Com sua simplicidade ensinou aos filhos que o cavalo podia dar tudo o que quisessem. Nesse meio, formou todos, com carinho e responsabilidade
Não há quem não se encante ao conversar com Marco Antônio Toledo de Souza, o querido Marcão Toledo. Com seu jeito simples é um grande entendedor dos cavalos. Sempre com chapéu na cabeça, um sorriso no rosto e sua marca registrada, o lenço no pescoço. Ao cumprimentar, fala: “Está bem, fia, Deus abençoe!”.
E seus ensinamentos passam por gerações. Criou os quatro filhos no meio do cavalo: Sérgio,45 anos, Silvia, 43 anos, Sandra, 41 anos, e Marco Filho, 39 anos. Todos são profissionais no mundo dos Três Tambores e passaram por todas as modalidades. E a vida claro, apresentou a eles pessoas do mesmo meio.
Silvia se casou com Vagner Simionato, e tem Juninho, que também já segue no mesmo caminho; Marquinho com Ana Paula Zilo. Sérgio tem duas lindas filhas, Thainá e Giovana, que sempre estão junto à tia Sandra.
“Montei meu primeiro cavalo com sete anos de idade na fazenda onde eu e meus irmãos fomos criados. Meu pai, Francisco Toledo, mexia com boiada, domava burro, mula e assim comecei nesse meio”, lembrou Marcão Toledo. Em 1970, ele conta que entrou para o Quarto de Milha, na fazenda do Willian Koury.
“Domava os cavalos para lida no campo com o gado para ele e quando nós conhecemos o Quarto de Milha, foi uma paixão. E seu Willian Koury tinha três filhos, Paulo, Willinha e Rodrigo. Quando ele viu o QM, ficou apaixonado igual a mim. Me achava um domador ajeitado, com paciência, e comprou os cavalos para eu domar ensinar os meninos a montar”.
Em 1975, a ABQM promoveu um curso com Eduardo Borba e Koury enviou Marcão para fazer. “Algumas coisas eram iguais ao que eu já sabia, mas aprendi muitas outras. Então começamos, os primeiros cavalos foram comprados do Dr. Heraldo, no Bauru Haras. Lembro bem: Otoe’s Capri Bar e Old Hondo, filho do Rancheiro, que era importado e o Willian Koury fez negócio”.
E quando ele viu, já estava com vários animas sendo treinados em diversas modalidades: Apartação, Rédeas, Laço, Tambor. “Trabalhava os cavalos para os meninos do Seu Willian e os amigos deles foram chegando. Virou uma escolinha. Nessa época, surgiu a Sociedade Hípica de Garça e ele era o presidente, formamos uma equipe”, detalhou.
E nesse meio os filhos de Marcão foram crescendo e participando junto com as crianças das provas. Iam para Bauru para competir. “Disputávamos o prêmio entre as filhas do Zilo, os meninos do Dedemo, do Farha, os Ferraz”. E a mãe acompanhava em tudo. “Minha mãe fazia a mamadeira para gente dentro do caminhão, sempre acompanhou tudo, fazia comida, uma época boa”, lembrou Marquinho.
Sandra fala que montavam qualquer animal, porque havia poucos na época. “Para ter uma ideia, na categoria Mirim a gente já montava cavalo que era Potro do Futuro, não tinha tanto cavalo”. Ficaram um longo período com Willian Koury até que a Hípica começou a focar no Salto. E esse não era o mundo de Marcão, apesar de ter domado animais de Hipismo.
“Como Seu Willian era muito amigo do Francisco Bertolani, conversou com ele e fomos para lá. O Franco tinha uns 12 anos e começou com a gente, era na cidade de Agudos. Fazíamos Laço de Bezerro, Tambor, Baliza”, recordou Marcão com sua voz mansa. No tempo que ficou com Bertolani, Sergio, o filho mais velho de Marcão, chegou a ganhar o Potro do Futuro na sela de Cromita MA 10, que foi ícone naquele período.
Depois, o Franco começou na Rédeas, modalidade da qual é uma referência hoje no mundo todo. E a família Toledo acabou tomando outro rumo. Em 1991, foram para Rio de Janeiro, ficando por lá por cinco anos, até 1996. Desse período, relembram os encontros na carreta do Cotrim. “A família Cotrim sempre recepcionava os amigos, no ônibus, na carreta, deliciosos almoços nas provas”.
Depois de trabalhar em tantos lugares, voltou para São Paulo, mudando para o Rancho 3 Meninas, em Lençóis Paulista. Onde hoje, seu filho Marquinho, junto com sua nora Ana Paula Zillo, montaram o próprio Centro de Treinamento.
“A gente competia tudo junto e sempre tive cavalo de Três Tambores. Depois que eles foram embora, fiquei um pouco perdida. Quando voltaram, ficaram quatro anos aqui trabalhando comigo. O Marquinhos sempre gostou de mim (risos), desde categoria mirim. Ele falava que era meu namorado, mas que eu não podia saber, coisas de criança. Mas que se tornou realidade. Hoje moramos no haras, onde na época o Marcão ficou”, recordou Ana Paula.
O mestre Marcão então se aquietou e fez morada na região de Bauru, participando sempre ativamente de tudo. Entre seus feitos, chegou até participar de uma novela em 1998, transmitida pela TV Record, Estrela de Fogo, com o cavalo Eternal Doc. Marcão sempre trabalhou independente e fez grandes trabalhos. Sua maior parceria é com o Haras ST, onde domou praticamente quase todos os animais da criação que foram para pista.
