Uma breve história da evolução do ser equino

Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, passeia nesse texto sobre a ontologia do cavalo, ou seja, sua trajetória

Há 60 milhões de anos, na época Eocena, período Paleogeno, havia um animal chamado de Hyracotherium (figura 1), com aproximados 30 centímetros de altura. O precursor do equino se alimentava de frutas e folhas, eventualmente.

Vivia principalmente em pântanos e nas florestas. Todavia, também pode ser chamado de Eohippus – ‘cavalo do amanhecer’. Porquanto, o que diferencia esses do equino atual são os dedos em suas mãos e patas.

Os ancestrais do equino tinham quatro dedos nos membros anteriores e três dedos nos posteriores.  De fato, os dedos sumiram em milhões de anos para surgir os cascos como meio seletivo para os galopes em defesa de predadores.

Foram encontrados fósseis do Eohippus na Europa e na América do Norte. Dessa maneira, houve um tempo em que vários animais habitaram as Américas. Entre eles mamutes e tigres dentes de sabre foram extintos. Alguns historiadores irão dizer que a causa foi a intempérie climática.

No entanto, foram os próprios humanos que dizimaram os animais na procura por alimento. Esta é a razão das Américas só voltarem a ter cavalos com a chegada dos colonizadores. Como resultado da colonização de Cristóvão Colombo em 1493, com cavalos ibéricos (Andaluz e Lusitano).

Antes de tudo, essas raças se dissiparam nas diversas regiões dando origens raças de cavalo Crioulo (América do Sul) e aos Mustangues (América do Norte), por exemplo.

Os novos hábitos alimentares, com o consumo de gramíneas, provocaram uma evolução na arcada dentária da espécie que origina os equinos.

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Figura 1 – Hyracotheriu

Evolução

Em seguida, há 50 milhões de anos apareceram os Orohippus (figura 2), muito parecidos com os Eohippus. Contudo, dois milhões de anos foram necessários para que os dentes pré-molares tornassem um molar nos Orohippus. Permitindo, assim, que se alimentassem de vegetais mais duros.

Do desenvolvimento dos Orohippus surgiu os Epihippus. Mantendo, portanto, as mesmas características físicas, entretanto mais evoluídos na dentição. Passaram a ter os dois últimos pré-molares com a função de molares. Dessa forma, apresentando cinco dentes moedores.

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Figura 2 – Orohippus

Na transição da época do Eoceno para o Oligoceno, cerca de 36 milhões de anos atrás, surgiram os Mesohippus. Ao mesmo tempo com características muito semelhantes ao equino atual. Embora ainda não se trate da espécie Equus.

Todavia, os Mesohippus saíram das florestas e começaram a habitar campos abertos. Sendo necessárias as fugas em velocidade de predadores. Com efeito, tiveram transformados os dedos, com três dedos nos posteriores e nos anteriores. O quarto dedo tornou-se uma unha vestigial que iria desaparecer.

Além disso, apresentaram uma estrutura física maior em comprimento, média de 50 centímetros de altura. A dentição passou a ter os últimos três pré-molares semelhantes aos molares. Formando dessa forma um conjunto de seis dentes de moer.

Simultaneamente, apareceram os Miohippus. Sobretudo, quase despercebidos pela ciência. Dos poucos fósseis encontrados, encontraram um alongamento do crânio e o aparecimento da crista na dentição superior. Eventualmente, podem ser encontradas nos equinos atuais.

E continua

Na época Miocena, cerca de 26 milhões de anos atrás, surgiram os Kalobatippus. Uma derivação, portanto, dos Miohippus das florestas. Essa espécie foi encontrada na América do Norte, dando origem ao Anchitherium.

Aproveitaram o Estreito de Bering para povoar a Europa e a Ásia. No entanto, suas três descendências, Sinohippus, Hypohippus e Megahippus, foram extintas.

Os Miohippus que continuaram na América do Norte geraram os Parahippus (figura 3). Todavia, uma espécie de equino de estatura parecida com os pôneis atuais. A fisionomia começava a dar os contornos dos equinos modernos. Ao mesmo tempo que a dentição possuía quatro pré-molares que se assemelhavam aos dentes molares.

