A história de fé e perseverança do paraense que ganhou o primeiro carro da carreira em Palmital
O campeão da etapa do Circuito Rancho Primavera em Palmital/SP, ganhou um carro ‘zero’ km, o primeiro da carreira. Uma história de garra e devoção de Hudson Fernandes. Quando foi confirmado depois da revisão no telão, que ele, de Novo Progresso/PA, ia ser avaliado, esmurrou o chão várias vezes. Parecia uma comemoração simples de quem iria ter uma nota importante, em um rodeio importante.
Não era só isso. É preciso voltar no tempo para entender, voltar a 2015. Antes mesmo de eu apresentar um pouco da história de vida de Hudson, ele conta uma profecia própria, de como ele conseguiria o seu primeiro automóvel. “Em 2015, eu tive a oportunidade financeira de comprar um carro, mas desisti. Não tinha nem carta e falei para uns amigos meus que meu primeiro carro ia ser ganho no rodeio, montando em touros”.
Alguns amigos ficaram bravos, outros riram, e outro falaram que Hudson estava doido. “Duvidaram, mas eu firmei aquilo como um compromisso de vida, acreditei, e agora aconteceu, quatro anos depois”. Filho de peão de fazenda, criado no interior do Pará, longe dos grandes centros de rodeio, desde os onze anos de idade ele já se arriscava em cima de bezerros.
Como manda a ‘regra’, escondido dos pais, por muito tempo, ele teve que fazer isso. Demorou dez anos para Hudson estrear no rodeio. Quando estava com 21 anos foi a cidade de Itaituba, no Pará, e fez seu primeiro evento profissional. “Nessa época já vivia por minha conta, não morava com meus pais. Terminei esse rodeio em sétimo lugar”. E antes de ir para São Paulo, ganhou cinco motos, montando nos estados do Pará, Mato Grosso, Tocantins, Minas Gerais e Amazonas.
Hudson vivia metade do ano montando em touros e a outra metade no estradão, tocando gado, como peão. Seu momento de preparação e de complemento de renda. “Nas estradas eu aproveitava para me preparar, montar em burros no pelo, para melhorar a força nas pernas e era também um momento para sonhar em ser alguém nacionalmente reconhecido. Muitas vezes a gente acha que não vai chegar, mas sempre tive uma fé muito grande”, relembra.
Um caminho difícil e abençoado
Hudson Fernandes conseguiu a fama e o reconhecimento que queria dentro de sua região, no seu estado. Certo dia, estava em uma ‘compra de boi’, local de comercialização de animais, e o proprietário e amigo Sebastião Rodrigues dos Santos, de Nova Progresso, lhe fez uma pergunta em forma de mudança de vida profissional. “Ele disse que eu tinha que da nossa região, que precisava ir para São Paulo”.
Essas palavras deram um verdadeiro nó na cabeça de Hudson. Como ir para São Paulo, onde morar, como arrumar vaga nos rodeios se ninguém o conhecia. Foi aí que entrou uma verdadeira maratona de providência e fé. Não sei o seu grau de religiosidade, mas não precisa ser cristão para entender que Deus esteve protegendo Hudson em todo o trajeto.
Sebastião Rodrigues fez contato com Paulo Adalberto, pessoa que levou Hudson até Milton Célio Rosa, ex-competidor em touros, que ajudou Hudson a pagar a inscrição do Radar. Gostaria que a história fosse curta assim, mas antes de Hudson decidir ir para São Paulo muitas coisas aconteceram.
Depois que o amigo falou da mudança de vida, Hudson saiu confuso, mas ao mesmo tempo com vontade de largar tudo e encarar. Outro amigo veio com a mesma conversa, que não era o lugar mais dele ali, que essa fase da vida dele tinha que acabar, que ele teria que procurar novos rumos. Depois da segunda pessoa falar com ele sobre isso, resolveu aceitar e executar a ideia.
Esse fato ocorreu em outubro de 2018 e a primeira dificuldade era dinheiro para chegar até São Paulo. Pegou animais para domar e colocou outros animais próprios à venda. Continuou a vida com esse planejamento, tocando tudo normal, até que um dia ao ir treinar, viu uma pessoa que não andava por aquelas bandas. “Era o Dr. Marcio Augusto, de Juriti/PA. Ele tem família em Novo Progresso, foi passear e nunca tinha visto rodeio, quanto ele soube do treino, apareceu’.
