Termorregulação e Resfriamento Agressivo

O desempenho eficiente dos cavalos no clima brasileiro é um desafio muito maior do que nos damos conta

No desempenho prolongado de cavalos de esporte, a termorregulação é o nosso maior desafio. Quanto mais quentes e úmidas forem as condições ambientais, mais dificultada fica a evaporação. Quanto maior for um corpo, menos eficiente será a troca de calor com o meio ambiente. Pois a superfície aumenta ao quadrado enquanto o volume aumenta ao cubo.

O aumento da frequência respiratória nos cavalos que estão submetidos ao esforço físico – o ‘bater das narinas’ -, que muitas pessoas percebem como falta de fôlego é na verdade um mecanismo de tentativa de termorregulação do animal. Ou seja, uma tentativa de resfriamento pelos capilares pulmonares.

Por conta disto tudo, o desempenho eficiente dos cavalos no clima brasileiro é um desafio muito maior do que nos damos conta. Existe até mesmo um índice da Federação Equestre Internacional, que adiciona umidade relativa do ar (= URA) e temperatura ambiente em graus Fahrenheit, preconizando que a soma:

  • Abaixo de 130 = OK
  • Até 150 = OK (para animais treinados e não obesos)
  • Acima de 150, sudorese comprometida (termorregulação), especialmente se a URA corresponder a 50% ou mais do total.
  • Acima de 180 (troca de calor comprometida) a FEI restringe a realização do evento.

Ora, 30° C equivale a 86° F, e umidade a 85% não é nada raro para nós. Portanto, 85 + 86 = 171, o que significa que num dia típico de verão do nosso litoral, se depender da aprovação da FEI, dificilmente poderá ser sediado um enduro ou um CCE.

Resfriamento

Sabendo que as Olimpíadas de Atlanta em 1996 seriam realizadas em clima quente e úmido, desde 1994 a FEI realizou pesquisas e testes de campo para otimizar a termorregulação dos cavalos.  Assim, desde 1995 são recomendadas estratégias de resfriamento agressivo nos intervalos das fases de CCE – que existiram até o ano 2000 – e entre os anéis das provas de Enduro.

Essas técnicas consistem em resfriar os cavalos com banhos repetidos a zero grau (água com gelo), durante alguns minutos a fio, até obter o retorno dos parâmetros fisiológicos (frequência cardíaca e frequência respiratória, ou FC e FR).

Este método contou com muita resistência no início, especialmente nos países frios, mas foi sendo confirmado como a estratégia mais eficiente para a normalização dos parâmetros vitais dos animais, especialmente em situações de alto risco.

É surpreendente como os velhos mitos persistem, tais como aqueles que dizem que lavar as grandes massas musculares, quando estão quentes, com água fria causa miosite.

Até hoje, quando o resfriamento agressivo já é obrigatório nas grandes competições internacionais, há gente que condena o uso em situações cotidianas. No entanto, pesquisas apontam que os cavalos que apresentam miosite após os banhos gelados de qualquer maneira já estavam propenso a desenvolver a mesma.

A morte fulminante de cavalos em pleno galope, por ruptura de aorta ou similar, é bem conhecida em cavalos atletas, e não tem relação com a água fria.

Considerações

Na minha experiência profissional, tanto em treinamento como em clínica, não tenho nenhuma hesitação em usar a água gelada. Digo isso em todos os nossos cavalos, velhos e jovens. E, antes de mais nada, em todos os níveis de condicionamento físico, tanto no CCE quanto no Enduro.

Nos treinos, nos limitamos à água fria. Nas provas, compramos sacos e sacos de gelo. Adotamos o banho frio no desempenho para os cavalos de escola e sujeitos a longa jornada de trabalho a quarenta graus, seja nos treinos, ou nas provas.

Já fui responsável pela realização do primeiro Enduro em Manaus (índice em torno de 180), com a maioria dos cavalos pouco condicionados. E graças ao trabalho entusiasmados dos meus auxiliares e de muita água gelada, todos os cavalos se recuperaram bem.

É minha convicção absoluta que a água gelada só faz bem. E que a maioria dos cavalos até gosta. Similar ao efeito do banho gelado após a sauna, acredito. Nunca tive problemas.

E reitero que quando os há, as causas inerentes seriam miosite já em progresso (metabolicamente falando), condicionamento (plano de treinamento) deficiente ou deficiência cardiovascular pré-existente.

Por outro lado, claro que banho frio não pode ser substituído por um bom condicionamento físico. Área em que observo grandes deficiências, tanto nas modalidades anaeróbicas ou mistas (explosão) quanto nas aeróbicas (de resistência).

Ingestão de água ao longo do trabalho?

Os cavalos em esforço físico aeróbico constante de baixa intensidade (por exemplo, passeios ou trabalho de campo) podem e devem tomar toda a água que quiserem – não gelada, é lógico.

Temos como parâmetro que o risco de desidratação e/ou de cólica por impactação é muito maior que aquele do eventual excesso de água.

Contudo se o cavalo está em limiar anaeróbico (dependendo do nível de condicionamento, a sua F.C. estaria em torno de 120 – 150). Ou em flutter/valores de inversão, não deve beber água à vontade, esperando-se até a F.C. baixar a níveis aceitáveis.

Se o cavalo aparentar clinicamente normal, pode tomar alguns goles em intervalos de minutos, sendo mantido puxado a passo neste intervalo. Por exemplo, a cada cinco goles deve caminhar durante três minutos, e assim por diante.

Variáveis

Tudo isso depende das variáveis como T.A.U.R.A. e o nível de condicionamento, e também do que foi feito e o que ainda será realizado com o cavalo neste mesmo dia, parâmetros fisiológicos em geral, etc.

E também do tipo de solo (fundo e pesado ou duro) e da topografia do terreno. É o conhecimento e a análise rápida destes fatores, e as atitudes que são tomadas, que dão trabalho aos profissionais do cavalo!

Se tudo isso fosse resolvível apenas por tabelas e macetes, não haveria necessidade de contarmos com profissionais especializados.

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O cavalo jamais deve ingerir alimento enquanto se encontra em F.C. anaeróbica. Em F.C. aeróbica, pode mordiscar pasto sem problema nenhum.

Já concentrado (ração) pode ser fornecido apenas quando o cavalo estiver em  F.C. nos níveis de repouso ou próxima aos mesmos, sem elevações súbitas da mesma durante o pós-exercício.

Isto é um sinal de fadiga excessiva, portanto alerta amarelo para miosite, cólicas, laminite, entre outros.

Um intervalo seguro para fornecimento de concentrado após o fim do trabalho são três a quatro horas após o fim de esforço longo de média duração (ex. enduro ou concurso completo), e de uma hora após uma sessão regular de treinamento cotidiano.

Por Claudia Leschonski, MV
Fonte: Editora Passos
Fotos: thehorse

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