Sobre assistentes de treinadores e oportunidades

Karoline Rodrigues fala sobre essa realidade com muito potencial, porém ainda pouco explorada por proprietários

Esse é um assunto sobre o qual sempre converso com todos que posso. E, há algum tempo, queria deixar registrado em texto. Eis que testemunhei uma cena no Potro do Futuro da ANCR, em agosto, que foi o empurrão que eu precisava para enfim escrever.

Meu pai [Nelson Rodrigues] estava aquecendo para a primeira classificatória do Potro do Futuro Aberta. E eu e o Pedro [Ribaldo] estávamos agachados na beira da cerca assistindo. Logo chegou o Marcelo Almeida e se acomodou do nosso lado. Marcelo estava ajudando meu pai com os potros naquele evento, acompanhando os treinos e provas, dando dicas, ensinando.

Pouco antes, ele estava na pista principal acompanhando a prova do Douglas Novetti Oliveira (foto), seu assistente. Que tinha acabado de marcar uma nota muito boa e garantido sua classificação na final. Douglas também veio para o aquecimento montado para checar algumas manobras depois da prova e esfriar o cavalo.

Quando terminou, Douglas desceu do cavalo, veio puxando-o na direção do Marcelo que estava agachado do nosso lado, se abaixou, deu um abraço e um beijo no rosto do Marcelo e disse muito emocionado: ‘obrigado!’. Se seu olho ficou marejado, tudo bem. Na hora o meu também ficou. Disfarcei olhando para o outro lado para não chorar mais.

O cavalo que o Douglas apresentou, um baio amarilho filho do Reminic N Dun It, foi reservado campeão e ganhou o carro no Futurity Haras Dan em junho, com o Marcelo. Olha o tanto de responsabilidade e de questões sensíveis envolvendo isso. Dilemas não faltam na vida de um treinador, não é?

Abrir mão de um cavalo que já mostrou que era bom, confiável e competitivo para dar lugar para outros; passar o cavalo para o assistente que, ainda que seja sua cópia, tem menos experiência; o peso no ombro do assistente de andar bem com um cavalo comprovado, e por aí vai…

Fato é que foi um plano que deu certo. Marcelo foi finalista com dois animais, ganhou o ANCR Potro do Futuro Aberta N4 como um e foi quinto com o outro. Douglas ganhou a Aberta N2 e foi reservado no N3. A proprietária do cavalo, Bruna Brogiato Pinheiro, apoiou a decisão de Marcelo e certamente não se arrependeu.

“Posso dizer que foi uma das minhas maiores satisfações… ver um cavalo meu ganhando com uma grande promessa na Rédeas!”. E esse sucesso tem fundamento em uma série de detalhes construídos ao longo do tempo.

Primeiro, um assistente dedicado, que sabe o que quer e onde quer chegar. Que se esforça de corpo e alma para o ofício que escolheu. Que conhece cada movimento e olhar do seu mentor, que não se importa com as muitas horas de trabalho nem com as poucas horas de sono nas provas. Que há muitos anos é fiel ao seu professor. E claro, um pouco de dom e talento ajudam imensamente, desde que combinado com essas outras características.

Segundo, um profissional com muitos anos de experiência, que conhece cavalo e cavaleiro, que sabe o potencial de cada um separadamente e o que podem realizar juntos. Que entende a importância de dar oportunidade ao seu braço direito, de cultivar e retribuir a fidelidade de quem o ajuda, e também torce para que ele possa progredir na sua carreira.

Vamos aos fatos. Uma pessoa sozinha, na melhor das hipóteses, monta 10-12 cavalos por dia, dentro de um horário razoável de trabalho (7h-18h). Isso sem sair da pista, sem selar ou dar banho. Meu pai monta mais ou menos isso num dia produtivo, quando nenhum cavalo dá trabalho e ele não precisa cuidar de outro assunto relacionado ao rancho.

