Muito se fala no Quarto de Milha sobre os ‘caras brancas’ e Luciano Rodrigues, a pedido dos leitores do portal Cavalus, fez uma pesquisa que te explica de onde surgiram os conceitos. Confira!
O ano era de 1940. Em Fort Worth, Texas, alguns fazendeiros se reuniram para estabelecer o livro genealógico e de registros da raça Quarto de Milha. Entre eles estavam os proprietários do Burnett Ranch e do 6666 Ranch.
Por longos anos, a criação do cavalo Quarto de Milha procurou adaptar-se às necessidades da época. A saber, velocidade, cow sense inato, inteligência e disposição voluntária. Bem como conformação simétrica, musculatura pesada, mandíbulas salientes e ‘orelhinhas de raposa’. De fato, até aí a discussão ia bem.
Contudo, um assunto se mostrou controverso naquela época, e permanece até os dias atuais: pelagem. Quais são aceitáveis e quais não são? Obviamente que em 1940 ainda não havia os estudos genéticos sobre pelagens. Então, a decisão foi baseada na questão cultural: o que era perceptível.
Dessa forma, basearam-se nos cruzamentos anteriores. Ou seja, nos garanhões e matrizes que já haviam cruzado até aquela época. Nesse sentido, decidiram: ‘todas as cores são aceitáveis, exceto aquelas comumente designadas como pintadas, pinto, appaloosa e albino.’
Pronto! Bastou para que as discussões de quem está dentro ou de quem está fora do registro do Quarto de Milha começassem.
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Por que foram excluídos do livro de registro?
Hoje percebemos que a exclusão dos pintados, pintos, appaloosas e albinos foi um erro da época. Já que a decisão não teve nenhum posicionamento científico, apenas dedução. A King Ranch, por exemplo, procurava fortificar a raça com animais de cores sólidas. Mas isso para evitar os problemas de saúde dos animais de pelagem branca no calor excessivo do sul do Texas.
Por outro lado, algumas decisões visaram conciliar os problemas morfológicos com a pelagem. Dizia-se: animais de casco branco são bons ou ruins; animais com o focinho branco são piores que os escuros; a cor do couro, etc.
Além destes fatores, existem as raízes genéticas do Quarto de Milha. Muitos destes criadores, até 1940, faziam o cruzamento com o Puro Sangue Inglês. Essa raça não apresentavam – em grande escala – a pelagem colorida. Logo, na visão deles, cavalos com cores sólidas eram melhores que os coloridos.
Os animais manchados no tribunal
Mas e os animais filhos de pais de pelagem sólida que nasciam com alguma mancha? Sim, isso é possível. Os pais são registrados no Quarto de Milha, porém, o filho não seria registrado por causa de uma questão de pelagem?
Foi isso que aconteceu. E muitos desses casos foram resolvidos nos tribunais dos Estados Unidos. É possível que no Brasil também, mas não é o objetivo dessa pesquisa entrar nesse mérito. Por enquanto.
Entre os casos que encontrei está o do animal Naturally High, filho de Mr. Jet Moore, de 1977. Quando acionada, a American Quarter Horse Association usa a regra de não intervenção. Ou seja, os tribunais norte-americanos não estão dispostos em interferir na gestão interna de uma instituição com associação voluntária. Esse caso, por exemplo, foi decidido em favor da AQHA após apelação.
Aliás, a AQHA saiu vitoriosa em quase todos os processos usando a regra de não intervenção. Em uma entrevista, Bill Brewer, então vice-presidente executivo da Associação, respondeu sobre um questionamento das vitórias dentro dos tribunais: “AQHA prevaleceu porque é uma organização que tem regras sob as quais todos concordam em operar quando se associam voluntariamente”.
Mudança nas regras do Quarto de Milha nos Estados Unidos
Todavia, a regra do não registro dos animais com mancha excessiva continuou. O que fortaleceu o surgimento de novas associações, como dos cavalos Appallosa e Paint Horse.