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Figura 3 – Parahippus

Logo após os Parahippus, a classe de equídeos contou com os Merychippus. Alcançaram a média de 90 cm, os maiores. A época Miocena apresentou muitas modificações climáticas, transformando florestas em planícies de gramíneas.

Sobretudo, foram essas alterações que contribuíram para o aparecimento de cascos no dedo do meio dos Merychippus. Com toda a certeza, a mudança na dieta gerou dentição de hipodontia, capaz de maior desgaste decorrente dos alimentos fibrosos. Dos Merychippus descendem três gêneros: Hipparion, Protohippus e Pliohippus.

Os Hipparion apresentavam dedos que nos pés que não tocavam o solo. Foram encontrados fósseis deste gênero na Europa, atual Grécia, porém com características diferentes dos encontrados na América do Norte.

No gênero Pliohippus os dedos laterais já eram pouco visíveis. Ocupavam as planícies, aptos para a velocidade. Pensavam neles como os antecessores do gênero Equus. Contudo, não estão diretamente relacionados.

Descendentes dos Pliohippus, os Astrohippus tinham apenas um casco e foram encontrados fósseis no Estado do Texas e no México. Esta espécie apareceu, aproximadamente, há 16 milhões de anos e desapareceu há 5 milhões de anos.

Ainda falando de evolução

Da época do Mioceno para o Plioceno (de 10 a 5 milhões de anos atrás) surgiram os Dinohippus. Gênero de equídeo com um só casco, dentição estreita, fossa nasal menor. Viveram em abundância e pode ser deles que tenha surgido o gênero Equus.

Por fim, cerca de 3,5 milhões de anos atrás, apareceu o gênero Equus. Antes de mais nada, é onde se encontram as espécies de equinos atuais.

O gênero Equus deriva de duas espécies de Dinohippus, contudo, ainda sem nome. De acordo com pesquisas do paleontólogo Augusto Azzaroli, foram encontrados fósseis na Índia datados de 2,5 milhões de anos.

Ao mesmo tempo, também foram encontrados fósseis na Europa Ocidental, sul da Rússia, além dos encontrados na América do Norte. Ou seja, bem antes do final do Plioceno, o Equus tinha chegado ao velho mundo.

Retomando a evolução do humano e nos cavalos (figura 4), sabe-se que os animais do gênero Equus, assim como outras espécies de animais, foram extintos pelas condições climáticas e pela presença dos humanos que viviam da caça e da coleta nas Américas.

Dessa forma, dar-se procedência ao desenvolvimento dos cavalos àqueles que descendem do continente africano e da Eurásia.

Os únicos exemplares do gênero Equus (e de toda a família Equidae) que sobreviveram são:

Equusburchelli – Zebra africana, considerada a ‘típica zebra’, com listras verticais largas e listras horizontais no dorso;

Equus zebra – Zebra sul-africana, espécie menor e com um padrão diferente da anterior;

Equusgrevyi – A maior espécie de zebra, com listras muito estreitas e enormes orelhas;

Equusferuscaballus – Cavalo de montaria, que por sua vez deu origem a muitas outras subespécies (raças);

Equusferusprzewalskii – Cavalo de Przewalski, uma subespécie selvagem e rara de cavalo;

Equushemionus – Espécies adaptadas ao deserto, incluindo ‘onagros’ Equuskiang;

Equusasinus – Burros, localizados na África do Norte.

Estudo

Um estudo publicado pela Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America– PNAS, utilizou ferramentas da paleontologia, arqueologia e genômica para indicar a domesticação de equinos na estepe eurasiática ocidental há seis mil anos.

Em uma área de planície gramada da Eurásia, área hoje localizada a Ucrânia e Cazaquistão, com a adição, frequentemente, de fêmeas selvagens da espécie Equu sFeruspara. Houve aumento do rebanho, haja visto que a domesticação dos garanhões era difícil por causa do temperamento selvagem do animal.