Agora imagine um centro de treinamento com 25 cavalos, uma situação razoável de se imaginar (não estamos falando de Casey Deary que tem cerca de 70 animais em treinamento). Óbvio, uma pessoa sozinha só vai montar metade disso. E o resto? Num cenário ideal, o(s) assistente(s) monta(m).

Mais óbvio ainda, é que o treinador só pode apresentar quatro animais numa mesma categoria nos eventos oficiais da ANCR. Ou até seis na ABQM, desde que três sejam castrados. E o resto? Num cenário ideal, o(s) assistente(s) apresenta(m). #SQN! Não, na maioria das vezes os assistentes não apresentam!

Por algum motivo, os assistentes não têm tantas oportunidades de apresentar. Em minha opinião, acredito que na maioria dos casos por resistência do proprietário. E em outros casos por resistência do próprio treinador.

Da perspectiva do proprietário, ele crê que se ele paga o treinamento, o treinador tem a obrigação de apresentar. E se ele não apresentar, o dono prefere tirar o cavalo do que pagar a inscrição para o assistente. Como isso fosse algum tipo de ‘vergonha’. E o valor do treinamento e da inscrição é o mesmo, independente de quem vai treinar ou apresentar.

O proprietário muitas vezes não entende/ ou não é orientado/ ou não quer aceitar que seu cavalo não é competitivo no N4. Mas pode ser nas divisões menores e ganhar tanto dinheiro quanto competindo nesses níveis. E por falar em divisões menores, está aí o Douglas de novo para mostrar isso, passando agora do N2 para o N4 com os ganhos acumulados nesse ano hípico.

Claro que não é só bolso, muitas situações envolvem ego. Do proprietário que não admite pagar treinamento para ver seu cavalo em pista com o ‘assistente’. E também o do treinador, que se recusa a dar oportunidade à pessoa que dá tudo para estar do seu lado aprendendo para ser um profissional melhor.

Não que façam isso para prejudicar o assistente, mas muitas vezes por negligência e insensibilidade com relação aos anseios (e merecimento) deles. E claro, também vemos muitas pessoas que mal começaram e já querem ‘sentar na janelinha’. Não estamos falando dessas pessoas.

E aí dou um passo além na reflexão. A indústria do cavalo no Brasil já tem inúmeros obstáculos, como (1) práticas pouco profissionais e transparentes no meio (vide o medo que as pessoas têm de contratos); (2) mão de obra cada vez menos qualificada e disposta a fazer o que é preciso, pouco comprometimento e dedicação; (3) altos custos de manutenção, o que significa que é caro para quem paga e irrisório para quem recebe; (4) como se não bastasse tudo isso, ainda vivemos um momento de perseguição em que é errado laçar boi, é errado montar o cavalo, é errado comer carne, tudo se resume em ‘maus-tratos’.

Seguimos na contramão do sucesso em diversos aspectos da prática do mundo do cavalo, especialmente com relação aos Estados Unidos. E, especialmente com relação a assistentes e oportunidades (para quem acompanhou as provas de Tulsa). Não é à toa que vivemos sempre com uma pontinha de lombriga de estar lá.

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O que pode ser feito hoje, de imediato, é dar oportunidade para os assistentes. ‘Educar’ no sentido de instruir e orientar os proprietários e investidores. Os benefícios são inúmeros, como o fomento de categorias de base, exposição de cavalos que mesmo não ganhando no N4 estarão acumulando ganhos no ranking.

E ainda aquecimento do comércio desses animais, mais competidores e profissionais no mercado, mais inscrições, mais divulgação. Dividir para multiplicar. Como disse a Bruna: “É preciso dar mais oportunidades aos novos talentos que estão por vir e como eu ,comemorar!”

E que possamos todos testemunhar mais Douglas, Marcelos e Brunas em todas as provas!

Por Karoline Rodrigues
Plusoneandahalf
Foto: Adilson Silva/Foto Perigo

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