Luciano Rodrigues, cavaleiro e pesquisador, discorre sobre prioridades, necessidades, planejamento para quem deseja ter um cavalo
Para quê ter um cavalo? Esta questão é importantíssima para entendermos sobre a nossa responsabilidade. Lembrando do Pequeno Príncipe: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Se cativo um animal, então, tenho responsabilidades com ele.
É sobre esta necessidade que se buscará um animal com aptidão para supri-las. Se precisar de um cavalo de Salto não posso confiar em um pônei. O mesmo vale para os Três Tambores, não posso confiar em um cavalo de tração. Isso não quer dizer que não temos ‘pontos fora da curva’. Vide Shady Leo, um cavalo de linhagem de Rédeas com filhos que se destacam nos Três Tambores.
Claro que aplicando técnicas de desenvolvimento podemos conseguir alguns resultados positivos, ‘todos os rios levam ao mar’, mas alguns rios são curtos, outros são longos para percorrer, alguns animais necessitam de maior atenção que outros. Nos cavalos esta aptidão está contida na linhagem do animal, com suas características morfológicas, ou seja, seu genótipo, na qual seus antecessores aprimoraram certa aptidão através do desenvolvimento genético, mas somente a genética não é o bastante.
Possibilidades e Necessidades
Com os avanços do conhecimento sobre o mundo animal, percebe-se que o ambiente é de extrema importância para o desenvolvimento do animal. O ambiente é responsável por estimular os traços adquiridos pela genética, o conceito de estímulo é muito importante para pensar no ensino-aprendizado de qualquer ser.
Nesse ponto destacamos o outro fator além da necessidade, o da possibilidade, não basta ser necessário, deve ser possível a sua realização. Posso ter a necessidade de ganhar as Olimpíadas de Hipismo, mas tenho estas possibilidades?
Discursos meritocráticos vão dizer que sim, que todos têm possibilidades, basta ler um livro de auto-ajuda e querer. Nós dizemos que nem sempre é possível: temos cavalos adequados? Tem um treinamento de alta performance? Tem dinheiro para arcar com gastos em eventos nacionais e internacionais? Consegue pagar todos os funcionários envolvidos no manejo e na logística? Tem uma infraestrutura para as práticas? Possui um treinador? Nem todos têm essas possibilidades. Ter necessidade não quer dizer que tem possibilidades de realizar, principalmente em esportes com altas exigências financeiras.
Manter um cavalo não é fácil, assim como manter uma amizade ou um funcionário também não é simples, exige-se. Alguns objetivos são impossíveis de se realizar, como o meu desejo de conhecer o espaço, no atual momento isso é impossível, mas nada impede que no futuro quando tivermos novas tecnologias eu não consiga. No momento não é, mas com planejamento estratégico, podemos tornar as possibilidades mais concretas.
Planejamento
Definir um planejamento estratégico determina onde queremos chegar, sabendo disso começamos a definir quais são os pontos que devemos abordar, qual o passo-a-passo a se executar.
Estávamos pensando em como podemos ter um animal campeão de Rédeas. A priori não importa em qual categoria, que seja a mais fácil, começamos a colocar no papel o que necessitamos. De imediato precisamos de um animal, uma sela e uma estrutura boa para os treinamentos. Um segundo momento, precisamos entender o evento, os esquemas, regulamentos, datas, programações, logística, juízes. Esbarramos nos valores, um alto custo das inscrições que ainda não estamos prontos para gastar, em virtude dos gastos com os animais e a estrutura.
Começamos a esbarrar em alguns passos necessários para conquistar nossos objetivos. Para aquele ano não era possível. Primeiro as prioridades, e a escola dos filhos pode ser mais prioritário que as competições com cavalos, às vezes é melhor vender o cavalo à mantê-lo em péssimas condições.
Lembro que ministrava um treinamento organizacional, falava sobre desenvolvimento pessoal, metas de vida, reflexões, buscar crescer na empresa, depois comecei a falar sobre a empresa, as possibilidades, o plano de carreira, salários, sobre estudos, pós-graduação, cursos etc. Foram todas aquelas baboseiras dos discursos organizacionais (o mundo empresarial é cheio de palavras diferentes para enganar o público). Depois de falar um longo tempo, um rapaz levantou a mão e disse: senhor eu só quero levar a minha namorada para comer um lanche no final de semana, tem como?
Óbvio que tem, e que mal há nisso? Nenhum, é a prioridade daquele rapaz, era eu que estava tentando vender um peixe que muitas vezes não se concretiza. Muitas organizações vendem sonhos parcelados pela internet, mas nunca entregam. Estava mais que certo o rapaz levar o crush para comer um lanche, amor sempre.
Quais são as suas necessidades?
Nem todas as pessoas têm o mesmo perfil, suas necessidades e possibilidades são particulares, não adianta querer generalizá-las. Assim como cavalos, alguns são aptos para alguns esportes, enquanto que outros não. Alguns são fáceis de iniciação, outros apresentam resistências a ponto de serem eternos selvagens.
Voltando ao nosso planejamento estratégico: queria animais para o trabalho no campo e com o laço. Decidimos apostas nos cruzamentos de cavalo de velocidade (tambor e baliza) com trabalho (rédeas e apartação), o tempo dirá o resultado. Perceba que antes de escolher o animal ou em qual linhagem apostar, devo ter a finalidade: trabalho no campo e laço.
Definido isso posso encontrar animais de mil a dez milhões de reais. Quais são as nossas possibilidades? Apostamos em uma égua nova com valor razoável e também em uma potra que nasceu na estância, que irá começar sua iniciação, então tínhamos dois anos seguidos com animais em competições. São nossas únicas possibilidades, mas até lá muitas coisas podem acontecer.
Aconteceu, mudanças de planos, a potra foi vendida e a égua está prenha. Começamos a pensar em um novo planejamento. Então, antes de pensar pra que um cavalo, pense nas suas necessidades e nas suas possibilidades? Pra que você quer um cavalo?
*Trechos do livro: “Entre cavalos e humanos: sobre relacionamento interpessoal”, autoria Luciano Rodrigues e Éder Ribeiro.
Colaboração: Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Cavaleiro e Pesquisador | Campeira Dom Herculano | lu_fr@yahoo.com.br
Crédito das fotos: Divulgação/Pixabay
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