Não soube falar um animal que mais marcou sua carreira, segundo ele, foram muitos cavalos. Acredita que chegou a domar mais de cinco mil, em mais de 50 anos de história. De qualquer maneira, o primeiro QM que domou, faz questão de mencionar. “O primeiro foi Preferido, era Registrado. E a primeira prova que fiz foi em Araçatuba, com Otoe’s Capri Bar, cavalo que o Loly ganhou Tambor, Laço”.
Muitos lugares, muitas histórias e a família sempre junto. E o cavalo se tornou o meio e o caminho para algo maior na vida deles. “Então o Quarto de Milha é minha vida e trouxe a família mais perto, os netos seguindo esses passos também. Fez quem eu sou!”, se emocionou Marcão. E os filhos falam com carinho e também emocionados do pai, que os ensinou tudo através do cavalo, formando-os pessoas de caráter, honradas.
“Ele me ensinou tudo que sei com os cavalos, me passou seus princípios, minha profissão!”, contou Silvia Toledo. Sandra chora ao lembrar uma passagem em que o pai salvou sua vida. “Ele é tudo de bom nas nossas vidas. Ensinou a gente ser feliz como crianças e hoje a gente faz isso com as outras pessoas. Lembro quando era criança, estava na pista treinando maneabilidade, e uma potra saiu em disparada quando fui saltar. Fiquei entre o pescoço e a sela do cavalo e não conseguia voltar. Montado, ele correu e conseguiu me tira de cima”.
Marquinho é o mais novo e que agora está dando sequência ao trabalho de doma do pai, inclusive está usando o lenço, a marca de Marcão. “São vários momentos, sua humildade, sua fé. Uma vez trabalhando aqui comigo falou que estava ficando velho. Disse que tinha vontade de saber tudo que sabe hoje, só que com a minha idade. Isso marcou. Somos de uma família humilde, tudo o que temos foi o cavalo que deu para nós. É o ganha pão de todos os filhos”.
Ana Paula Zilo também deixou uma mensagem para o sogro: “Aprendi muito com Marcão, ele me ensinou a entender a cabeça do cavalo, que cada indivíduo é um, e que depois que a gente os conhece, é tudo mais fácil. Hoje aprendo com meu marido”.
Os netos Wagner Toledo Simionato ‘Juninho’, Thainá e Giovana também falaram do avô, que é uma inspiração para eles e que, muitas vezes, tem muito mais disposição do que eles. “É muito gratificante ter ele ao nosso lado, é um exemplo de vida. Já participou de várias provas, ensinou muitos cavaleiros e hoje está no Hall da Fama na ABQM. Todo dia ele me ajuda com os cavalos, se ele vê que não está certo alguma coisa já fala. Quando faço algo que sei que ele vai falar que está certo, passo e falo ‘está bom, vô’? E ele fala, ‘parabéns fio’”, contou Juninho.
Thainá reforçou que se não fosse ele, não estaria no meio cavalo e é muito grata por tê-lo como avô. “Muita gente gostaria de ter alguém como ele na família e não tem essa oportunidade. Nós temos esse privilégio. E quando a gente tem alguma dúvida, baste ligar que ele ensina como faz, está sempre nos ensinando algo novo”. Giovanna completa: “ele está com a gente em tudo e é muito bom tê-lo por perto, é exemplo de vida. Aprendi e aprendo muito com ele. Te amo vô!”.
E com tantas coisas boas e pela contribuição de anos dedicados ao cavalo, ao Quarto de Milha, em 2012, Marcão Toledo teve seu nome eternizado no Hall da Fama ABQM, uma justa homenagem. “Fiquei muito emocionado por lembrarem de mim. Hoje minha maior alegria em uma prova é ver as crianças competindo, estou sempre lá torcendo. Às vezes, até atrapalho a Silvia ou quem esteja treinando. Acho que meu contato com elas contribuiu para ajudar no esporte”.
E podemos dizer que ele é realmente uma fortaleza! Em 2016 passou por momentos difíceis, delicados com sua saúde e chegou a ficar internado na UTI. Mas sua fé e sua vontade de viver foram muito maiores. E dias após ter se recuperado, estava ele numa etapa do NBQM se apresentando com seu Paint Horse, ninguém acreditou quando viu!
“Só tenho que agradecer a Deus por ter me dado essa família linda e me fez esse milagre, de me recuperar sem nenhuma sequela. Olha, eu vivi de novo. O cabelo, a barba chegam a arrepiar, é emocionante! E fiz a apresentação em agradecimento. Ele deitava eu descia, dava um toquinho e ele sentava. Enquanto não mandasse, ele não saia da posição”, chorando, contou essa passagem.
E ele completa. “Graças a Deus, não conheço nenhum inimigo. Se eu puder ajudar, ajudo, só quero ver o bem dos outros. Fico muito feliz dos meus netos seguirem a mesma estrada nossa. Juninho, Tainá, Giovanna, tudo cavaleiro, dá maior orgulho pra gente. Deus abençoe”. Finalizando com uma mensagem. “Desejo muita paz, saúde, paciência. Que as pessoas procurarem entender o cavalo, se caso não está correspondendo algum comando, nunca judiar, procurar ver o que está acontecendo. Porque o cavalo transforma a vida das pessoas, é um companheiro. Desculpa, a gente chora um pouco, mas são muitos anos de história.”
Por Verônica Formigoni
ESPECIAL Bauru – Revista Tambor & Baliza – Ed. 83
Fotos: Hugo Lemes