O conteúdo científico desse texto foi a base da construção do plantel de matrizes do Haras ST e explica porque damos tanta importância às mães do nosso plantel
Porque a mãe tem mais presença genética que o pai? A explicação disso pode parecer complicada, mas dá para simplificar fazendo comparações. A genética do cavalo (ou seu DNA) pode ser comparado ao seu ‘livro da vida’, onde está escrito tudo o que ele pode vir a ser.
Cada parágrafo desse livro podemos chamar de gen. Se o ‘livro da vida’ tivesse 100 páginas, cerca de 15 páginas (15%) seriam escritas só pela mãe. As outras 85 seriam divididas igualmente entre os pais (42,5%) para cada um. Assim, o pai entra com 42,5% dos gens e a mãe com 57,5%.
O porquê disso: O ÓVULO CONTÉM MAIS DNA DO QUE O ESPERMATOZOIDE. O óvulo tem o DNA mitocondrial, não encontrado no espermatozoide.
A foto mostra o milagre da vida: o momento exato da formação de um novo e único ser. Só um espermatozoide, entre os milhões que são produzidos, encontra-se com o óvulo e os dois misturam seu material genético (o DNA).
O espermatozoide é muito pequeno (parece um girino) e o óvulo uma ‘bola’ muito maior. Você pode ver o óvulo à direita da foto com a superfície parecendo uma carambola, porque ele contém a nutrição do embrião nos seus primeiros dias e muito mais coisa no seu interior, inclusive aquele DNA que não tem no espermatozoide: o chamado DNA mitocondrial.
A genética diz o que o cavalo pode ser e não obrigatoriamente o que será. É fácil entender: está escrito no seu livro da vida que ele pode ser alto, ter ossatura forte, ser muito musculoso etc. Mas se não for bem nutrido, principalmente quando potro, não será nada disso.
Um cavalo pode ter bom potencial genético, porém precisa ser bem conduzido. Pode estar escrito que tem gens para ser um ‘super’ campeão, mas precisará de bom treinamento. Esses fatores que acabamos de escrever são chamados ‘fatores ambientais’, que atuam no DNA. Por outro lado, se não tiver gens para altura, ossatura e músculos pode nutrir quanto quiser ‘que não vai ter’. Se não tiver a genética de um campeão o melhor dos treinadores de nada adiantará.
Há diferença na força de alguns gens quando comparamos diferentes famílias? Alguns gens, entretanto são muito fortes. O ambiente não consegue mudar. Por exemplo, a cor do cavalo não tem quem mude.
NA CIÊNCIA, ESSES GENS FORTES SÃO CHAMADOS PENETRANTES. Há famílias com gens muito penetrantes e outras menos para muitas características. O segredo é buscar famílias que tenham características dominantes (gens muito penetrantes para as qualidades que buscamos).
Todas as características morfológicas do QM, transmitidas geneticamente, permitem uma mecânica de tração posterior, grande impulsão e equilíbrio nas voltas rápidas – olha aí as viradas no Tambor!
BINGO! ESTÁ AÍ O SEGREDO DA SELEÇÃO GENÉTICA.
E esse modelo genético foi adotado pelo Haras ST? Desde sempre demos importância especial à seleção, especialmente de nossas matrizes. Na formação de nosso plantel de éguas buscamos as linhagens mais dominantes para as características de um bom cavalo de Tambor. O Haras ST selecionou rigorosamente a genética morfológica de suas matrizes!
Esse desenho de cavalo é bem conhecido de todos os quartistas. Mostra as proporções do modelo ideal da raça. Nos Estados Unidos dizem que foi baseado no Wimpy AQHA P1.
É notável que a linha da coluna lombar, a linha baixa, e os dois ângulos anterior e posterior formam um trapézio perfeito, permitindo que o centro de gravidade fique no meio, quando o cavaleiro está sentado em um lombo curto onde ‘mal cabe uma sela’.
O ‘joelho’, que na verdade é metacarpo, deve ser curto, ‘perto do chão’.
Quanto tempo leva para a seleção de um plantel? Se formos começar do zero estaremos falando em décadas: há, entretanto, no mercado linhagens muito bem selecionadas. O investimento pode ser alto, mas o criador pula algumas gerações. É importante escolher com critério.
O Haras ST começou a criar Quarto de Milha em 1974 e estamos na quarta geração de nossas matrizes. A base de nosso plantel foi feita pelas linhagens dos famosos chefes de raça Sugar Bar e Leo. Temos um pouco de outros sangues como: Doc Bar e King através do Poco Bueno.
King é considerado por alguns especialistas americanos como o garanhão mais importante na formação dos alicerces da raça. As linhagens citadas têm muitos gens com ótima penetrância (dominantes) para a morfologia que buscamos.
A partir dos anos 2000, demos um passo a mais: além da morfologia, passamos a exigir que nossas matrizes tivessem ótimo desempenho nas pistas ou fossem produtoras de atletas com grande desempenho.
Antes de tudo é preciso definir o que é ÓTIMO DESEMPENHO NAS PISTAS e saber que os conceitos variam com o tempo. Estamos falando que são necessárias décadas para mudar conceitos. Desde o início da ABQM, o Haras ST valoriza a pontuação oficial dos cavalos em prova. Até os anos 2000 valorizamos o Registro de Mérito em Trabalho (10 pontos) e o título de Cavalo Superior em Tambor (30 pontos). O aumento impressionante do número de provas e de cavalos por prova mexeu com as estatísticas.
A tabela acima mostra a evolução dos pontos obtidos pelos cavalos que correram as provas oficiais da ABQM, década por décadas, desde o início da pontuação oficial até 30 de junho de 2018. Note que na década atual os animais com RMT (10 pontos) chegam a 40% e os superiores (mais que 30 pontos) a quase 20%. Os animais que atingiram 100 pontos representam cerca de 5% do total.
*A tabela foi construída em porcentagem porque não há dados de todos os meses dos anos 80 e deste ano de 2018.
Em nossa seleção de matrizes consideramos que elas devem ter no mínimo 100 pontos pela ABQM ou ter produzido filhos que somem 100 pontos. Mais de 90% de nossas matrizes pontuadas pela nossa associação estão enquadradas nesse critério.
É claro que há exceções: um animal de genética e morfologia excelente que se machuca ou fica cego, por exemplo. Segundo os critérios do Haras ST, essas exceções não podem superar 10% do plantel.
É importantíssimo considerar que a evolução dos critérios não anula os anteriores. Genética e morfologia continuam a ser o alicerce do criatório, acrescentamos outros sem abandonar.
Desde sempre, o Haras ST deu importância especial à seleção de suas matrizes. Começamos a criar QM em 1974 e estamos na quarta geração dessas matrizes. Temos tetra avós com prefixo ST vivas e suas tetra netas estreando nas pistas prometem muito.
Que lição tiramos disso? Persistência! A criação de cavalos e seleção de planteis só é possível se houver paciência e persistência!
Nosso próximo assunto será: Critérios para a seleção de potros desde a doma. Esta seleção é um dos projetos mais inovadores e científicos já feitos no Quarto de Milha. Está em andamento há três anos e tem dois criatórios envolvidos: o Haras ST e o Haras Flamboyant. Esperamos que durem gerações, de cavalos e proprietários!
Por Dr. Márcio Tolentino
Médico Gastroenterologista, Criador de Cavalos Quarto de Milha há mais de 40 anos e estudioso na área de cruzamento
Fonte: Editora Passos