Você conhece a Equitação Transformativa?

“O cavalo é o espelho da sua alma” (ditado Árabe). Conheça um pouco da história de Andréa Kober e como ela direcionou seu trabalho com cavalos para transformar a vida das pessoas

A Equitação Transformativa é um trabalho pioneiro que reúne a psicomotricidade, o aprendizado transformativo, a meditação e a equitação.  O processo se inicia a partir de uma conversa e o estabelecimento de algumas metas pessoais. Do encontro entre cada pessoa e seu cavalo, inicia-se um processo que é facilitado em um ambiente seguro e descontraído.

O trabalho envolve por vezes vivências no solo e/ ou à cavalo. Entre cavalo, praticante e instrutor vai-se tecendo potenciais de transformação de velhos padrões de relacionamento, de liderança, de medos, depressão, etc.  Cada atendimento tem a duração de aproximadamente duas horas podendo se estender a duas horas e meia.

Seus benefícios atingem tanto o nível corporal, quanto o psicológico/anímico. Dentre eles, destacam-se: Auto-conhecimento a partir de vivencias que trazem o indivíduo  ao limiar de seus velhos padrões e recursos; Relaxamento – Descontração – Fluidez; Concentração  – Empatia; Consciência corporal  –  Consciência afetiva; Alongamento – Flexibilidade; Desenvolvimento de equilíbrio – Questionamento do aspecto confiança na vida; Transformação de padrões polarizados de relação com o mundo, isto é,  excessivamente embotados ou dispersivos; Aprofundamento da Respiração como elemento de conexão entre o Eu e o Não Eu (Cavalo).

É indicada a todo os tipos de pessoas, independentemente de gênero, habilidade, a partir de 16 anos.  É uma prática que pode beneficiar também pessoas que estejam sob tratamento médico. Entretanto esse é uma questão tão ampla que só pode ser respondida considerando cada caso em sua complexidade individual.

A Equitação Transformativa é extremamente benéfica, principalmente para aqueles mais atingidos pelos estresses da vida urbana, tecnológica e extremamente acelerada. Também é muito benéfica aos usuários de medicações ansiolíticas, ou portadoras de distúrbios temporários ou permanentes de saúde mental, tais como depressão, déficit de atenção, ansiedade, anorexia, bulimia e esquizofrenia, etc. Vale sempre lembrar que cada caso é considerado individualmente e pessoalmente.

Como Andréa chegou a esse conceito

A Equitação Transformativa, é um conjunto de experiências, de vivências, de aprendizados que venho tendo ao longo de 43 anos que passei a conviver com os cavalos. Como diz minha amiga, Ana Rezende, é um tesouro de várias joias que fui encontrando ao longo desse tempo.

A primeira joia deste tesouro, meu primeiro cavalo, presente do meu pai, foi a tremenda alegria que os cavalos puderam me trazer. Foi através desta alegria que criei com eles, um vínculo eterno. Foi como se tivesse recebido, de alguma forma, o recado do meu propósito aqui na terra.

Logo que ganhei o meu primeiro cavalo, além da felicidade imensa que foi despertada dentro de mim, tive que aprender com erros e acertos, pois venho de uma família de hábitos urbanos e nenhuma experiência sobre cavalos!

Na época, eu com oito anos, não sabia absolutamente nada sobre estes seres maravilhosos que encantaram o meu coração a não ser o que o caseiro e os ‘entendidos’ (peões locais) diziam a respeito deles. Nessa época tínhamos, no sítio da família, algumas cocheiras adaptadas de um antigo chiqueiro. Eram quatro, o suficiente para guardar os quatro cavalos que meu pai havia adquirido.

Mesmo dentro de todo este novo mundo cheio de novidades, o melhor professor era e sempre será a observação. Quando observamos corretamente, não projetamos nada sobre o que observamos, a observação passa a ser assim uma forma de escuta aquilo que o cavalo tem a nos revelar sobre si mesmo. Dessa forma a observação leva a uma forma de conhecimento e compreensão do cavalo, de seus atos e emoções.

Aprendi a montar sozinha. Meu pai era alemão, e vale lembrar que a Alemanha tem uma sólida tradição equestre (HighSchulle/Alta Escola de Equitação). Então, meu pai tinha um interesse absurdo pelos cavalos e lia muito da literatura alemã equestre sobre como nos relacionar com os cavalos e de como tratá-los. Assim entre erros e acertos, aprendi muito. Um dia, um amigo que foi da cavalaria alemã nos visitou e nos ajudou muito a entender mais sobre cavalos.

Foi assim que começaram, através do olhar da minha infância, junto com meu pai, as primeiras experiências sobre o dorso de um cavalo, base de tudo que hoje desenvolvo.

Na adolescência fiz minha primeira aula de equitação com um tenente da Policia Militar de São Paulo. Ele muito simpático, disse-me que eu poderia fazer aula com meu próprio cavalo e eu fiquei um pouco com vergonha, pois meu cavalo era, comparado aos outros, um ‘pangaré’, e ainda por cima de pelagem pampa! Com toda sua simpatia ele me disse que eu tinha um ótimo cavalo e que poderia até saltar com ele.

Assim entrei para o mundo hípico e daí para frente, além de estudar sobre animais, passei a trabalhar com cavalos. Já fiz de ‘quase tudo’: trabalhei treinando cavalos de Salto, acompanhando pessoas em passeios, trabalhei dentro do Jockey Club de São Paulo, como primeira mulher, aos 19 anos, a montar dentro das dependências do Jockey com o treinador J. L. Camargo , que na época, o único que treinava os cavalos ao trote na raia para fortalecê-los.