Portanto, se você definir cada evento de captura de uma fêmea selvagem como um ‘evento de domesticação’, o equino foi domesticado várias vezes. Vera Warmuth, da PNAS, acreita, no entanto, que há uma diferença.

“A uma diferença absolutamente crucial entre o estabelecimento inicial de uma população fundadora doméstica e a incorporação de fêmeas selvagens em um estoque já doméstico”.

Na pesquisa de Warmuth não foram incluidas outras regiões do mundo, pois pesquisas anteriores descartaram essas áreas como locais prováveis de domesticação ou existência de cavalos selvagens.

Assim como a impossibilidade de domesticação na Europa Ocidental decorrente das espessas florestas. Uma possibilidade de domesticação seria na Península Ibérica (Espanha e Portugal), no entanto, a pesquisa não pôde confirmar.

Pesquisa

Por outro lado, a pesquisa de Jaco Weinstock – com o título ‘Evolution, systematics, andphyloge ography of Pleistocene horses in the new world: a molecular perspective’ – publicada na revista PLoSBiology, trás um importante resultado para evidências sobre a domesticação do equino ao analisar o DNA mitocondrial (mtDNA) de fósseis de 53 mil anos até a data contemporânea.

Os resultados das análises colocam todos os indivíduos em um único grupo com ancestral comum. Deste grupo aparecem três espécies com DNA diferentes: os Hippidion, cavalos que viveram na América do Sul, mas que foram extintos.

Os Haringtonhippus, outra espécie extinta que habitava a América do Norte. E os ‘cavalos de verdade’, na qual originou os Przewalski (Equusferusprzewalskii) e os cavalos domésticos (Equus ferus caballus).

A diferença dos Przewalski e os cavalos domésticos está nos 66 cromossomos dos Przewalski, enquanto que os cavalos domésticos possuem 64 cromossomos. Os cavalos de Przewalski modernos descendem de um grupo genético distinto na parte leste das estepes eurasianas. Não sendo do mesmo grupo genético que deu origem aos cavalos domésticos modernos.

Conclusão

Atualmente existem apenas duas linhagens de cavalos vivos: o cavalo doméstico e o Przewalski, esse em risco de extinção.  

Publicado pela revista Cell, o artigo ‘Tracking Five Millennia of horse management with extensive ancient genome time series’, com mais de 121 pesquisadores, é a maior pesquisa de genoma não-humano.

A pesquisa indica o declínio da diversidade cromossômica Y para todos os cavalos domésticos nos últimos mil anos, bem como, traz nova luz sobre a domesticação do ser equino. Até o presente momento, no neolítico existiu uma comunidade chamada Botai, atual Cazaquistão, onde foi encontrado o mais antigo fóssil de cavalos domesticados.

Entretanto, os cavalos de Botai deram origem aos cavalos selvagens de Przewalski e não aos cavalos domésticos da atualidade  (figura 4). Desse modo, ainda temos lacunas sobre a origem dos cavalos domésticos.

Inclusive faltando sequenciar outras espécies. Até lá podemos contribuir com uma hipótese: da origem do equino doméstico não ter sido na Eurásia, mas sim na Mesopotâmia ou na África, e não com os cavalos, e sim com os burros.

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Figura 4

Figure 4 – Equine Archaeological Remains: Parte (A) mostra a localização de sítios arqueológicos. Os gráficos de ‘pizza’ são proporcionais ao número total de amostras que fornecem dados de DNA compatíveis com a determinação do sexo, espécie e status do híbrido.

Os nomes e faixas temporais (anos atrás) dos locais onde híbridos e espécies não-caballinas poderiam ser geneticamente identificados são indicados.

Na parte (B), vê-se a distribuição temporal de espécimes antigos. Oito indivíduos mostrando determinação de idade incerta não estão incluídos. Fonte: Ludovic et al (2019).

 Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Cavaleiro e Pesquisador | Campeira Dom Herculano | lu_fr@yahoo.com.br