A ciência avança e os testes de DNA comprovavam que filhos de cavalos Quarto de Milha são Quarto de Milha. Inclusive os manchados. Em 2004, durante a Convenção da AQHA, os diretores aboliram a regra, passando a ser descrita da seguinte forma:
- Os criadores devem estar cientes de que a American Quarter Horse, embora por muito tempo reconhecido, identificado e promovido como um cavalo de cor sólida, pode e ocasionalmente produz descendentes com características de pintura excessiva. Essas marcas não são características da raça e são consideradas indesejáveis. A seguinte notificação deve ser colocada nos certificados de registro de cavalos que excedam essas limitações de marcação: ‘Este cavalo tem marcações brancas designadas pelas regras da AQHA como uma característica indesejável e não característica da raça.’
A pelagem para a genética
Em 2007 foi publicado o primeiro trabalho sobre o sequenciamento genético dos equinos. A saber, uma pesquisa com custo de 15 milhões de dólares, financiada pelo National Human Genome Research Institute.
O sequenciamento genético fornece aos cientistas uma visão ampla do genoma da variabilidade genética em cavalos. Ajuda, sobretudo, a identificar as contribuições genéticas para diferenças físicas e comportamentais. Assim como para doenças suscetibilidade.
Kathryn Graves é diretora do Laboratório de Pesquisa e Teste de Genética Animal do Reino Unido. De tal forma que em suas pesquisas genéticas afirma que os cavalos têm três cores básicas da pelagem: vermelho (ou castanho), louro e preto. Todos controlados pela interação de dois genes.
Todas as outras cores e padrões da pelagem equina derivam dessas cores básicas. De fato, o cavalo manchado ou com marcas excessivas de branco ou com o branco dominante estão no mesmo limiar de um cremelo, palomino, buckskin, rosilho, entre outros.
Porém, alerta a pesquisadora, muitos cavalos brancos ou manchados de branco têm olhos azuis. Esse padrão de cor é causado por múltiplas mutações nos genes MITF ou PAX3. E deixam os cavalos sob risco de vários tipos de problemas de saúde, incluindo surdez. Em alguns casos, sendo eles homozigotos, são letais. Por isso um breve estudo das linhagens antes do cruzamento deve ser feito pelos criadores e veterinários.
Outra pesquisa realizada em parceria com cientistas da Suíça, Austrália, Estados Unidos, Alemanha, Islândia e Japão estudou mutações por trás do ‘splashed branco’. Mutações semelhantes em humanos causam a síndrome de Waardenburg ou Tietz, ambas caracterizadas por defeitos de pigmentação e uma tendência à surdez.
Atenção nos cruzamentos
Os resultados foram relevantes para os criadores do Quarto de Milha e Paint Horse. As mutações MITF surgiram, pelo menos, há centenas de anos. São relativamente comuns e ocorrem em várias raças de cavalos modernas. Cavalos homozigotos para este alelo são viáveis. Normalmente têm um fenótipo de despigmentação mais pronunciado do que cavalos heterozigotos.
Para alguns alelos do MITF, o acasalamento entre animais provavelmente resultará em fenótipos clínicos graves, como a microftalmia no estado homozigoto. Já as mutações PAX3 têm apenas 24 anos. Ocorrem exclusivamente em cavalos Quarto de Milha e Paint Horse. Nessas mutações não foram encontradas animais homozigotos, pois é provável a letalidade durante a fase embrionário ou fetal.
Desse modo, não é recomendado o acasalamento de animais heterozigotos para evitar a produção acidental de um embrião homozigoto para este alelo. Em 2010, os pesquisadores analisaram um garanhão, de pelagem macchiato. Realizaram um detalhado exame clínico e espermatológico, que revelou que o animal de dois anos era surdo e tinha baixa motilidade progressiva dos espermatozoides.
Síndrome letal do potro branco
A Síndrome Letal do Potro Branco afeta principalmente o Paint Horse. Mas pesquisas informam que outras raças podem ser acometidas. É causada por anormalidades graves do trato intestinal, que causam um colapso não funcional.