Enquanto isso fazia cursinho e a noite fazia um curso de técnico em agropecuária.  Por fim acabei entrando na faculdade e me formei em Zootecnia. Mesmo na faculdade consegui arrumar um emprego temporário para montar cavalos e prepará-los para exposição.

Em 1994, voltei para casa de meus pais e passei a integrar uma equipe de Enduro, treinando os cavalos e competindo. Alguns anos depois voltei a dar aulas de Salto e, através de uma amiga de meu pai, tive a oportunidade de aprender sobre o Adestramento. A partir deste momento, comecei a observar o mundo dos cavalos sob uma outra ótica. Neste momento me perguntei se tudo que fiz até então estava errado.

Seguiram-se muitos encontros com pessoas que, dentro do Adestramento, me mostraram uma nova maneira de compreender a biomecânica do cavalo e a partir daí, desenvolver uma sensibilidade muito mais aguçada para conseguir de fato formar o conjunto.

As provas de Kur me levaram a treinar muitas vezes usando a música no fone de ouvido. Desenvolvi o hábito de montar ouvindo inicialmente músicas que combinassem com os andamentos do cavalo, e depois músicas que a cavalo promoviam um momento de relaxamento e mais tarde, momentos de meditação sobre o cavalo. Foi desses anos dedicados ao adestramento que desenvolvi uma consciência muito particular sobre o caráter relacional do meu trabalho.

Em 2005, fui convidada a treinar dois deficientes físicos para o Adestramento Paralímpico. Foi muito revelador para mim esse trabalho. O deficiente físico traz de uma maneira muito explícita o que jaz na alma de todos nós, isto é, nossas dificuldades e supostas limitações.

Nesse trabalho me deparei com a necessidade de mudar minha forma de ensinar, de me tornar mais sensível, não apenas ao cavalo, ou ao conjunto, mais também, mais atenta as características muito especiais de cada aluno. Aprendi a ir além do ‘manual’ e me tornar criativa para encontrar soluções e adaptações que viabilizassem a montaria e que, sobretudo, salvaguardassem o prazer de treinar e superar a si mesmo.

Os cavalos se tornavam meus colaboradores, co-autores em tudo que faço e trabalho. No ano de 2006, a convite da Ande Brasil, da Associação Nacional de Equoterapia, estava inserida no meio da Equoterapia para ministrar cursos na área de treinamento de cavalos e pessoal para o convívio com o cavalo. Essa atividade me trouxe muitas percepções sobre essa belíssima relação entre os movimentos corporais e seus efeitos físicos e psíquicos e como o cavalo pode ajudar as pessoas com deficiência físicas e intelectuais.

Paralelamente a esse trabalho continuava minha vida em dar aulas de Hipismo. Foi quando percebi que o perfil das pessoas que me procuravam estava mudando. Vinham a minha procura pessoas que tinham muitas dificuldades, não necessariamente com os cavalos, mas que percebiam o quanto o cavalo lhes revelava dificuldades com sigo próprias e que buscavam superar. Passei a dar aulas a muitas pessoas com depressão, pessoas com distúrbios de ansiedades, sociofobias, etc.

Do momento em que comecei a entender melhor o que os cavalos podem contribuir para nossa transformação pessoal, minha maneira de dar aulas foi mudando e isso me trouxe um sentimento muito bom de poder contribuir com os cavalos para uma transformação pessoal na vida dos meus alunos.

Foi em 2010 que, durante um atendimento a um rapaz com problemas da saúde mental, cuja mãe é psicoterapeuta, que nasceu um diálogo entre a equitação e a psicoterapia.

Essa mãe tinha uma experiência de psicoterapia com equinos na Inglaterra e juntas passamos a fazer alguns atendimentos. Nessa colaboração veio o encontro de algumas disciplinas, isto é, ao Adestramento uniu-se a Psicoterapia com um olhar imaginal da visão do ser humano, ampliada pela filosofia Perene.

Aos poucos fui acrescentando algumas práticas meditativas, que eu mesma praticava há algum tempo com músicas (mantras de um modo geral). No decorrer desta construção conheci também os benefícios dos exercícios de Thai Chi Chuan, que foi me apresentado por uma de minhas alunas, médica, e que trouxe sua mestra para conhecer o trabalho com cavalos e juntas experimentamos estes exercícios em cima do cavalo.

Notamos que os exercícios do Thai Chi Chuan exigiam uma qualidade de concentração e instrospecção muito útil para o trabalho com praticantes muito ansiosos. Trabalhamos com a coordenação de movimentos a fim de ampliar a autopercepção de tal forma que esta se torna um veículo de aprofundamento da relação corporal, afetiva e psíquica com o cavalo. Tal experiência tem um caráter transformativo posto que o que se ganha ali é transferido para outros âmbitos da vida do praticante.

Em dado momento, meu então velho hábito de meditar com música sobre o cavalo a passo, passou a ser mais um elemento disponibilizado para o cultivo da autopercepção e atenção. O cavalo se move em ritmos variados, nosso movimento cardíaco segue também ritmos variados que dependem da situação corporal, física e emocional. O trabalho com música tem considerações rítmicas e sua influência na integração psicomotora.

Andréa Kober

Com este trabalho acontecendo fui também buscar um pouco mais de informações sobre o ser humano e sua complexidade na relação corpo mente, através de uma pós-graduação na área da Psicomotricidade (uma ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo. Está relacionado ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto).

“Há algo no exterior do cavalo que faz muito bem ao interior do Homem”. W. Churchill

Por Andréa Kober- Zootecnista, Instrutora de equitação e Pós-graduanda em Psicomotricidade
Fotos: Arquivo Pessoal

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