos jogos circenses, costumava, com seus soldados, impor silêncio à vizinhança.

Construiu para este cavalo uma estrebaria de mármore e deu-lhe uma manjedoura de marfim, arreios de púrpura e um colar de gemas. E mais ainda: uma casa, domésticos e mobiliário, a fim de que os convidados em seu nome fossem suntuosamente recebidos”.

Bucéfalo

Bucéfalo cavalo do imperador Alexandre, o Grande, rei da Macedônia. Na biografia de Plutarco, o autor escreve sobre a proeza de Alexandre e Bucéfalo. Filipe, pai de Alexandre, “derramou lágrimas de alegria e, quando Alexandre desmontou, o beijou, dizendo: ‘Meu filho, busque um reino igual a ti mesmo; a Macedônia não tem lugar para ti’”.

Alexandre e Bucéfalo conquistaram vários territórios, seguiram juntos até a morte do cavalo logo após a Batalha de Hidaspes (antes Índia, hoje Paquistão).

O autor conta que Bucéfalo morreu “de feridas para as quais ele estava sob tratamento, mas segundo Onesicrito, de velhice, tendo se tornado bastante esgotado; pois ele tinha trinta anos quando morreu”.

Dessa forma, sua morte afligiu Alexandre poderosamente, que sentiu que não havia perdido nada menos que um camarada e um amigo. O Rei construiu uma cidade em sua memória nas margens do Hydaspes e chamou Bucephalia (atual cidade de Jhelum, no Paquistão).

Em tempos de crise: cavalo e política se misturam
Luciano Rodrigues traça um paralelo interessante sobre o momento atual do mundo. Confira!
Jhelum, Paquistão – Foto: Divulgação/Google Maps

Seabiscuit

Seabiscuit foi um dos cavalos ícones nos Estados Unidos durante a Grande Depressão. Conforme o Canal PBS, os governos estaduais empobrecidos retornaram as corridas de cavalos. Era uma maneira de aumentar as receitas. Visto que as corridas estavam proibidas no início do século XX, por entenderem como prática ilegal, decorrente de escândalos de racismo.

Tornou-se uma lenda nas pistas. Seus fãs “lutando para sobreviver no dia-a-dia, podem ter se identificado com o cavalo por causa de seu status de perdedor. Sua postura não era real, seu corpo era bastante baixo.

Ele tinha uma marcha desajeitada e fora maltratado quando jovem. Corria e açoitava com muita frequência, tratamento que o transformara em um realizador e um perdedor constante.

Teve seu maior sucesso em uma idade relativamente avançada, outra razão para os fãs o abraçarem. O icônico cavalo também tinha o que muitos pensavam que seria um acidente de fim de carreira”.

Eventualmente, a corrida entre Seabiscuit e War Admiral represente um grande marco na luta política das classe sociais. Os escritores do Daily Racing Form apostaram em War Admiral para vencer e “95% de todos os outros jornalistas acreditavam que a aristocracia açoitaria o iniciante ocidental”.

O Public Broadcasting Service escreveu: “se um cavalo como Seabiscuit poderia triunfar sobre as piores dificuldades, muitos americanos devem ter se sentido assim como eles. ‘O país inteiro está dividido em dois campos’, observou o jornalista David Boone. ‘Se o assunto fosse adiado por mais uma semana, haveria uma guerra civil entre o almirante americano e o americano Seabiscuit’”.

Para Gene Smith, “esta é a história de todos os contos de fadas felizes que mamãe leu para nós quando estávamos no berçário. E para uma nação cheia de depressão, ansiosa e assustada, deve ter chegado como um grande nascer do sol”.

Cavalo de Troia

O famosa expressão popular ‘presente de Grego’ surge, portanto, do cavalo de madeira construído durante a Guerra de Troia. O conflito entre gregos e troianos, contado pelo poeta Homero em ‘Ilíada’ e em ‘Odisseia’, descreve a construção, pelos gregos, de um grande cavalo de madeira presenteado aos troianos como forma de rendição.

Durante a noite, enquanto os troianos comemoravam a vitória sobre os gregos, saíram de dentro do cavalo guerreiros gregos que dominam os sentinelas e abrem as portas da muralha de Troia para seu exército.

Não se sabe ao certo se o cavalo de Troia existiu ou se trata de uma lenda. Muitos historiadores, apontam para essa possibilidade, pois encontraram máquinas de guerras, como o aríete, com formato de animais.

Em tempos de crise: cavalo e política se misturam
Luciano Rodrigues traça um paralelo interessante sobre o momento atual do mundo. Confira!
Foto: Pixabay

Cavalos e a política: o que o Covid-19 nos apresenta

Obviamente que cavalo também é política, vide as resoluções, decretos e leis envolvendo as práticas e normas esportivas. Contudo, no atual momento, a crise pandêmica gera conflitos de pensamentos e ideais, inclusive no mundo dos cavalos.

Hanna Arendt fala que “a política trata da convivência entre diferentes”. O que emerge neste contexto são os lados, desde a Revolução Francesa, onde a sociedade coloca fim a um sistema absolutista, dando formas ao sistema democrático, ao Estado Moderno que temos hoje.

Colocando normas, regras, leis para a sociedade. Temos, então, o Estado como a grande ‘consciência’ da sociedade. Assim como Calígula, querendo a seu interesse nomear seu cavalo como cônsul, também temos pessoas que usam o Estado a seu interesse.

Lembra da história do Seabiscuit? Com a Grande Depressão, o Estado assumiu as rédeas, criando políticas de promoção social. Organizador da economia, surge o Estado de Bem-Estar Social. Porém, os interesses econômicos particulares são maiores, acabam assumindo o Estado e instaura um a nova forma de ver o Estado: liberalismo. Com discurso que o mercado regulariza a sociedade.

Isolamento x Volta ao Trabalho

Devemos nos isolar para evitar a crescente pandemia ou devemos voltar a trabalhar para evitar uma possível recessão econômica? Esta é a dúvida de toda a sociedade, assim como dos envolvidos com a agricultura e pecuária.

Porém, as questões não são essas. Obviamente que devemos pensar na vida do outro e seus riscos de contaminação e morte, que seja 1, 10 ou 7 mil mortes, devemos trabalhar sempre pela vida.

Questões econômicas podem ser resolvidas com um Estado fortalecido e preparado com políticas seguras. Crises econômicas sempre tivemos e sempre teremos, é assim que o capital sobrevive, o cavalo também sobreviverá. Entretanto, a vida não tem como recuperá-la.

Dinheiro não é tudo, pensemos como os cavalos: solidariedade em tempos de crise. E quando faltar dinheiro, comida, ao outro, ajudemos. Não somos a família do cavalo?

Referências

  • ARENDT, Hannah. O que é política?;
  • Ilíada. (www.ebooksbrasil.org);
  • Odisséia. (www.ebooksbrasil.org);
  • Public Broadcasting Service. Racing in thedepression (www.pbs.org);
  • Public Broadcasting Service. War Admiral (www.pbs.org);
  • The lifeof Alexander (penelope.uchicago.edu);
  • Suetônio. As vidas dos doze Césares: Julio César, Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Galba, Óton, Vitélio, Vespasiano, Tito, Domiciano

Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Cavaleiro e Pesquisador | 
Campeira Dom Herculano | lu_fr@yahoo.com.br
Crédito da foto de chamada: Divulgação/Pixabay

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