“O meu plano de ir para São Paulo já era público, todos sabiam, e surgiu a conversa nesse treino. O Dr. Marcio ouviu e me perguntou como é que eu ia fazer. Respondi que o plano era ir de ônibus e fui surpreendido por uma proposta dele. Ele me disse que eu ia avião, que ele ia comprar uma passagem para mim”, lembra o atleta. Hudson ficou feliz, mas ao mesmo tempo desconfiado. Mas o médico até então desconhecido cumpriu sua promessa.
Com a passagem garantida e a data de partida chegando, na sequência Hudson recebeu a ligação de Paulo Adalberto, dizendo que ia leva-lo até Milton Célio Rosa. Tudo aparentemente ia bem, mas só aparentemente, pois as primeiras provações e desacertos começaram a acontecer. Ainda precisava de dinheiro para outras despesas, não conseguiu vender os animais e acabou não recebendo pela doma dos burros que tinha feito.
Só restou pegar um empréstimo, pois o vôo ia sair de Sinop/MT, a 700 km de sua casa, e ele tinha que estar presente. Depois de fazer a viagem até o aeroporto, do dinheiro que tinha pego no empréstimo, restaram apenas R$ 50,00 na carteira. “Você vem com esperança, com vontade, mas sabendo que tudo podia dar certo ou errado. Eu acreditava mais no certo, porém, não podia esquecer que poderia dar errado. De qualquer forma, tinha comigo, na minha fé, que eu iria conseguir”.
E assim, sem dinheiro na carteira, mas com o coração cheio de sonhos, Hudson chegou a São Paulo. Paulo Adalberto o levou até Milton Célio Rosa, como prometido, em Paulo de Faria/SP. Juntos conseguiram uma vaga para ele no Radar de Guapirama/PR e pagaram sua inscrição. “Eu não sei como explicar, tanta gente que me ajudou, dando carona, pouso, comida, muitas pessoas me ajudaram. Montei logo em Aktron, que era da 3B. Depois consegui a vaga para Arandu/SP, onde terminei a etapa em sexto lugar. Depois fui sexto também em Pracinha/SP”.
Mesmo chegando e marcando pontos, o dinheiro ganho por Hudson nas finais ainda era pouco. Ele foi abraçado por muitos competidores, entre eles Leonardo do Santos, de Tabapuã/SP, o primeiro companheiro de viagem. Em Barbosa/SP, Hudson não foi para a final, mas marcou uma das melhores noites, empatado com Keny Roger. Na ocasião, eu, Eugênio José, estava cobrindo o evento.
Tirei a foto dos dois, mas por causa da chuva, que molhava meus equipamentos, decidi abortar a entrevista. Eram dois e ia demorar. Quando cheguei no hotel vi que era Hudson na foto, pois sua história já era conhecida. Fiquei chateado, mas hoje entendo também que não era para ter feito a matéria naquela oportunidade.
Em conversa com Keny, Hudson falou que precisava treinar mais, e o já amigo o convidou para ir morar com ele, e dessa forma poderia montar em boi toda hora. Hudson passou a morar e a viajar com Keny para os rodeios. E assim foi até chegar a Palmital, ganhar o carro ‘zero’ e confirmar sua própria profecia, que contei lá no começo do texto.
“Não caiu a ficha ainda do que aconteceu. Acredito que vai demorar, mas estou feliz por ter ganho o primeiro carro da minha carreira. Agora vou poder montar com mais tranquilidade, pensando só nos touros, não nas contas que a pagar, no dinheiro que peguei emprestado. Vou vender o carro, preciso pagar quem acreditou em mim, investiu em mim. Também preciso tirar a carta que eu ainda não tenho. Espero continuar fazendo um grande trabalho dentro do Circuito Rancho Primavera”.
“Sempre entreguei tudo nas mãos de Deus, sempre acreditei”, confirma o atleta de 29 anos. “Naquele dia em que dava murro no chão, era sim uma comemoração, mas um alívio também, pois deu tudo certo. Só que viver essa incerteza, essa falta de dinheiro, essa dúvida de que se vai dar certo ou não, consome a gente. Então, estava apenas tirando um peso de minhas costas naquele momento”.
“Quero agradecer a Deus por tudo e a todas as pessoas que fizeram parte desta história, todos que me ajudaram, ao CRP que me recebeu de braços abertos, que Deus abençoe a todos”, finalizou Hudson, que ocupa hoje a décima primeira posição no ranking geral do Campeonato.
Colaboração: Eugênio José
Fotos: Ricardo Mariotto