Os cavalos afetados também têm uma aparência característica causada pela ausência de melanócitos, células produtoras de pigmentos no cabelo e na pele. Algo que resulta em uma pelagem totalmente branca, ou quase totalmente branca, com pele rosada e olhos azuis. Alguns potros também podem ser surdos.
Ao nascer, os potros parecem normais. O problema inicia pela falta de suprimento nervoso para o sistema intestinal. Os animais afetados são incapazes de mover o material ingerido através do trato intestinal e não sendo capazes de defecar.
Os principais sintomas são de dor abdominal extrema (cólica), que começam a aparecer dentro de 12 horas após o nascimento. Os animais mostram sinais de angústia, incluindo sudorese, respiração rápida, espancamento violento e rolar o corpo. Todos os animais afetados morrem nos primeiros dias devido à ruptura do intestino e infecção bacteriana resultante.
O número de equinos afetados pela síndrome, para portadores heterozigotos (esses animais não são afetados, mas têm o potencial de produzir descendentes afetados) foi de 10,7% em 180 cavalos Paint Horse.
Em certas pelagens com excessivas cores, houve uma incidência muito alta (>95%) de portadores heterozigotos (padrões de revestimento overo). Os acasalamentos entre dois cavalos portadores terão uma chance de um em quatro de produzir uma prole afetada.
A moda dos cavalos com excesso de manchas no Quarto de Milha
As modas vem e vão. Foi o caso do alazão, do palomino e baio, e agora chegou a vez dos ‘caras brancas’ e manchados. Não há mal nenhum nisso. De fato, essa pesquisa não apresentou relação entre as manchas e a qualidade (inferior ou superior) nos esportes. Têm-se algumas qualidades, porém, são rebatidos por outras irregularidades, como em qualquer outra pelagem. Bons em alguma coisa e ruins em outras.
Contudo, devemos nos atentar nos cruzamentos a serem feitos entres esses animais, a fim de evitar más formações e problemas de saúde. Kathryn Graves menciona as múltiplas anormalidades que possa surgir, causando a morte do animal.
Esta atenção cabe aos criadores, pensando no futuro da raça e não apenas o lado comercial. Em resumo, se um animal é totalmente branco, que seja registrado assim, nenhum mal nisso. Problema está no registro do animal como sendo castanho com manchas excessivas de branco.
Enfim, este problema já foi resolvido pela ABQM em seu novo regulamento, aprovado pelo MAPA em 23 de julho de 2020. Nenhum problema quanto ao registro de animais manchados ou totalmente brancos. As discussões de saudosistas e a nova geração persistirão. Resta agora acertar algumas arestas com as associações de criadores do Appallosa e Paint Horse, como já foi feito pela AQHA.
REFERÊNCIAS
- American Quarter Horse Association. Official hand book of rules and regulations 2020. 68 ed. Amarillo/TX: AQHA, 2020a.
- American Quarter Horse Association. Quarter Horse color and markings chart. Amarillo/TX: AQHA, 2020b.
- BUCKLAND, Emma; BRODBELT, David; O’NEILL, Dan. Genetic Welfare Problems of Companion Animals. Disponível em: https://www.ufaw.org.uk/horses/american-paint-horse—overo-lethal-white-foal-syndrome. Acessado em: 23 set 2020.
- CHAMBERLAIN, Richard. (2004). The White rule. Disponível em: https://thehorse.com/16342/the-white-rule. Acessado em: 22 set 2020.
- HAUSWIRTH, Regula; et el. Mutations in MITF and PAX3 Cause “Splashed White” andOther White SpottingPhenotypes in Horses. PLoSGenet, v. 8, n. 4, 2012.
- KURTZ, Glory Ann. AQHA rejects settlement of feron multiple embryo law suit. QuarterHorse News, 15 out. 2000.
- LARSON, Erica. (2013). Equinecoatcolor genetics 101. Disponível em: https://thehorse.com/115689/equine-coat-color-genetics-101. Acessado em: 22 set 2020.
Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Cavaleiro e Pesquisador | Campeira Dom Herculano | lu_fr@yahoo.com.br
Crédito da foto de chamada: Equine World UK
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